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Capítulo 3: O Passado Sombra

Kiara acordou cedo no dia seguinte, apesar do cansaço que ainda a envolvia. O quarto estava banhado pela luz suave da manhã, filtrada pelas persianas fechadas. A cama onde ela dormia era incrivelmente confortável, mas nada que fosse capaz de mascarar o desconforto de sua mente, que girava em torno dos eventos da noite anterior. Sergey Novikov. Ele ainda estava em sua cabeça, uma presença constante, sua voz profunda e os olhos âmbar que pareciam enxergar além de sua pele. Cada momento que ela passava naquele lugar, cada segundo em sua presença, parecia intensificar o turbilhão dentro dela. Ela sabia que sua vida, assim como a conhecia, havia mudado para sempre.

Ela olhou para o relógio, percebendo que ainda tinha tempo antes que qualquer coisa acontecesse. Levantou-se devagar, os pés descalços tocando o chão gelado. O quarto era elegante, com uma decoração minimalista que, ao mesmo tempo, parecia impessoal. As paredes brancas, os móveis escuros e modernos, o cheiro sutil de madeira e um leve toque de incenso pairando no ar, tudo parecia perfeitamente planejado, mas nada parecia acolhedor. A mobília moderna contrastava com a grande janela que oferecia uma vista panorâmica da cidade, com seus prédios altos e ruas que pareciam tão distantes agora. A sensação de estar tão longe de casa era palpável, e ela não conseguia afastar o medo do que poderia vir a seguir.

Kiara se aproximou da janela e olhou para fora, tentando se concentrar em algo que não fosse seu destino incerto. A cidade parecia calma, mas ela sabia que, em algum lugar, alguém estava se perguntando onde ela estava. Ela sentia falta de sua rotina, da vida simples que levara até aquela noite. O que aconteceu ontem parecia um pesadelo, mas ela sabia que era muito real. Ela se viu olhando para o homem morto, cercada por homens que pareciam mais sombras do que pessoas. E, em seguida, a presença de Sergey — dominante, implacável. Ele havia a levado para aquele lugar. Para longe de tudo o que ela conhecia.

O som da porta do quarto se abrindo a fez voltar ao presente. Sergey entrou, sem bater, como se a casa fosse sua e ele tivesse direito a cada espaço. Sua figura era imponente à medida que ele se aproximava, mas não havia agressividade em seus passos. Apenas aquela calma de quem controla tudo ao seu redor. Ele entrou como se fosse natural, e o simples fato de sua presença ali parecia preencher o ar de uma maneira que a deixava inquieta.

— Bom dia, devotchka — disse ele, a voz tão profunda quanto da noite anterior. Ele parecia diferente com a luz suave do dia iluminando seus traços, mas os olhos âmbar ainda tinham o mesmo brilho frio. Não havia sorriso, não havia suavidade em seu tom. Ele a observava com uma intensidade que fazia Kiara se sentir exposta, como se ele pudesse ver cada pensamento que passava pela sua mente.

Kiara o encarou, seu estômago revirando. Ela ainda não conseguia se acostumar com a proximidade dele, com o peso de sua presença. Mas, ao mesmo tempo, havia algo nele que a desconcertava. Algo que a desafiava, mas de uma maneira que ela não conseguia identificar. Era uma mistura de medo e uma atração involuntária que ela não queria admitir, mas que se fazia presente. Ela tentou se concentrar em manter a compostura, mas tudo dentro de si parecia em frangalhos.

— Eu não sou sua devotchka — respondeu, tentando manter a firmeza na voz, mas sabia que havia algo em seu tom que traía sua insegurança. As palavras pareciam vazias assim que saíam de sua boca. Ela sabia que a situação estava além do que poderia controlar.

Ele não reagiu imediatamente, observando-a com uma calma que fazia a tensão na sala crescer. Ele apenas assentiu, como se o reconhecimento fosse suficiente.

— Por enquanto, sim. E você está aqui, sob minha responsabilidade. Eu cuido dos meus.

Kiara franziu a testa, tentando esconder a indignação que começou a tomar conta dela. Como ele ousava tratá-la assim? Como se fosse uma propriedade dele, algo que ele pudesse "cuidar"? Mas as palavras dele a martelavam de uma maneira inquietante, e ela sentiu o peso de sua presença dominando qualquer tentativa de resistência.

— Você cuida das pessoas assim? Com um nome e uma promessa vazia? — Ela tentou desafiar sua autoridade, a raiva e o medo se misturando em seu peito. A palavra "vazia" parecia ter tocado algum ponto sensível, porque ele a olhou com mais intensidade, seus olhos brilhando com algo mais. Ele se aproximou lentamente, tão perto que ela pôde sentir seu calor.

— Não é vazio, devotchka — disse ele com uma suavidade perigosa. — Você ainda não entende, mas vai entender logo.

Ela deu um passo para trás, sentindo a parede fria contra as costas. Seus olhos não se desviavam dos dele, e ela viu algo mais ali, algo que ela não queria identificar. Havia um tipo de dor em seu olhar, algo que não se encaixava com o homem que ela conhecia. Uma vulnerabilidade, talvez, mas tão oculta e bem protegida que parecia impossível alcançá-la.

— Você não sabe nada sobre mim — disse ela, tentando manter a calma, mas o medo já começava a se infiltrar em sua voz. Ela sabia que estava lidando com um homem perigoso, alguém cujas ações pareciam ser tão calculadas quanto suas palavras.

Sergey sorriu, um sorriso estranho, quase imperceptível, como se soubesse algo que ela ainda não sabia. Era um sorriso enigmático, que não prometia nada de bom.

— Eu sei mais do que você imagina. — Sua voz era calma, mas havia um toque de mistério. Ele parecia saber exatamente onde queria que a conversa fosse. Ele estava sempre no controle, e isso a deixava ainda mais irritada e impotente.

Os minutos seguintes foram preenchidos apenas pelo som dos talheres e pela tensão no ar. Kiara não sabia como se comportar. A ideia de ficar ali mais tempo parecia insuportável, mas ao mesmo tempo, ela sabia que tentar sair era um risco que não podia correr. A sensação de estar em território desconhecido a deixava sem rumo, sem opções. Qualquer movimento errado poderia ser fatal, e isso a deixava em uma prisão invisível.

— Por que eu? — perguntou ela, sua voz mais suave, mas ainda com um tom de frustração. — Por que você não simplesmente me deixa ir embora?

Sergey não respondeu de imediato. Ele terminou de comer e, então, levantou-se, indo até a janela para olhar a vista. A luz suave da manhã refletia nos vidros da janela, mas não parecia aliviar a dureza de sua presença.

— Eu poderia deixar você ir, mas... o que você faria depois? Você está envolvida em algo que não pode simplesmente apagar. Agora, você pertence a este mundo. — Ele falou com uma frieza quase tangível, como se já tivesse visto milhares de pessoas perderem-se no mesmo labirinto de mentiras e perigos que ele dominava.

Ele se virou para ela, os olhos fixos, como se estivesse medindo cada palavra que ela pronunciava.

— E eu não posso deixar que você desapareça. Não sem saber o que sabe.

Kiara sentiu um frio correr pela espinha. O mundo que ele falava era o mesmo que ela havia visto na noite passada. O corpo. Os homens. O perigo. Agora, ela estava dentro dele. E não havia mais volta. Ela não sabia como, mas algo dentro de si sabia que o que estava prestes a acontecer seria ainda mais desafiador do que qualquer coisa que ela já enfrentara antes.

Ela olhou para Sergey, seu olhar desafiador, mas sabia que não tinha mais controle. Ela estava presa. E ele, de alguma forma, sabia disso. O que mais poderia acontecer? E como ela poderia escapar de um mundo que ele já havia desenhado para ela, sem nem que ela soubesse como entrar nele?

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