ÁGAPE WALKER
— Faça as suas malas. — Foi o que eu escutei sair da boca da dona da casa, assim que morte da minha mãe foi confirmada, não me dando nem mesmo tempo de chorar, ou de lamentar o que tinha acabado de acontecer.
— Mas... para onde eu vou? — não evitei de questionar, enquanto ainda processava tudo aquilo, e encarava o rosto completamente pálido da minha mãe, sem vida, naquela cama minúscula onde ela sempre dormiu.
— Isso é algo que terá que descobrir sozinha. — Ela disse aquelas palavras, como se não fossem nada demais.
— Por favor, senhora Harris, eu preci-...
— Não. O que eu farei com você? Não posso nem a contratar por ser menor de idade. — Frieza estava por todo o seu tom, fazendo os meus olhos se arregalarem, — agora ande, e agradeça que pelo menos, eu vou me oferecer para levar o corpo da sua mãe para a funerária, pelos anos de trabalho.
Eu mal conseguia pensar enquanto ela saia dali como se acabar de decidir a minha vida não fosse nada demais. Meu peito doía e mesmo com o luto me abalando profundamente, eu tive que me mover, andar em direção ao armário para arrumar os meus poucos pertences, e mesmo com o corpo da minha mãe sendo levado, eu não sabia que reação ter, eu só me sentia... anestesiada. Porque no fim, não era como se eu pudesse me permitir não estar de qualquer forma, eu tinha que arrumar um funeral – que por sorte, era incluso no seguro de vida que a minha mãe havia conseguido com muito esforço –, precisava de um lugar para dormir, um emprego para comer, e...
Foi tudo de uma vez.
Como um soco na cara.
"Eu... preciso respirar..." tive que me lembrar, porque algo parecia tampar a minha garganta por completo, como se algo estivesse dentro dela, me impedindo.
— Você está perto de terminar? — Um homem que tinha o uniforme dos motoristas da casa, soltou ao se recostar na porta, — a madame Harris, disse para eu te levar até o cartório para terminar com as papeladas do velório e depois eu posso te deixar onde vai ficar a partir de hoje.
— Eu... estou sim. — Coloquei as últimas coisas que eu tinha, fechando a minha mochila, — podemos ir?
O moço apenas assentiu, me dando espaço para passar pela porta, e quando eu entrei naquele carro preto que eu sempre via indo e vindo naquela mansão, a minha mão foi até o colar dourado que minha mãe havia me dado, o apertando como se de alguma forma, ele fosse resolver os meus problemas de modo mágico.
Claro, não foi isso que aconteceu no fim das contas, porque como a minha mãe sempre dizia: "você ficar esperando algo te ajudar, não vai resolver nada."
Então, depois que cheguei no cartório e fui deixada sozinha lá, (o motorista que deveria me levar até onde eu “deveria ficar”, simplesmente me largou) e eu resolvi toda aquela papelada — que parecia eterna.
Eu tive o momento para ver o corpo da minha mãe pela última vez ainda com o vestido branco que ela estava usando antes de falecer... porém, ainda assim, nada. Nenhuma lágrima conseguiu ser derramada, e apenas uma leve angústia podia ser sentida em meu peito, o que talvez... fosse melhor em todos os casos.
Talvez tudo tivesse tomado o melhor rumo no final, porque eu conhecia bem a minha mãe, e por mais que ela tenha lutado tanto contra a pneumonia, eu sabia que ela me queria feliz, e se ela me visse chorando agora... ela provavelmente não conseguiria ficar em paz.
Eu queria paz para ela.
Ela merecia isso e eu, tinha que continuar.
Deixei aquela sala para trás, junto com o caixão dela, — e sabendo que me ligariam quando o corpo fosse cremado, eu me contentei em ir buscar suas cinzas em alguns dias.
Eu tinha que sobreviver, tinha que encontrar uma forma, mas assim como a senhora Harris, eu sabia que muitas casas se recusariam a me contratar, — então, eu fui para baixo. Para bairros menos importantes, para casas menos afortunadas, para lugares que não me pagariam nada além de um prato de comida; e mesmo nesses casos, o trabalho me era negado.
Não havia sequer uma alma que se importasse com uma orfã qualquer, mas ao final do terceiro dia perambulando pelas ruas e dormindo embaixo de sacadas, — uma mulher de meia idade que era dona de um restaurante, pareceu se compadecer da minha alma.
Minha mãe sempre dizia que havia anjos em corpos humanos andando pelo mundo, mas foi somente quando conheci aquela senhora, — que eu entendi o que ela queria dizer.
Anastácia era seu nome, e graças a ela, pude deitar-me em uma cama macia por meia dúzia de meses; ela me deu um sorriso caloroso, um prato de comida e ao menos se deu ao trabalho de me ouvir.
Assim como todos os outros, ela disse que não iria me contratar por ser menor de idade, — mas ao menos me deixaria morar ali se eu cuidasse da sua horta atrás do restaurante e regasse sempre o seu jardim, mas viver naquele quartinho dos fundos de forma confortável, — durou tanto quanto se poderia durar, já que Anastácia se aposentou e com o restaurante nas mãos de seu filho, tudo que me restou foi trabalho na limpeza para me manter onde estava, ter um teto sobre minha cabeça. Mas trabalho já não era o problema e quando aquele porco imundo tentou me agarrar na cozinha em um fim de expediente, — eu joguei nele uma panela de água quente e corri.
Conseguir um emprego após o outro, foi complicado, mas era mais fácil quando todos sabiam que eu ao menos, era capaz.
Foi somente no dia em que aluguei um quartinho nos fundos de uma pensão, — com goteiras no teto e uma janela emperrada, — que me permiti chorar pela primeira vez. Foi quando me permiti, sentir saudades da minha mãe.
Ali.
Parada.
Sozinha.
Encarando a urna que finalmente tinha um lugar para estar. Uma pequena mesinha de mogno que comprei com meu primeiro salário como garçonete em tempo integral.
Eu merecia mais e queria mais, — mas a simples possibilidade de deixar as lágrimas descerem por meu rosto livremente, me fez dormir como um bebê naquela noite de fim de outono.