— Talvez não tenha sido uma boa ideia trocar nossa sala por este lugar — Saulo comentou enquanto apreciava o perfil pensativo da pesquisadora.
Quando sugeriu aquela alteração num primeiro momento, seu egoísmo falara mais alto. Ele necessitava de uma mudança de ares para organizar melhor suas ideias. No entanto, assim que se deparara com o semblante entristecido de Daisy, algo dentro dele se remexeu. Longe de ser um lance digno de fantasia, como larvas ou um ser alienígena, veio-lhe a percepção de que trazer leveza ao dia dela parecia ser sua nova meta.
— Desculpe. Acho que, se estivéssemos na sala, também não conseguiria me concentrar. Aqui pelo menos tenho essa vista para me distrair. — Daisy respirou fundo, indicando com uma das mãos a paisagem dos campos à frente ao entardecer.
— Mas lá você só teria olhos para mim. &mda
Saulo ainda se lembrava da sensação dos lábios de Daisy mordiscando os seus num beijo que teve início em meio às risadas e só chegou ao término quando “estou melhor!” chegou aos ouvidos do casal apaixonado.— Então é assim que tudo acontece?Dentro do carro, já na volta para casa, eles mantinham o rádio no volume baixo. A música lenta aquecia os corações preenchidos de euforia.— Basicamente. Às vezes sofro sozinha, em outras estou em companhia de alguém, como agora há pouco. Já tentei mudar o final, mas nunca consegui. De um jeito ou de outro, as visões sempre se concretizam. Salvo uma única vez, mas acredito que você tenha feito essa mudança.— Eu? — Apontou para o próprio peito. Olhou para o aplicativo no celular, desejando um acesso de escape por perto para e
— “De médico e de louco, todo mundo tem um pouco”, o papai adora falar isso. Talvez ele tenha razão. — Danbi saboreava sua segunda taça de sorvete de baunilha, enquanto a pesquisadora preparava para si mesma sua bebida preferida. — Você acha que estou sendo impulsiva? Ambas trajavam pijamas e dividiam a cozinha em plena madrugada, Daisy, com estampa de margaridas; Danbi, com estampa de chuva, detalhes que a mãe fazia questão de proporcionar para as filhas, com seus nomes e significados. — E quando você não foi, Daisy? — Já tive os meus momentos de lucidez... — Sentou-se em frente à irmã preferida, mesmo que negasse até o último fio de cabelo caso alguém perguntasse, permitindo aquela conversa tranquila e cheia de significado. — Sério? Acho q
Não tenho certeza se dará certo, talvez seja a minha parte otimista falando mais alto. No entanto, preciso tentar e acreditar que minha atitude ajudará a vida daquela família. Basta encontrá-la. Não sei para onde foram. Seus nomes. Suas profissões. Seus endereços. Tudo perdido quando um saco de pão rasgado foi jogado no lixo por engano. Assim foi revelado, entre várias conversas à mesa durante o jantar, mas não posso perder as esperanças. Preciso seguir todas as pistas que encontrei ao longo dos anos. Se este diário estiver em suas mãos, significa que falhei em minha jornada. Entretanto, lembre-se! Você precisa dar continuidade. Por mim, por nós, por eles. Tome de volta o que é nosso por direito e dever. Segure a mão de alguém daquela fam
Tudo aconteceu em câmera lenta, pelo menos aos olhos de Daisy.De acordo com sua visão, o diretor caminharia em sua direção com um propósito em mente. As mãos atrás das costas escondiam não somente um presente tão nítido quanto aquele final de tarde único, como também um futuro emaranhado de acertos e erros.Com relação a essa parte, não havia qualquer problema para a pesquisadora. Ela estava pronta, mesmo que, em algum canto da sua mente, existisse um toque de dúvida. No entanto, o que mais lhe doía era a maneira como tudo aconteceria.— Não... — murmurou para si mesma. — Por favor, não.Saulo andava a passo largos e vigorosos na direção da namorada. O suor escorria por suas costas, perturbando a paz da sua camisa branca. Na certa, se tirasse o paletó, daria uma ótima foto para c
Um dia, entre uma respiração agitada e uma gravata perdida embaixo do sofá amarelo, uma curiosidade de Saulo veio à tona:— Já percebi que você costuma falar muitos ditados populares.— Tudo culpa do meu avô paterno. Ele costumava resolver um problema ou até mesmo justificar seus erros usando algum ditado popular. Outra herança esquisita que a minha família me deixou. Só que essa, eu aceitei por livre e espontânea vontade. Se por acaso eu exagerar, pode me dar uma bronca. — Penteou o cabelo com a escova guardada em seu nécessaire. Já que as visitas à sala andavam acontecendo com bastante frequência, nada mais justo do que deixar alguns pertences básicos como precaução. — Minhas irmãs vivem fazendo isso. Danbi mesmo disse para eu me controlar quando estivesse na sua frente.Saulo levantou-se para fechar os
— O combinado não era dividirmos a sobremesa? — Giovani encarava a amiga, que levava à boca mais uma colherada do waffle com sorvete de chocolate.— Estou frustrada. — Raspou o prato com a colher, quando, na verdade, desejava limpar a calda de chocolate com o próprio dedo.Daisy descontava sua insatisfação na comida desde o dia em que deixara o diretor parado no corredor do hospital. Além de seu amigo, a família já havia percebido que algo andava muito errado com ela. Suas visitas durante a madrugada à geladeira sempre deixavam rastros pela casa.— Nem deu para notar. — Retirou o prato da frente dela, ganhando um olhar de reprimenda. Não se importou; a situação parecia fora do controle. Não dava mais para aguentar aquela rabugice por muito mais tempo, pensou. Daisy era uma amiga maravilhosa, quando não estava imersa em uma piscina
Saulo estava um bagaço. Na verdade, sendo sincero consigo mesmo, talvez esse nem fosse o termo correto. Uma palavra mais chula, quem sabe ofensiva para ouvidos alheios, poderia muito bem caracterizar suas emoções desde seu último encontro com Daisy.A pesquisadora o evitava; ele, por sua vez, fazia o mesmo com a mãe, depois de uma terrível discussão; o trabalho parecia brotar como erva-daninha; e, para ajudar, ainda existia a incerteza sobre ter se apoderado do dom.— Será que fiz tudo isso por nada? — ele se perguntou.Era óbvio que ele poderia usar o seu cargo como desculpa e chamar a pesquisadora até sua sala, e esse pensamento lhe veio à mente em diversos momentos. Entretanto, lá fundo, Saulo ainda possuía um pouco de racionalidade. Como diziam os mais velhos, se ele errasse uma vez, poderia justificar como “sou humano”, mas, uma segunda vez...<
E eles viveram felizes para sempre.Fim. Fechou o diário, permitindo um suspiro de puro alívio e satisfação. Mais uma história concluída com sucesso. Ergueu os braços, tentando aliviar o peso sobre seus ombros. Um estalo em sua coluna a alertou do perigo em manter-se horas a fio presa em sua cadeira.— Essa foi difícil, hein? — Apoiou o corpo sobre o objeto que deveria ficar escondido. Costumava ter cuidado, mas o cansaço teimava em nublar seu raciocínio. — Desculpe, te assustei.Ofereceu uma caneca de café fumegante à pessoa que adorava cutucar o destino e que tinha como função escrever os tópicos da trama, mas o desenrolar dependia dos participantes.— Um pouco. Faz anos que essa família está na nossa mira. Esse casal já estava prometido há muito tempo. Ainda bem que agora