Raul ouviu aquilo e não falou nada. Mastigou seu pedaço de pão, tomou seu último gole de café e saiu da mesa. Passou no estaleiro e cumprimentou Vicente: “Bom dia, Vicente!” “Bom dia, patrão!” “Vicente, depois quero que passe na loja da sua prima e veja quanto Felícia ficou devendo por lá.” “Minha prima já falou, patrão. Dona Felícia comprou nove mil e trezentos cruzeiros na loja dela!” “O quê!? Que diacho, ela comprou a loja inteira, então?” “Ela comprou bastante, Nero falou que a carroceria da caminhonete veio cheia de sacolas.” “Tudo bem, dessa vez passa. Vicente, converse com Nero, não quero que isso se repita.” “Vou chamar a atenção dele, pode deixar comigo.” Em seguida, ele abriu a carteira e entregou o dinheiro para Vicente pagar a prima dona da loja. Na hora do almoço, Raul voltou do campo de café e encontrou uma arrumação na sala de estar da casa grande. “Que marmota é essa, porque estão mexendo esses móveis na hora do almoço?” “Dona Felícia pediu que
Raul perguntou desconfiado e com o cenho franzido ao se deparar com a presença da mulher em seu ambiente de trabalho. Ela respondeu apreensiva e com uma expressão cautelosa, tentando disfarçar o nervosismo: “Eu só vim procurar um livro para ler.” “Esse lugar é privado, não quero que entre aqui”, disse ele avaliando a expressão hesitante no rosto da mulher. Ainda confuso, pegou o livro das mãos dela e leu o título em voz alta: “Fundamentos em agronomia pecuarista. Não sabia que se interessava por assuntos da minha profissão.” “Quero saber o segredo da sua prosperidade para ajudar minha família.” “Precisa se ter o mínimo de dinheiro para prosperar, coisa que sua família não tem, então não perca tempo lendo esses livros.” “Aqui não tem outras categorias”, ela falou revirando a estante, fingindo procurar por outros livros. Enquanto ela remexia os livros da estante, Raul a olhava sem desconfiar do real motivo da presença da mulher no seu escritório. Com um olhar cheio de l
Felícia passava os dias entediada na fazenda. Quase todos os dias acordava tarde com o barulho dos animais e os cantos dos pássaros lá fora. Duas vezes na semana preparava seu coquetel capilar para hidratar o cabelo. Durante o dia, balançava em uma rede na varanda e lia suas revistas de moda. Fazia caminhada nos arredores da casa grande, tentando encontrar um pouco de paz naquela vida entediante. Contemplava os jasmins e as margaridas do florido jardim, encantava-se com a melodia dos bem-te-vis e disputava o cheiro das rosas com as borboletas e as abelhas. Na quarta-feira, como todos as manhãs, ela acordou tarde com o barulho dos animais lá fora. Realizou sua higiene pessoal e desceu. Enquanto tomava seu café na cozinha, conversava com Zilda, a empregada. Zilda contava sobre a dificuldade das crianças da região em ter que acordar cedo para ir à escola em Santa Rita. Sentindo compaixão da situação das crianças, ela abordou o assunto com o marido à noite antes de dormirem: “O
Quando retornou para a fazenda, Dona Quitéria entregou as botas que havia comprado para a nora. Felícia pegou a caixa animada, planejando andar a cavalo com um calçado adequado. Ao abrir a caixa viu uma bota cara e bonita. Mas se decepcionou quando olhou a numeração. Não era o número do seu pé, era dois números maiores. Ela se sentia desprezada e ignorada pelo marido e pela família dele. Com isso, não insistiu mais no assunto da escola com a sogra. No início de semana, Felícia acordou tarde como sempre e desceu para tomar o café da manhã. No meio da escada, observou as cunhadas e a sogra saindo do escritório de Raul com dois homens de boa aparência. Ela escutou um deles enfatizando: “Senhoras, deixo com vocês uma cópia da planta do projeto da escola. Em breve retornaremos para colocá-lo em execução.” Enquanto as três se despediam dos homens lá fora, Felícia desceu as escadas e foi tomar seu café na cozinha. Ela não conseguia engolir nada de tanto desgosto. Martelando na c
Raul voltou tarde da noite e encontrou a mulher deitada já dormindo. Ele apenas tomou um banho e se preparou para deitar. Sentia-se extremamente exausto depois de um dia de trabalho bastante produtivo. Nas primeiras horas da manhã, ele foi despertado pelo canto do galo e levantou, sem fazer barulho para não acordar a mulher. Encontrou Bibiana na cozinha, tomando seu café da manhã. “Bom dia, irmão!” “Bom dia, Bibiana. Aonde vai tão cedo?” “Vou à cidade, preciso que Nero me leve.” “Vou falar com ele.”, disse Raul. Curioso, perguntou: “E o que vai fazer tão cedo na cidade?” “Vou à fazenda dos pais da Felícia, ela me pediu que eu entregasse aquela caixa para a mãe dela.” Raul arregalou os olhos e de imediato tomou posse da caixa que estava sobre o aparador da sala. Ele balançou a caixa desconfiado. “Raul, o que está fazendo?”, perguntou Bibiana. Sem demora, ele pegou a faca sobre a mesa e abriu toda a caixa. Bibiana entrou em desespero. “Raul, você não tinha esse direito.
Ela ficou espantada com a declaração do marido, levantou-se ligeira e perguntou: “Você abriu minha caixa, Raul?” “Sim, abri.” “Você não tem nenhum respeito por mim, não é mesmo?” Ele também levantou. “Estou cansado dessas nossas brigas, precisamos agir como um casal. Você precisa amadurecer e mudar certos comportamentos.” “Você é horrível, me trata mal e depois me culpa por isso. Está ficando cada dia mais insuportável viver com você, estou me sentindo sufocada nessa fazenda.” “Certo, e o que você quer que eu faça? O que posso fazer para melhorar a nossa relação?” Ela deu as costas para ele, fez uma pausa e respondeu: “Me ame ou me deixe ir!” Ele chegou pertinho e falou, acariciando os ombros dela, quase sussurrando em seu ouvido: “Eu queria te largar, te deixar ir, mas não consigo. Você tem algo especial que me prende, me atrai, você ainda é a minha gatinha. O fogo da paixão do início do casamento continua acesso. Eu reconheço que preciso te dar mais at
Era sábado, em uma manhã acalorada, a família se preparava para o chá de cozinha de Catarina. Ela convidou as amigas e festejou a tarde toda na fazenda. Finalizou a noite com uma serenata. Felícia estava determinada a se exibir na festa da cunhada e provocar a amiga dela, Yelena. Ela se arrumou e se maquiou, fez um penteado charmoso e colocou seu melhor vestido de cor vermelho soltinho e um salto médio. Erguia-se em elegância, queria chamar a atenção do marido e conseguiu. Raul, quando avistou a mulher descendo as escadas, surpreendeu-se com sua graciosidade e compostura. Ele se aproximou da ponta da escada e, como um verdadeiro cavalheiro, pediu-lhe a mão e a beijou em seguida. À noite eles se sentaram em uma mesa afastada. Às vezes saiam para dançar, às vezes permaneciam em pé com ele atrás dela, agarrado em sua cintura. Devido a toda inimizade que teve com a cunhada, Catarina incentivava a amiga a seduzir o irmão, planejando a todo custo separá-los. “Amiga, se ele solt
Ele também preparou seu cavalo favorito e cavalgou ao lado dela. Quando chegaram à cachoeira, ela nem ao menos se deu o trabalho de contemplar o lugar. Aproximou-se dele e acariciou as costas de forma descarada e pretensiosa enquanto Raul prendia os cavalos. Ele permitiu aquele momento de intimidade. Virou-se para a mulher e, encarando-a com firmeza, disse com a voz grossa: “Quais seus planos, Yelena? Por que você acordou cedo e me trouxe aqui?” “Queria um momento só para nós.” “Você sabe que sou casado, né?” “Nem parece, te vejo tão carente.” “Eu sei que você me trouxe aqui para me seduzir.” “Você é um homem que toda mulher desejaria. Um Barão bem-sucedido, bonito, fiel... Sorte da sua esposa que te fisgou primeiro.” “Não, não, a sorte foi minha, porque tive muito trabalho para conquistá-la.” “Me desculpe pelo atrevimento, mas fiquei sabendo que Felícia não gostava de você antes de casar e que até tentou fugir com outro homem.” “Isso foi apenas fofoca de gente ma