Martina
As ruas de Milão passavam como borrões à minha volta, mas minha mente estava a milhares de quilômetros de distância. As luzes da cidade, que normalmente me traziam uma sensação de familiaridade, agora pareciam diferentes, carregadas de um peso que eu não sabia descrever. Eu não conseguia tirar da cabeça o que havia acabado de presenciar. As palavras de Niccolò, suas ações, a violência fria com a qual ele lidava com seus inimigos. Eu sempre soube que meu pai estava envolvido nesse mundo, mas havia uma diferença imensa entre saber de algo e vivê-lo em primeira mão. Ver com meus próprios olhos como os homens da máfia resolviam suas diferenças era outra coisa completamente. Meu corpo ainda estava tenso, cada músculo preparado para uma luta ou fuga que nunca veio. Eu me sentia pequena, sufocada. Niccolò estava ao meu lado, dirigindo em silêncio, e mesmo que ele parecesse completamente à vontade, eu podia sentir a intensidade que emanava dele. Ele não havia dito uma palavra desde que o confronto terminou. A única coisa que fazia o ambiente parecer menos opressor era o som do motor do carro cortando a noite. Puxei o ar devagar, tentando organizar meus pensamentos. Eu não sabia o que dizer, nem por onde começar. Estava claro que não éramos iguais. O que ele esperava de mim era... impossível. Mas, ao mesmo tempo, algo nele me puxava, me arrastava para mais perto, como se eu não tivesse escolha. Era como se uma parte de mim soubesse que não adiantava resistir, mas outra parte lutava desesperadamente contra isso. — Isso foi o que você quis dizer? — perguntei de repente, quebrando o silêncio que nos envolvia. — Quando falou que eu faria parte de tudo isso? Niccolò desviou o olhar da estrada por um segundo, e o que vi em seus olhos não era arrependimento. Era convicção. — Sim — ele respondeu simplesmente. Minha mente girava. Eu estava sendo puxada para dentro de algo que não compreendia completamente. Algo escuro, violento, impiedoso. Mas, ao mesmo tempo, percebi que essa era a minha realidade agora. Não havia mais como voltar atrás. — Eu... eu não sou como você, Niccolò — confessei, sentindo um nó se formar na minha garganta. — Não posso ser. Ele não tirou os olhos da estrada, mas a tensão em seus ombros ficou visível. — Não estou pedindo que seja como eu — sua voz saiu baixa, mas carregada de uma firmeza que me deixou inquieta. — Estou pedindo que entenda que, ao estar ao meu lado, você faz parte disso, queira ou não. A escolha já foi feita. Eu queria gritar, dizer que ele não tinha o direito de decidir por mim, mas, de algum modo, aquelas palavras já não saíam com a mesma força. As coisas que vi naquela noite, a brutalidade, o sangue... tudo me fez perceber que talvez nunca tivesse tido escolha. Era um caminho que havia sido traçado para mim muito antes de eu sequer saber quem eu era. Mas ainda assim, isso não significava que eu estava pronta para aceitar. — E se eu não quiser? — desafiei, cruzando os braços, tentando parecer mais firme do que realmente me sentia. Ele me olhou de novo, dessa vez com uma mistura de frustração e paciência. — Não tem a ver com querer, Martina. Tem a ver com sobrevivência. — Ele fez uma pausa, deixando suas palavras caírem como pedras sobre mim. — Se você não estiver ao meu lado, será esmagada por tudo isso. Pela máfia, pelos meus inimigos, pelo seu próprio pai. Não é uma questão de escolha. As palavras ecoaram na minha cabeça como uma sentença. E a parte mais aterrorizante era saber que ele estava certo. Fugir não era uma opção. Eu havia passado a vida inteira lutando contra as expectativas impostas por meu pai, contra esse mundo que ele queria que eu abraçasse. Mas a verdade era que esse mundo sempre foi parte de mim, mesmo que eu tivesse tentado me distanciar. O silêncio entre nós voltou, pesado, mas diferente. Eu já não estava apenas resistindo a Niccolò, mas a mim mesma, à aceitação de que esse era o único caminho possível. Finalmente, chegamos à casa de campo. Niccolò estacionou o carro e saiu sem dizer nada, como se me deixasse decidir se queria segui-lo ou não. Hesitei por um momento, mas não tinha para onde ir. Não tinha para quem correr. A única opção era entrar. A casa estava quieta, o cheiro familiar de madeira envelhecida e terra molhada enchia o ar. Lembrava-me de algumas viagens que fiz com minha família quando era pequena, antes de entender o que meu pai realmente fazia. Eu subi as escadas devagar, ainda absorvendo tudo o que havia acontecido. Ao chegar ao quarto, fechei a porta atrás de mim e me sentei na beirada da cama, perdida em pensamentos. Como seria minha vida daqui para frente? Estaria eu condenada a viver sob a sombra de Niccolò, como uma peça no seu jogo de poder? Meus pensamentos foram interrompidos por um som suave vindo da porta. Niccolò entrou no quarto, sem bater, como se o espaço já lhe pertencesse. Ele parou diante de mim, me observando de perto, os olhos escuros fixos nos meus. — Você acha que pode me forçar a aceitar isso tudo — falei, tentando manter a voz firme, embora soubesse que ele podia ver o medo e a confusão por trás das minhas palavras. Ele deu um passo à frente, e sua presença me envolveu de uma forma que era ao mesmo tempo sufocante e intrigante. — Não preciso forçá-la, Martina. Você vai entender, mais cedo ou mais tarde, que esse é o único caminho. E quando entender, estará ao meu lado. Não porque eu mandei, mas porque saberá que esse é o seu lugar. Eu me levantei, o rosto próximo ao dele, o desafio voltando aos meus olhos. — Não me subestime — avisei, minha voz cheia de frustração. — Eu não sou como as outras mulheres que você deve ter conhecido. Eu não vou ceder tão facilmente. Ele me olhou por um longo momento, um pequeno sorriso curvando seus lábios. — Eu sei que não. — E então ele se virou, deixando o quarto em silêncio. Fiquei ali, sozinha, tentando controlar a onda de emoções que ameaçava me derrubar. O que Niccolò não sabia, ou talvez soubesse muito bem, era que a verdade é que parte de mim já estava se rendendo. Eu podia lutar contra o que sentia, contra a atração perigosa que ele despertava em mim, mas não podia negar que a cada passo que dava, me aproximava mais desse destino que ele dizia ser inevitável. E, no fundo, algo me dizia que ele estava certo. *** Nos dias que se seguiram, o silêncio entre nós era tenso, mas carregado de uma energia que eu não conseguia ignorar. Niccolò estava sempre envolvido em seus negócios, reuniões constantes com seus homens, telefonemas que interrompiam qualquer tentativa de paz. Mas, em meio a isso tudo, ele sempre me observava, como se estivesse esperando algo. Talvez o momento em que eu finalmente admitisse o que estava acontecendo dentro de mim. Eu passei a observar mais atentamente o mundo ao meu redor. Aos poucos, comecei a entender a dinâmica da máfia, os jogos de poder e controle. O respeito e o medo que Niccolò inspirava eram quase palpáveis, e eu sabia que, de uma forma ou de outra, esse seria meu mundo também. Não havia mais como fugir disso. Então, uma tarde, enquanto estávamos sozinhos na sala de estar, sentados em silêncio, algo mudou. Niccolò quebrou o silêncio, sua voz profunda e direta. — Você está pronta para me ouvir agora? Eu o encarei, sem saber o que responder. Algo em seu tom me dizia que ele tinha mais para revelar. Algo que mudaria tudo. — O que você quer dizer? — perguntei, cautelosa. Ele se inclinou para frente, os olhos fixos nos meus. — Quero te contar o que realmente aconteceu comigo. O que me fez ser quem sou. E por que, para nós, não há volta. Aquelas palavras me pegaram de surpresa. Havia algo ali, nas entrelinhas, que eu não esperava. A revelação de quem Niccolò realmente era estava prestes a mudar tudo. E eu não sabia se estava pronta para isso.NiccolòO olhar de Martina estava fixo em mim, um misto de curiosidade e desafio. Eu sabia que o que estava prestes a compartilhar não apenas revelaria quem eu realmente era, mas também moldaria o futuro que planejávamos juntos. Era hora de abrir as portas do meu passado, mesmo que isso significasse expor as fraquezas que eu cuidadosamente mantive ocultas.— Antes de tudo isso — comecei, tentando encontrar as palavras certas —, eu era apenas um garoto comum, de uma família comum. Mas a vida nunca é tão simples, não é? Meu pai sempre foi um homem de honra, respeitado, mas envolvido em coisas que eu não entendia completamente até mais tarde. Ele me ensinou sobre o poder, o respeito e, acima de tudo, sobre a lealdade.Martina me ouviu atentamente, seus olhos brilhando com uma mistura de compaixão e apreensão. Havia uma conexão entre nós que crescia a cada momento que compartilhávamos.— O que aconteceu? — ela perguntou, a voz baixa, quase como um sussurro.Respirei fundo, lembrando dos d
MartinaA tensão pairava no ar como um manto pesado. O aviso sobre os Rivelli ecoava em minha mente. O mundo em que eu estava me metendo não era apenas um jogo de poder; era uma questão de sobrevivência. Eu olhei para Niccolò, sua determinação brilhando em seus olhos, mas também vi a sombra da preocupação que o envolvia. Ele sabia que o que estava por vir era sério, e eu não podia me dar ao luxo de ser uma observadora. Precisava estar ao lado dele, mesmo que isso significasse enfrentar meus próprios medos.— O que vamos fazer? — perguntei, tentando manter a voz firme, apesar da inquietação que crescia dentro de mim.Ele respirou fundo, a mandíbula cerrada.— Precisamos reunir nossos aliados e nos preparar. Os Rivelli não vão atacar sem razão; eles têm um objetivo em mente. E eu não vou deixar que eles coloquem você em perigo.Eu sabia que ele estava preocupado, mas não queria ser vista como alguém que precisava ser protegida. Eu era mais forte do que isso, e estava determinada a prova
NiccolòCom as preparações em andamento, eu precisava de um momento de paz. A pressão pesava sobre meus ombros, e, por um instante, eu só queria afastar os pensamentos que giravam na minha cabeça como tempestades. Quando olhei para Martina, ela estava focada, determinada a contribuir. Isso me deixava orgulhoso, mas também preocupado. A vida dela estava em risco, e eu não podia permitir que ela fosse ferida.— Precisamos de um refúgio — disse eu, decidindo que era hora de encontrar um lugar onde pudéssemos nos concentrar um no outro, longe da pressão e do caos. — Um lugar seguro, onde possamos nos conhecer melhor.Ela olhou para mim, um sorriso se formando em seus lábios.— O que você tem em mente?— Conheço um lugar afastado, um antigo chalé da família. É isolado e não muito longe daqui. Lá poderemos relaxar e planejar o que vem a seguir sem distrações.Martina concordou rapidamente, e em pouco tempo, estávamos a caminho do chalé. O carro percorreu estradas sinuosas, cercadas por árvo
MartinaEu me lembro do dia em que tudo começou a desmoronar. Não porque fosse um evento chocante ou extraordinário, mas pela frieza com que o destino selou o meu futuro.- Você vai se casar com ele - meu pai declarou, sua voz autoritária perfurando o silêncio da sala. Aquelas palavras carregavam um peso que esmagava o ar ao meu redor, deixando-me incapaz de respirar. Eu sabia que algo estava errado naquela manhã, mas jamais teria imaginado isso.- Com... quem? - A pergunta escapou dos meus lábios antes que eu pudesse me conter, embora a resposta já estivesse estampada no rosto impassível dele.Ele não precisou dizer o nome. O sobrenome Ruggeri circulava no nosso mundo como um veneno letal. Niccolò Ruggeri, o temido don da máfia italiana, o homem que controlava metade das operações no sul da Itália. Aquele que nunca perdoava. Aquele que ninguém ousava contrariar.Senti meu coração acelerar, minhas mãos suando de leve enquanto tentava assimilar a informação. Eu não posso me casar com e
NiccolòEu a observei do outro lado da mesa enquanto ela mantinha aquela postura desafiadora, quase como uma armadura. A maioria das pessoas tremia ao me encarar, ao saber que estavam diante do don da máfia. Mas não Martina. Ela era diferente. Havia algo nos olhos dela, uma chama que eu não via em mais ninguém. Mesmo que estivesse tentando disfarçar, eu podia sentir o desconforto em cada movimento que ela fazia. Seu corpo estava tenso, e ela mordia levemente o lábio inferior, talvez sem perceber. Era algo que me deixava curioso.Eu tinha visto muitas mulheres como ela antes - filhas de capos, criadas em um mundo de poder e violência, acostumadas a viver como prisioneiras de suas próprias famílias, sempre com um sorriso falso e uma obediência forçada. Mas Martina... Ela não era como as outras. Ela resistia. E essa resistência me fascinava.- Então, - comecei, apoiando o cotovelo na mesa e inclinando-me levemente para frente. - Você vai continuar fingindo que não está desconfortável, ou
MartinaEu nunca me imaginei na posição em que estava. Sentada ali, naquela vinícola afastada, com Niccolò Ruggeri à minha frente, falando de alianças e poder como se fosse a coisa mais natural do mundo. Ele parecia tão certo de que eu, eventualmente, cederia. Que eu enxergaria as vantagens de estar ao lado dele. E o mais irritante de tudo era que, em um canto obscuro da minha mente, havia uma parte de mim que começava a entender o que ele dizia.Mas eu ainda não estava pronta para admitir isso. Não para ele. E definitivamente não para mim mesma.- E o que te faz pensar que eu vou querer esse tipo de poder, Niccolò? - minha voz soou firme, mas o desconforto que eu sentia era inegável. - Eu não sou como você. Nunca quis esse mundo.Ele me encarou por alguns segundos, os olhos penetrantes, como se estivesse tentando ver além das minhas palavras. Isso me deixava inquieta. A intensidade com que ele me olhava sempre me fazia sentir que ele sabia de algo que eu não sabia. Como se, de alguma
NiccolòA noite estava carregada de tensão quando saímos da vinícola. O que começou como uma tentativa de fazer Martina enxergar o futuro que poderia ter ao meu lado se transformou em uma virada brusca nos eventos que eu não podia ignorar. Não agora. Eu ainda sentia as palavras dela ecoando na minha mente, a resistência implacável que ela exibia e a raiva mal contida em sua voz. Mas o que estava por vir exigia minha atenção imediata.— O que está acontecendo? — Martina perguntou, a voz firme, mas com uma leve hesitação.Eu olhei para ela de relance enquanto dirigia pelas estradas estreitas. A luz dos faróis refletia em seu rosto, mostrando a inquietação nos olhos. Ela era perspicaz o bastante para perceber que algo grave havia surgido, mas ainda não entendia completamente o quão perigoso era.— Um dos meus rivais cometeu um erro — respondi com um tom controlado, mantendo a concentração na estrada. — Algo que precisa ser resolvido antes que se torne um problema maior.Ela ficou em silê