Não tenho certeza se dará certo, talvez seja a minha parte otimista falando mais alto. No entanto, preciso tentar e acreditar que minha atitude ajudará a vida daquela família. Basta encontrá-la.
Não sei para onde foram. Seus nomes. Suas profissões. Seus endereços. Tudo perdido quando um saco de pão rasgado foi jogado no lixo por engano. Assim foi revelado, entre várias conversas à mesa durante o jantar, mas não posso perder as esperanças. Preciso seguir todas as pistas que encontrei ao longo dos anos.
Se este diário estiver em suas mãos, significa que falhei em minha jornada. Entretanto, lembre-se! Você precisa dar continuidade. Por mim, por nós, por eles. Tome de volta o que é nosso por direito e dever. Segure a mão de alguém daquela fam
Tudo aconteceu em câmera lenta, pelo menos aos olhos de Daisy.De acordo com sua visão, o diretor caminharia em sua direção com um propósito em mente. As mãos atrás das costas escondiam não somente um presente tão nítido quanto aquele final de tarde único, como também um futuro emaranhado de acertos e erros.Com relação a essa parte, não havia qualquer problema para a pesquisadora. Ela estava pronta, mesmo que, em algum canto da sua mente, existisse um toque de dúvida. No entanto, o que mais lhe doía era a maneira como tudo aconteceria.— Não... — murmurou para si mesma. — Por favor, não.Saulo andava a passo largos e vigorosos na direção da namorada. O suor escorria por suas costas, perturbando a paz da sua camisa branca. Na certa, se tirasse o paletó, daria uma ótima foto para c
Um dia, entre uma respiração agitada e uma gravata perdida embaixo do sofá amarelo, uma curiosidade de Saulo veio à tona:— Já percebi que você costuma falar muitos ditados populares.— Tudo culpa do meu avô paterno. Ele costumava resolver um problema ou até mesmo justificar seus erros usando algum ditado popular. Outra herança esquisita que a minha família me deixou. Só que essa, eu aceitei por livre e espontânea vontade. Se por acaso eu exagerar, pode me dar uma bronca. — Penteou o cabelo com a escova guardada em seu nécessaire. Já que as visitas à sala andavam acontecendo com bastante frequência, nada mais justo do que deixar alguns pertences básicos como precaução. — Minhas irmãs vivem fazendo isso. Danbi mesmo disse para eu me controlar quando estivesse na sua frente.Saulo levantou-se para fechar os
— O combinado não era dividirmos a sobremesa? — Giovani encarava a amiga, que levava à boca mais uma colherada do waffle com sorvete de chocolate.— Estou frustrada. — Raspou o prato com a colher, quando, na verdade, desejava limpar a calda de chocolate com o próprio dedo.Daisy descontava sua insatisfação na comida desde o dia em que deixara o diretor parado no corredor do hospital. Além de seu amigo, a família já havia percebido que algo andava muito errado com ela. Suas visitas durante a madrugada à geladeira sempre deixavam rastros pela casa.— Nem deu para notar. — Retirou o prato da frente dela, ganhando um olhar de reprimenda. Não se importou; a situação parecia fora do controle. Não dava mais para aguentar aquela rabugice por muito mais tempo, pensou. Daisy era uma amiga maravilhosa, quando não estava imersa em uma piscina
Saulo estava um bagaço. Na verdade, sendo sincero consigo mesmo, talvez esse nem fosse o termo correto. Uma palavra mais chula, quem sabe ofensiva para ouvidos alheios, poderia muito bem caracterizar suas emoções desde seu último encontro com Daisy.A pesquisadora o evitava; ele, por sua vez, fazia o mesmo com a mãe, depois de uma terrível discussão; o trabalho parecia brotar como erva-daninha; e, para ajudar, ainda existia a incerteza sobre ter se apoderado do dom.— Será que fiz tudo isso por nada? — ele se perguntou.Era óbvio que ele poderia usar o seu cargo como desculpa e chamar a pesquisadora até sua sala, e esse pensamento lhe veio à mente em diversos momentos. Entretanto, lá fundo, Saulo ainda possuía um pouco de racionalidade. Como diziam os mais velhos, se ele errasse uma vez, poderia justificar como “sou humano”, mas, uma segunda vez...<
E eles viveram felizes para sempre.Fim. Fechou o diário, permitindo um suspiro de puro alívio e satisfação. Mais uma história concluída com sucesso. Ergueu os braços, tentando aliviar o peso sobre seus ombros. Um estalo em sua coluna a alertou do perigo em manter-se horas a fio presa em sua cadeira.— Essa foi difícil, hein? — Apoiou o corpo sobre o objeto que deveria ficar escondido. Costumava ter cuidado, mas o cansaço teimava em nublar seu raciocínio. — Desculpe, te assustei.Ofereceu uma caneca de café fumegante à pessoa que adorava cutucar o destino e que tinha como função escrever os tópicos da trama, mas o desenrolar dependia dos participantes.— Um pouco. Faz anos que essa família está na nossa mira. Esse casal já estava prometido há muito tempo. Ainda bem que agora
E o início foi assim... Existe uma maneira de, talvez, quebrar a corrente que sustenta esse dom. Não sei ao certo como fazer, mas, de acordo com os escritos encontrados ao longo dos anos, podemos reverter a sua origem. Não tenho provas, além de algumas páginas amareladas de um diário surrado. Ninguém até hoje acreditou naqueles dizeres, mas sou uma pessoa mais confiante. Não. Otimista seria a palavra correta. Naquelas linhas quase apagadas pelo tempo, uma lenda foi contada de maneira bem romantizada. Pergunto-me se esse desejo não passava dos anseios de alguma menina sonhadora. No entanto, não posso perder as esperanças, ou sofrerei nessa busca, assim como os destinatários dessa dádiva. De acordo com a lenda, um dom especial e ao mesmo tempo desconfortável foi um castigo dado por um senhor de cabelo ralo e dentes falhos. Esse mesmo homem, desprovido de quaisquer condições financeiras ou higiênicas, um dia estava sen
Parecia fácil concluir a tarefa, quase como uma brincadeira de criança. E, na verdade, quantas vezes Daisy praticara aquela cena? Inúmeras. Às vezes, sozinha; outras, na presença das amigas, irmãs ou bonecas como parceiras.Bastava dar um passo por vez, manter os pés firmes, as mãos ao lado do corpo acompanhando o ritmo do caminhar determinado. Deixar ombros eretos, quadris encaixados, semblante neutro, olhar enigmático e respiração controlada. Um conjunto de detalhes que utilizava quando se imaginava desfilando numa passarela longa, sob os holofotes e os flashs das máquinas fotográficas criando pontos brilhantes como estrelas. Dessa forma, ou melhor, usufruindo da sua experiência infantil como modelo, bastava somente seguir o protocolo e dominar os palcos.O seu objetivo se encontrava no final daquele corredor, cercado por vozes afoitas, olhares assombrados e uma pressa im
— E aí? Está muito ruim? — Giovani puxou uma cadeira próxima e sentou-se ao lado da amiga, colocando sobre a mesa a bebida preferida dela: café com calda de chocolate e leite, quanto mais espumoso melhor.— O que você acha? — Daisy tinha os olhos fixos na tela do computador, tentando exibir uma postura indiferente, quando, na realidade, a vergonha havia se instalado por todos os lados desde o incidente. Sentiu o aroma do seu vício e aceitou desviar um pouco sua atenção.— Não acho que...— Giovani — ela interpelou o comentário sem sentido, afinal poderia fingir desinteresse, mas estava longe de ser uma pessoa surda. Os buchichos flutuavam ao redor dela.— Certo. Desculpe. — Ambos saborearam suas bebidas, Giovani com seu café bem forte e amargo.— Dois dias já se passaram, e ainda sou o assunto do momento.