Capítulo 6

Rafaela acordou ao amanhecer, como a família fazia todos os dias naquela casa, com os galos cantando, o aroma delicioso de café, tudo tão característico, como amava o seu lar.

Levantou, foi tomar um banho, vestiu um vestido de algodão com estampa floral que marcava a cintura e caía solto, colocou um shortinho também de algodão por baixo, porque iria andar de bicicleta e queria estar a vontade.

Foi para a cozinha, sua mãe já estava lá, tinha um incrível cheiro de bolo de milho e pão caseiro, então ela deu um beijo na bochecha de sua mãe e um bom dia, sentou à mesa da cozinha, se serviu de café, bolo e um pedaço de pão de batata doce. Seu pai e seu irmão também sentaram, depois de dar beijos nela e desejar um bom dia.

— Então, você ainda vai dar o passeio no bosque, Rafaela? — o irmão perguntou.

— Claro que vou.

— Ainda nem amanheceu direito e você já vai se meter na mata, filha?! — seu pai disse preocupado.

— Filho por que você não vai com sua irmã? — a mãe perguntou.

— Temos muito trabalho, mãe, não posso desperdiçar a manhã, se ela esperar até de tarde vou com ela.

— Ei, parem de agir como se eu já não fosse a mesma, eu ia pra essa floresta quando tinha 10 anos e vocês nunca me proibiram. Conheço aquilo como a palma da mão e até prefiro ir sozinha mesmo, assim vou sem pressa. Agora Victor só pensa em trabalhar e a noite é bem mais perigoso.

— Vá, desde que você esteja preparada não tem problema, até tenho pena do coitado que cruzar seu caminho — o irmão disse na brincadeira.

— Claro que estou preparada, e não estou pedindo sua autorização, maninho, é mais fácil você precisar da minha — todos riram.

Seu irmão mais velho nunca pôde com Rafaela, na verdade, ela ainda conseguia ser mais arteira do que ele, que era um diabinho. Sempre brincou de coisas que eram consideradas masculinas. Mas para ela o importante era se divertir, tinha espaço para isso e não havia brinquedos e nem bonecas, mas sua infância tinha sido a melhor. Mesmo seu irmão sendo cinco anos mais velho, ela o acompanhava nas traquinagens e ainda o deixava para trás em muitas.

Depois de ajudar sua mãe com a limpeza da cozinha, arrumou uma pequena marmita com bolo e pão, caso demorasse, pegou também água e colocou tudo no cesto da bicicleta e foi passear, pelo caminho colheu mangas e goiabas, suas frutas preferidas. Poderia fazer o caminho de carro e depois entrar na mata, seria mais rápido, mas, além de seu irmão e seu pai precisarem do carro para as entregas aquela hora, ela também queria se exercitar andando na bicicleta, era muito mais divertido.

Chegou à gruta seca que tinha se tornado uma caverna como aquelas de filmes. Se lembrou de quando era criança e como sua imaginação funcionava quando a via. Ela e seu irmão eram os super-heróis que salvavam os refugiados em perigo dentro da caverna que estava desabando.

Eles corriam, jogavam pedras, se refugiavam, faziam até rifles de madeira, imitação perfeita dos originais. Ela ria às gargalhadas lembrando. Deixou sua bicicleta na gruta e resolveu ir caminhando até a cabana abandonada que ela e seu irmão diziam ser a toca deles e eles eram índios.

Riu mais uma vez e caminhou até lá, ficava apenas a alguns metros "cortando caminho", andando, avaliando sempre ao redor para nada a pegar de surpresa, sempre tinha sido muito cuidadosa, tanto com possíveis bichos selvagens ou humanos.

Chegou à parte traseira da cabana, abrandou seus passos de modo que não fizesse barulho, pois ouviu vozes que vinham da frente da pequena cabana, espiou por entre uma das muitas fendas que existia na cabana velha para tentar ver se estava vazia, por conta da pouca luz que estava lá dentro, não conseguiu avistar nada, ainda não havia a claridade intensa do sol, pois era muito cedo ainda, talvez seis e meia da manhã.

Colocou atenção no que os homens estavam dizendo, seu bom senso dizia para ir embora dali, afinal, era uma mulher no meio de uma mata e ali havia mais de um homem. Mas algo dentro de si dizia para ficar, como um instinto que gritava, além da sua curiosidade característica.

Aproximou-se ainda mais de onde vinham as vozes, caminhando lentamente na lateral esquerda da cabana, porque sabia que se eles fossem sair, iriam pela direita, porque era por ali a estrada. Então os ouviu.

— É hoje que o cara vai vir acabar o serviço — um deles disse.

Se não vier hoje, quando chegar aqui não vai ter brincadeira nenhuma — o outro falou e os dois riram.

— Por que será que o homem odeia tanto o cara a ponto de querer ser ele mesmo a dar cabo e não nós?

— Devem ser inimigos, rixa antiga.

— Ele queria que o infeliz sofresse muito e fosse tratado como um animal antes de vir dar fim.

— Ei cara, tô morrendo de fome, vamos vazar.

— Não sei se é boa ideia não, deixar a encomenda sem vigilância.

— Que nada, a encomenda tá mais morta do que viva, e ninguém conhece esse fim demundo.

— Ninguém não, nós conhecemos.

— A gente só conhece porque enterramos um aqui por perto, só isso, daqui a uns 10 ou 15 minutos o Dedin e o Lacraia vão vir assumir o turno. Tá tudo limpeza — e foram.

Rafaela não podia acreditar em tudo que tinha acabado de ouvir, olhou mais uma vez pela brecha da cabana se agachando um pouco e conseguiu avistar o homem de quem eles tinham falado.

Deu meia volta até chegar à porta que nem sequer estava trancada, obviamente não valeria a pena. Seu instinto de proteção gritava que tinha que ajudar aquele homem de qualquer forma, que nem sequer tinha noção do perigo que estava correndo, ou tinha, mas seu senso de dever para com o próximo era maior e a consumia.

Até poderia sair correndo, pegar sua bicicleta e pedalar o mais rápido possível, chamar a polícia, seu pai, seu irmão, mas tudo isso iria demorar muito tempo e aquele homem não tinha tanto tempo assim, eles mesmo disseram que o mandante viria acabar com ele hoje, e ela não se perdoaria se não chegasse à tempo e encontrasse apenas um lugar vazio com o homem provavelmente enterrado já.

Abriu a porta e se aproximou do homem que estava deitado no chão com as mãos e os pés atados. Jesus, ele estava muito machucado, tinha sangue em várias áreas do rosto, no corpo não conseguia ver porque ele vestia uma camisa branca que já estava quase preta. O lugar era úmido e cheirava a urina, aqueles desgraçados provavelmente não soltavam o homem nem para urinar, e com certeza não lhe deram comida já que o objetivo era matá-lo, só havia ali uma bacia com água suja, por Deus, como ela queria matar aqueles desgraçados com as próprias mãos.

O homem estava desacordado, teria que acordá-lo para tirá-lo dali, então mexeu nele, nada, sacudiu-o e nada, tocou em seu pescoço com o dedo médio e o indicador para conferir a pulsação, que graças a Deus estava bem, apesar de um pouco fraca, então pegou na bacia, molhou sua mão e salpicou água no rosto dele, que resmungou, então ela fez mais uma vez, ele acordou assustado.

— Me matem logo de uma vez seus filhos da p**a — disse desesperado.

— Ei, tenha calma, olhe pra mim — o homem olhou como se não entendesse o que ela estava fazendo ali.

Ela pegou no punhal preso à sua coxa por um elástico, o coitado recuou assustado, tinha sido muito ferido e provavelmente pensava que seria mais.

— Não se preocupe, estou aqui para ajudá-lo, mas terá que colaborar, é muito grande, se não andar não conseguiremos fugir — disse enquanto cortava suas cordas.

Renato ainda estava incrédulo com tudo aquilo, de verdade aquela jovem estava ali para salvá-lo ou aquilo era apenas parte de seu delírio, devido a todo o sofrimento?

Então ela voltou a falar com aquela voz agradável e terna.

— Você acha que consegue andar? Faça um esforço, é a sua vida que está em jogo, eu os ouvi, logo vão retornar. Eu tenho um bom esconderijo aqui perto, a alguns metros.

O homem tentou levantar duas vezes, mas sentia-se nauseado, na terceira tentativa conseguiu se reerguer. Ela o apoiou e juntos caminharam para fora.

— Sinto muito, eu não devo estar cheirando muito bem, eles me deixavam sempre preso e... — Não era possível, ele estava mesmo se preocupando com o cheiro agora?

Então ela o interrompeu.

— Não se preocupe com isso agora, tá? Você não tem culpa e eu não ligo a mínima, o importante é tirarmos você daqui — ele assentiu, mas não deixava de se envergonhar.

Já fora da cabana, ela o olhou, ficando surpreendida ao perceber o quanto ele era jovem e, apesar da brutalidade que sofreu, conseguia ver o quanto era bonito, era muito grande, quase não estava aguentando dar suporte a ele na caminhada.

Ele olhava de um lado para o outro tentando conhecer um pouco do lugar onde o trouxeram e fizeram tanto mal, mas viu que se tratava de uma mata fechada, estava exausto, fraco, sentia dores pelo corpo todo, não ia conseguir andar por muito mais tempo. E essa moça, afinal, de onde surgiu? Ele a olhou, pôde reparar o quanto era linda, ela também o encarou, que belos olhos azuis ela tinha, ela só podia ser um anjo, sonhando ele já reparou que não estava, com toda aquela dor que estava sentido.

— Eu não posso mais, não consigo, vá você, fuja daqui, não se coloque em risco por minha causa — disse com muito esforço.

— Ouça, eu não vou deixá-lo aqui para que eles te peguem, eu sei qual a intenção daqueles caras, eu ouvi tudo, se você não pode mais andar e vai ficar, então morreremos nós dois.

— Por que você faria isso por mim? Você nem me conhece.

— Não preciso te conhecer, você é um ser humano e não vou te deixar morrer, farei tudo que eu puder pra te tirar daqui, ouviu?! Mas você tem que colaborar, sei que você está demasiado fraco, mas sem sua ajuda é impossível, o lugar que vou te levar fica só a alguns metros daqui, se formos por essa trilha — disse apontando —, chegaremos rápido e é pouco provável eles nos encontrarem. Eu conheço isso aqui muito bem, ninguém conhece a gruta.

Então ele foi se arrastando com muito esforço, usando tudo que restava de suas energias.

Conseguiram chegar à caverna onde ela tinha a bicicleta com os mantimentos e água que havia trazido.

— Pronto, chegamos, sente-se aí.

Renato sentou no chão da gruta, que era parcialmente subterrânea, caiu aliviado, tinha a garganta seca e a fome já era tão intensa que tinha deixado de senti-la, parecia que já não tinha barriga.

A bela mulher aproximou-se dele trazendo uma trouxa, a abriu, ali tinha comida e água, ele pegou na água e bebeu como um selvagem. Ela o olhava com curiosidade.

— Eu tenho que ir buscar ajuda, moro a alguns quilômetros daqui, uns seis aproximadamente, trarei suporte. Coma um pouco para ganhar energia, terá que andar depois até a estrada, onde estará o carro. Mas não coma muito, você pode passar mal, está de barriga vazia há muito tempo. — Ele assentiu e a olhou de forma intensa, desesperada, que mexeu com ela.

Tocando em sua têmpora com uma mão, ele suplicou.

— Você vai voltar, não vai? Prometa.

— Eu prometo, com minha vida.

— Obrigado, prazer, eu sou Renato, e você, como se chama?

— Rafaela.

— Rafaela, meu anjo.

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