— Se você encostar um dedo em mim, seu filho da puta, pode se considerar um homem morto.
— Ah, é? E é você que me diz isso ou pretende chamar o irmãozinho pra te defender? — Mauro disse com ar de deboche.
— Com você me entendo sozinha, fique longe de mim.
— Quanto mais difícil pra mim, melhor é.
— Acorde desse sonho, eu pra você não sou difícil, sou impossível.
— Não há impossíveis pra mim, e não vai ser uma pobre coitada como você que vai me dizer não. Todas as mulheres nessa região dariam tudo para ter a honra — Rafaela gargalhou.
— Não desdenhe, você sabe que tudo isso ao redor é meu, todos me respeitam aqui, você pode nunca mais ter um emprego se sair por essa porta.
— Guarde seu emprego pra você mesmo, seu monte de estrumo, você é quem está precisando trabalhar e deixar a vida dos outros em paz, eu não vou precisar dele, sabe por quê? Porque eu estou indo embora daqui, ouviu bem? Embora, já percebi que não há lugar aqui para quem quer trabalhar honestamente, irei para a capital.
— E você acha que na capital terá trabalho honesto para você, sua idiota? Se olha no espelho, aonde você chegar, é na sua calcinha que eles vão querer entrar.
— Como você é baixo, eles só entrarão na minha calcinha se eu quiser. Eu sei me defender, e lá tem mais oportunidades, sim. Desde que eu cheguei aqui tenho trabalhado como voluntária, não me queixo de ajudar, mas tampouco posso me dar ao luxo de trabalhar sem receber, porque preciso do dinheiro. Adeus.
— Rafaela, espere, por... por favor — agarrou em seu braço quando ela deu as costas.
— O que quer Senhor Almeida?
— Mauro, Rafaela, pra você é Mauro. Olha, ouça-me, por favor, eu sei que uma garota como você quer um casamento com tudo que tem direito, filhos e todas essas coisas que as mulheres sonham; o casamento eu não posso te dar, porque já sou casado, mas se me aceitar, será tratada como uma princesa. Mulher, não haverá nada nesse mundo que eu não faça por você.
— Eu dispenso a sua oferta, senhor Almeida, e por nenhuma razão volte a me chamar com base numa mentira, porque da próxima vez, se é que vai haver próxima, eu posso não vir e alguém pode perder a vida.
Ele a chamou mais uma vez, ela deu as costas e foi embora.
Rafaela estacionou a velha Picape da família e estava entrando em casa, sua casa, humilde sim, mas sua, com sua família. Como tinha sentido falta deles, até doía lembrar. Era grata por tudo que seu padrinho havia proporcionado a ela; uma bolsa de estudos num colégio interno, ela esteve lá desde os treze anos e há seis meses havia concluído seu curso de medicina, se formando em medicina geral, mas teve que regressar, esteve quase nove anos longe de sua família. Quando saiu de casa contra sua vontade, sentiu tanto medo, pavor, na verdade. Tinha passado noites e mais noites chorando, mas sempre se lembrava das palavras da mãe.
— Filha, faça esse sacrifício por sua família, estude para que um dia possa nos ajudar, veja a condição em que vivemos, minha princesa, prometa que vai se comportar bem e voltará uma doutora para nos dar orgulho?
Mesmo em meio a tristeza, Rafaela sentiu o peso da consciência, não podia pensar em seus medos, o desejo de um dia poder ajudar a sua família a guiou, hoje, ela estava ali com eles e se envergonhava de não poder ajudar como gostaria, a cidadezinha era muito pequena e os postos no pequeno hospital já estavam todos ocupados.
Ela vinha atendendo em casa as emergências e até trabalhava no hospital, mas como voluntária, por não haver vaga para ela. Em muitos casos não cobrava para atender seus pacientes na casa deles, porque a maioria deles já eram tão pobres que ela não tinha coração para isso, cobrar de quem não tinha.
Teria que ir a capital procurar emprego e assim ajudaria sua família, tinha muita pena de ter que deixa-los outra vez, mas não tinha outra opção viável. Jamais se sujeitaria a ser amante de homem casado para ter uma vida folgada. Deus a livrasse daquilo.
Seus pais davam duro naquelas terras, plantando e colhendo para viver, mas nunca tiveram condições de fazer algo grande para vender e lucrar, só o suficiente para sobreviver. Criavam pequenos animais também para sustento próprio, e o pouco lucro que conseguiam usavam para pagar a hipoteca da propriedade.
Tinha um irmão, na verdade, meio irmão, porque quando sua mãe casou com seu pai, ele tinha um filho de cinco anos. Ela tinha muita pena que ele não tivesse tido a mesma oportunidade que ela de estudar. O conhecimento abria horizontes, era como uma espécie de arma de defesa.
Não que seu querido irmão não fosse inteligente, porque ele era, mas faltava cultura, ele era um homem rude, mas com o coração do tamanho do mundo. E não era por ser seu irmão não, mas ele era um pedaço de mau caminho, ela até tinha pena das mulheres que cruzavam o caminho daquele tigre, sim, tigre; bonito, mas indomável, para se admirar de longe. Rafaela ria pensando.
Entrou em sua simples, mas extremamente limpa casa e lá estava sua mãe, cuidando do jantar, sorridente. A sala de paredes da cor bege, tinha cortinas de renda branca em duas das janelas, os móveis eram todos em madeira rústica e o sofá era em madeira com estofado floral, a cozinha também rústica tinha uma abertura dupla onde deveria estar uma porta. Quem entrava pela porta da sala tinha essa visão da cozinha, nela tinha um grande forno à lenha que Rafaela adorava pelo gostinho que dava a comida, ela sempre tinha achado comida à lenha mais saborosa e tinha sentido muita falta quando esteve fora. E iria sentir em breve, pensou tristonha.
— O que minha princesa tem para estar com essa carinha? Então como foi lá na fazenda dos Almeida? Quem estava doente? E já está melhor?
— Ei mãe, que bombardeio é esse? Vai com calma, hein?! Uma pergunta de cada vez — riu.
Sua mãe sempre foi curiosa e perguntadora.
A mãe fez sinal de rendição com as mãos.
— Aquele idiota do Almeida me chamou lá porque queria falar comigo, e não porque alguém estivesse doente...
Antes que ela pudesse terminar de falar, sua mãe a interrompeu parecendo muito preocupada.
— O senhor Almeida? E o que ele queria com você, filha?
— Não mãe, não meu padrinho, o filho dele, o Mauro. Por que você está parecendo que viu fantasma?
— Nada não menina, impressão sua, mas o que ele queria de tão importante com você para inventar uma mentira tão feia como essa?
— Ai mãe, você nem vai imaginar a proposta suja que ele me fez, pediu, aliás, pediu não, me ameaçou para eu me tornar amante dele, que ia me dar o mundo e tudo mais.
Sua mãe que esteja sovando a massa deixou de fazer e pegou nos braços da filha sem lembrar ou se importar que estivesse sujando seus braços.
— Filha, promete que jamais vai aceitar algo assim, promete.
— Credo, mãe, até parece que não me conhece, sou eu sua filha, tá legal?
— Eu sei filha, te conheço bem, me desculpa duvidar de você, os valores que eu implantei aí nessa cabecinha não se perdem com o tempo não.
— Muito modesta senhora.
E as duas caíram na gargalhada com seu pai chegando à cozinha sorrindo com a cena.
— O que minhas princesas estão conversando de tão animado? Também quero rir.
— Nada senhor Emerson, eu e dona Ana estamos conversando assuntos de damas, sacou? — disse divertida.
— Vocês sempre me excluem, vou começar a me magoar com isso — se lamentou para obter atenção, e assim Rafaela fez cafuné em sua cabeça e muitos beijinhos para ele não ficar enciumado.
— Victor ainda está trabalhando, pai? Ele já deveria estar aqui, já está quase anoitecendo. Esse menino trabalha demais, meu Deus — a irmã indagou preocupada.
— Sim, deve estar, eu o chamei pra vir e ele quis continuar, aquele teimoso é muito trabalhador, mais do que eu — riu.
— Ai pai, você também não deve mais se esforçar tanto. Tenho que fazer algo para ajudar a todos.
— Ei menina, estamos bem, deixe de se preocupar tanto.
Era fácil falar, mas ela não conseguia arrancar aquela ideia e já tinha tudo parcialmente planejado para a viagem.
Seu irmão chegou e foram jantar uma boa sopa com pão, que tinha acabado de ser feito por sua mãe, a sopa quem tinha feito era ela. Adorava sopa, principalmente aquela feita com legumes plantados em sua propriedade e muito mais saudáveis.
Iria dormir logo a seguir do jantar, pois amanhã como seria domingo, iria para a mata visitar seus esconderijos de infância, lugares que ela ia sempre com o irmão ou sozinha. Uma cabana abandonada, toda feita em palha trançada e também uma caverna não muito distante uma da outra, iria de bicicleta.
Estava muito ansiosa, pois desde que tinha chegado perturbava o irmão para acompanhá-la e ele dava sempre uma desculpa para não ir, amanhã ela iria sem ele, não tinha medo, sabia se defender, levaria seus punhais; esse era o hobby preferido dela e de seu irmão: punhal ao alvo e, apesar dos quase nove anos semprática, ainda estava com a pontaria em 95%.
Por exemplo: eles colocavam uma madeira presa à árvore, em forma arredondada com círculos dentro como faixas de pontuação. Ela e seu irmão sempre foram criativos e arteiros.
Pois ela queria acertar ao meio e acabava sempre acertando uma ou duas linhas a mais, coisa de um centímetro. Seu irmão, o danado, como teve esses anos todos praticando, acertava em cheio o alvo, tipo: ele conseguiria acertar o sinal de alguém se assim o quisesse, mas ela conhecia seu valor e sabia que era muito boa no que fazia, quase excelente.
Iago bebericava seu uísque, estava afogando suas mágoas sozinho na mesa de um bar, pensando no quanto a vida podia ser injusta, se sentindo culpado pelo sumiço de seu amigo, porque se ele não tivesse levado aquelas malditas fotos, naquele momento seu amigo não estaria desaparecido, sabia Deus onde, ferido ou morto, ele nem ao menos conseguia imaginar essa hipótese sem sentir uma dor dilacerante no peito. Seu amigo estava vivo, ele sentia isso.Várias mulheres passavam por ele, acenando, mandando beijinhos, algumas até se aproximavam, era natural, já que possuía uma beleza exótica, moreno de olhos verdes, grande e musculoso, mas com o humor em que ele se encontrava, estava espantando todas.Até que ele avistou uma morena que acabava de chegar, estava conversando num grupo de amigo
Rafaela acordou ao amanhecer, como a família fazia todos os dias naquela casa, com os galos cantando, o aroma delicioso de café, tudo tão característico, como amava o seu lar.Levantou, foi tomar um banho, vestiu um vestido de algodão com estampa floral que marcava a cintura e caía solto, colocou um shortinho também de algodão por baixo, porque iria andar de bicicleta e queria estar a vontade.Foi para a cozinha, sua mãe já estava lá, tinha um incrível cheiro de bolo de milho e pão caseiro, então ela deu um beijo na bochecha de sua mãe e um bom dia, sentou à mesa da cozinha, se serviu de café, bolo e um pedaço de pão de batata doce. Seu pai e seu irmão também sentaram, depois de dar beijos nela e desejar um bom dia. Rafaela pedalava o mais depressa possível para chegar logo à sua fazenda, chamar o seu irmão e entrarem o quanto antes na Picape para buscar Renato.Que belo nome, que belos olhos cor de âmbar — pensou, mas logo recobrou a consciência, isso não era hora para estar pensando no quanto o homem era lindo e nem que ele tinha dito que ela era seu anjo, Deus, se seu irmão ouvisse isso riria do rapaz e diria que ela estava mais para pequeno demônio. Riu ao imaginar a cena.Precisava ajudá-lo, ela ficou com um aperto no peito tamanha era a vulnerabilidade que encontrou naqueles lindos olhos, também viu uma carência ali, só queria ficar ali com ele lhe abraçando, dizendo que tudo ficaria bem.Renato resolveu então Capítulo 7
— Posso saber que porra é essa? Onde ele está?— Senhor, ele escapou. Dedin e Lacraia apareceram cada um com um punhal cravado no peito. Não sei que merda foi essa, já que eles estavam armados, o cara com certeza teve ajuda pra escapar, estava amarrado e muito ferido.— Bando de incompetentes, é o que vocês são. Onde vocês estavam quando isso tudo aconteceu?— Estava na nossa hora de descanso, chefe, e eles nos substituíram.— Não tentem me fazer de otário. Eles me ligaram quando chegaram aqui; dizendo que o preso tinha fugido e o posto estava vazio. — Os homens perderam a cor.
—Vou sair do quarto pra você se vestir, tem cinco minutos, vou trazer sua comida.— Sim senhora! — ambos riram.Rafaela saiu e voltou com uma bandeja, Renato já estava vestido com a roupa de seu irmão, uma calça de pijama azul escura e uma camiseta branca, e diga-se de passagem, lhe ficava muito bem, mas afinal, o que não ficaria bem naquele homem? Sem dúvida, ele não precisava de nada, sem roupa era a coisa mais fabulosa que Rafaela tinha visto na vida.— O senhor deveria estar deitado, vejo que é teimoso.—Tenha calma, senhorita, acabei de me vestir, você me deu cinco minutos, quase que não consegui esse feito.
Chegando à fazenda Almeida, Rafaela foi recebida pelo dono, seu padrinho Silvano, ele tinha um sorriso de triunfo sempre que olhava para ela, às poucas vezes em que viu aquele homem nunca o conseguiu entender.— Rafaela, filha — cumprimentou.—A bênção padrinho, como vai o senhor?—Deus te abençoe minha filha, estou bem, agora melhor. Que bom que veio. Você está tão linda — o homem falou orgulhoso.—Claro que eu viria, esse é meu trabalho, vocação, e sabe que eu lhe devo muito. — Ele sorriu com tristeza.—Não, você não me deve nada
Passado alguns dias, Renato sentia-se muito melhor, mas Rafaela nem o deixava pensar na possibilidade de ir embora ainda, as contusões estavam bem melhores, só o que a deixava mais receosa eram as costelas quebradas, como não houve nenhum problema respiratório nele, não havia o que temer, mesmo assim, ele precisava de descanso, até ficar cem por cento.Na verdade, os dois estavam felizes com a presença dele ali; ele se sentia em casa e ela se sentia muito bem com ele. Eles conversavam todas as noites quando Rafaela chegava do trabalho, ele era encantadoramente educado, culto, sua educação era algo que não passava despercebido de sua família.Todos perceberam que não se tratava de qualquer um, apes
Dois dias depois, Renato já se sentia muito melhor, então achou que era hora de voltar a sua vida, teria que telefonar para o amigo.Foi à pequena cidade com Victor, no horário em que ele costumava buscar Rafaela no serviço. Ao encontrá-la na saída, eles sorriram, ela beijou seu irmão na bochecha e fez o mesmo com Renato.Eles então foram passear um pouco, andando pela cidade, ele pôde conhecer um pouco, então pararam na praça onde faria a ligação no telefone público, mas alguém se aproximou deles, era Mauro, que cumprimentou os homens com apenas um aceno de cabeça e puxou Rafaela pelo braço.— Oi linda!— Oi senhor Almeida, como está