NATHANIEL BEAUFORT
— Sim, mãe, eu já comprei as passagens… — falei para ela, com um ar um tanto exausto só de pensar no que me esperava em Londres quando chegasse em casa.
— Já mesmo? Eu acho melhor você estar aqui amanhã, Nathaniel! Nem pense em fugir de novo! — Ela soltou, e por mais que eu quisesse muito evitar outra visita para a casa dos meus pais, eu também tinha o conhecimento de que… eu não podia continuar fugindo para sempre, nem mesmo se usasse outras 15 formações como desculpa, eu poderia escapar da senhora Anna Beaufort. No fim, eu teria que lidar com aquilo, mesmo com a minha mãe tentando me casar com uma doida diferente, todas às vezes.
— Eu não vou, eu prometo… — soltei junto de um suspiro demorado, massageando as minhas têmporas, — não vou fugir, e nem desistir do voo de última hora.
— Ótimo! Porque eu tenho tanta coisa para te mostrar, filho! E eu estou morrendo de saudades… — ela disse, junto com aquele tom que chegava bem próximo de um choramingar, — você mal perde por esperar. Farei todos os pratos que você ama! Deve sentir falta! Eu sei que aí na França eles exageram na manteiga e você odeia pratos amanteigados.
— Claro, mãe… você me conhece melhor que ninguém… — comecei a descer as escadas junto das malas ao dizer, para as colocar no táxi que estava me esperando em frente ao meu prédio, — agora eu tenho de desligar, já tenho que ir.
— Está bem, se cuide, tá bom? — O seu tom era repleto de animação, — vou pedir para fazerem a sua sobremesa favorita!
— Certo. — Foi tudo o que eu me limitei a dizer, colocando o meu dedo perto do botão vermelho de desligar, — até depois, mãe.
— Até, querido! Mamãe te ama.
— Também te amo… tchau. — Eu finalmente desliguei, me permitindo entrar no carro, depois do taxista ter me ajudado com as malas, e o meu corpo afundou no banco com o peso que senti nos ombros, só de imaginar a dona Anna me esperando naquela sala.
“Esses dias vão ser longos…” pensei, jogando os meus fios paras trás, porque por mais que eu amasse a minha mãe, e gostasse de ficar perto dela, desde que — na cabeça quebrada dela — eu passei da idade boa para me casar, e dar netos a ela… era sempre uma doida nova sendo jogada na minha frente — sem o meu consentimento.
E claro que diálogo não funcionava com aquela doce senhora que havia me colocado no mundo, — não…, ela simplesmente não ligava, — porque para ela, eu tinha que seguir os seus passos, e os do meu pai, — de ter uma família linda de comercial, com direito a crianças correndo para todo lado, e um cachorro gigante. Mas tem um fator muito importante que ela ignora quando tenta me fazer ter tudo isso, que é um bem simples: eu não quero.
Nunca vi uma criança sequer que não fosse chata ao ponto de me fazer querer me retirar do local em que ela estava, — e a ideia de me casar com alguma das “moças de boa família” que ela me apresenta, fazia meu estômago se revirar. E porra, eu nem queria falar da droga do cachorro?! Eu nem gosto de cachorro! Eles babam e colocam o cheiro deles em todo lugar! Isso era definitivamente pior do que ter uma amante.
Suspirei já cansado de toda aquela merda. Mas de qualquer modo, nada do que eu pensei, tinha importância alguma. Então, depois de alguns minutos dentro de um carro, algumas horas dentro de um avião, e outra viagem de táxi para chegar até a casa dos meus pais… eu fui recebido por Berta — uma senhorinha de 76 anos que eu nem sabia como ainda se movia.
Sério, isso não era algum tipo de abuso de poder?
Como minha mãe deixava ela trabalhar? Eu tinha certeza que isso era contra alguma lei trabalhista. Ela certamente não devia trabalhar depois de já ter morrido.
Alguém só tinha que avisar ela antes.
— Jovem mestre, Nathaniel! É tão bom ver você, — Berta disse com aquele sorriso de senhorinha falsa que só ela e a minha babá conseguiam fazer não parecer irritante, — você cresceu muito!
— Olá, Berta… você diminuiu muito.
Eu falei e ela riu, mas aquela risada era tão falsa quanto o sorriso que ela tava me dando. Eu tinha certeza que Berta ainda tinha vontade de me dar uns t***s, como dizia ter quando eu era criança, mas agora… ela nem tinha tamanho pra isso.
— Jovem mestre, você não mudou nada! — Falou pegando uma das minhas bolsas, da minha mão.
— Pelo amor de Deus, Berta, me devolve. Eu sinto que sua mão vai cair! — eu disse tentando pegar de volta e ela bufou.
— Essas crianças não mudam mesmo! Me respeite menino, ainda consigo carregar uma mala! Eu tenho idade de ser a tua avó! — Ela resmungou e eu ri.
— Ou a avó dela.
— Nathaniel! Pare de atormentar a Berta! — Ouvi dona Anna Beaufort, (minha doce mãe), falar ao descer as escadas com um sorriso na cara, — você não ta muito grandinho pra ficar zombando da Berta?
— Eu to, mas ela realmente diminuiu, o que anda fazendo, mãe? Ta podando a Berta uma vez ao ano? — Zombei e ela bufou.
— Garoto… é bom você dar um jeito nesses seus modos até o jantar de amanhã.
Ergui uma das sobrancelhas.
— Jantar de amanhã?
Ela sorriu.
— Sim, com a sua noiva.
Engasguei com o ar.
— Desculpe? Eu sinto que comecei a ouvir coisas. Podia jurar que você falou que eu tinha uma noiva.
— Não ta ouvindo coisas, querido. Estou falando da jovem Walsh.
— Da o quê? Quer mesmo me casar com uma marca de detergente?
— Nathaniel!
— Mãe! Pelo amor de Deus! Eu acabei de chegar!
Ela suspirou, com uma das mãos no rosto de forma dramática.
— Está bem! Me desculpa querido, nós podemos falar disso depois… agora suba! Tome um banho e descanse! O seu pai disse que estaria aqui para o jantar.
Me forcei a sorrir, — porque a essa altura eu já sabia que se meu pai estaria no jantar, queria dizer que ela tinha alguma coisa para me enfiar goela abaixo e eu tinha acabado de me arrepender de nunca ter aprendido a rezar, porque agora, eu queria rezar para que esse “algo”, não fosse a senhorita detergente.