Capítulo 5: A Revelação

Martina

As ruas de Milão passavam como borrões à minha volta, mas minha mente estava a milhares de quilômetros de distância. As luzes da cidade, que normalmente me traziam uma sensação de familiaridade, agora pareciam diferentes, carregadas de um peso que eu não sabia descrever. Eu não conseguia tirar da cabeça o que havia acabado de presenciar. As palavras de Niccolò, suas ações, a violência fria com a qual ele lidava com seus inimigos.

Eu sempre soube que meu pai estava envolvido nesse mundo, mas havia uma diferença imensa entre saber de algo e vivê-lo em primeira mão. Ver com meus próprios olhos como os homens da máfia resolviam suas diferenças era outra coisa completamente. Meu corpo ainda estava tenso, cada músculo preparado para uma luta ou fuga que nunca veio. Eu me sentia pequena, sufocada.

Niccolò estava ao meu lado, dirigindo em silêncio, e mesmo que ele parecesse completamente à vontade, eu podia sentir a intensidade que emanava dele. Ele não havia dito uma palavra desde que o confronto terminou. A única coisa que fazia o ambiente parecer menos opressor era o som do motor do carro cortando a noite.

Puxei o ar devagar, tentando organizar meus pensamentos. Eu não sabia o que dizer, nem por onde começar. Estava claro que não éramos iguais. O que ele esperava de mim era... impossível.

Mas, ao mesmo tempo, algo nele me puxava, me arrastava para mais perto, como se eu não tivesse escolha. Era como se uma parte de mim soubesse que não adiantava resistir, mas outra parte lutava desesperadamente contra isso.

— Isso foi o que você quis dizer? — perguntei de repente, quebrando o silêncio que nos envolvia. — Quando falou que eu faria parte de tudo isso?

Niccolò desviou o olhar da estrada por um segundo, e o que vi em seus olhos não era arrependimento. Era convicção.

— Sim — ele respondeu simplesmente.

Minha mente girava. Eu estava sendo puxada para dentro de algo que não compreendia completamente. Algo escuro, violento, impiedoso. Mas, ao mesmo tempo, percebi que essa era a minha realidade agora. Não havia mais como voltar atrás.

— Eu... eu não sou como você, Niccolò — confessei, sentindo um nó se formar na minha garganta. — Não posso ser.

Ele não tirou os olhos da estrada, mas a tensão em seus ombros ficou visível.

— Não estou pedindo que seja como eu — sua voz saiu baixa, mas carregada de uma firmeza que me deixou inquieta. — Estou pedindo que entenda que, ao estar ao meu lado, você faz parte disso, queira ou não. A escolha já foi feita.

Eu queria gritar, dizer que ele não tinha o direito de decidir por mim, mas, de algum modo, aquelas palavras já não saíam com a mesma força. As coisas que vi naquela noite, a brutalidade, o sangue... tudo me fez perceber que talvez nunca tivesse tido escolha. Era um caminho que havia sido traçado para mim muito antes de eu sequer saber quem eu era.

Mas ainda assim, isso não significava que eu estava pronta para aceitar.

— E se eu não quiser? — desafiei, cruzando os braços, tentando parecer mais firme do que realmente me sentia.

Ele me olhou de novo, dessa vez com uma mistura de frustração e paciência.

— Não tem a ver com querer, Martina. Tem a ver com sobrevivência. — Ele fez uma pausa, deixando suas palavras caírem como pedras sobre mim. — Se você não estiver ao meu lado, será esmagada por tudo isso. Pela máfia, pelos meus inimigos, pelo seu próprio pai. Não é uma questão de escolha.

As palavras ecoaram na minha cabeça como uma sentença. E a parte mais aterrorizante era saber que ele estava certo. Fugir não era uma opção. Eu havia passado a vida inteira lutando contra as expectativas impostas por meu pai, contra esse mundo que ele queria que eu abraçasse. Mas a verdade era que esse mundo sempre foi parte de mim, mesmo que eu tivesse tentado me distanciar.

O silêncio entre nós voltou, pesado, mas diferente. Eu já não estava apenas resistindo a Niccolò, mas a mim mesma, à aceitação de que esse era o único caminho possível.

Finalmente, chegamos à casa de campo. Niccolò estacionou o carro e saiu sem dizer nada, como se me deixasse decidir se queria segui-lo ou não. Hesitei por um momento, mas não tinha para onde ir. Não tinha para quem correr. A única opção era entrar.

A casa estava quieta, o cheiro familiar de madeira envelhecida e terra molhada enchia o ar. Lembrava-me de algumas viagens que fiz com minha família quando era pequena, antes de entender o que meu pai realmente fazia. Eu subi as escadas devagar, ainda absorvendo tudo o que havia acontecido.

Ao chegar ao quarto, fechei a porta atrás de mim e me sentei na beirada da cama, perdida em pensamentos. Como seria minha vida daqui para frente? Estaria eu condenada a viver sob a sombra de Niccolò, como uma peça no seu jogo de poder?

Meus pensamentos foram interrompidos por um som suave vindo da porta. Niccolò entrou no quarto, sem bater, como se o espaço já lhe pertencesse. Ele parou diante de mim, me observando de perto, os olhos escuros fixos nos meus.

— Você acha que pode me forçar a aceitar isso tudo — falei, tentando manter a voz firme, embora soubesse que ele podia ver o medo e a confusão por trás das minhas palavras.

Ele deu um passo à frente, e sua presença me envolveu de uma forma que era ao mesmo tempo sufocante e intrigante.

— Não preciso forçá-la, Martina. Você vai entender, mais cedo ou mais tarde, que esse é o único caminho. E quando entender, estará ao meu lado. Não porque eu mandei, mas porque saberá que esse é o seu lugar.

Eu me levantei, o rosto próximo ao dele, o desafio voltando aos meus olhos.

— Não me subestime — avisei, minha voz cheia de frustração. — Eu não sou como as outras mulheres que você deve ter conhecido. Eu não vou ceder tão facilmente.

Ele me olhou por um longo momento, um pequeno sorriso curvando seus lábios.

— Eu sei que não. — E então ele se virou, deixando o quarto em silêncio.

Fiquei ali, sozinha, tentando controlar a onda de emoções que ameaçava me derrubar. O que Niccolò não sabia, ou talvez soubesse muito bem, era que a verdade é que parte de mim já estava se rendendo. Eu podia lutar contra o que sentia, contra a atração perigosa que ele despertava em mim, mas não podia negar que a cada passo que dava, me aproximava mais desse destino que ele dizia ser inevitável.

E, no fundo, algo me dizia que ele estava certo.

***

Nos dias que se seguiram, o silêncio entre nós era tenso, mas carregado de uma energia que eu não conseguia ignorar. Niccolò estava sempre envolvido em seus negócios, reuniões constantes com seus homens, telefonemas que interrompiam qualquer tentativa de paz. Mas, em meio a isso tudo, ele sempre me observava, como se estivesse esperando algo. Talvez o momento em que eu finalmente admitisse o que estava acontecendo dentro de mim.

Eu passei a observar mais atentamente o mundo ao meu redor. Aos poucos, comecei a entender a dinâmica da máfia, os jogos de poder e controle. O respeito e o medo que Niccolò inspirava eram quase palpáveis, e eu sabia que, de uma forma ou de outra, esse seria meu mundo também. Não havia mais como fugir disso.

Então, uma tarde, enquanto estávamos sozinhos na sala de estar, sentados em silêncio, algo mudou. Niccolò quebrou o silêncio, sua voz profunda e direta.

— Você está pronta para me ouvir agora?

Eu o encarei, sem saber o que responder. Algo em seu tom me dizia que ele tinha mais para revelar. Algo que mudaria tudo.

— O que você quer dizer? — perguntei, cautelosa.

Ele se inclinou para frente, os olhos fixos nos meus.

— Quero te contar o que realmente aconteceu comigo. O que me fez ser quem sou. E por que, para nós, não há volta.

Aquelas palavras me pegaram de surpresa. Havia algo ali, nas entrelinhas, que eu não esperava. A revelação de quem Niccolò realmente era estava prestes a mudar tudo.

E eu não sabia se estava pronta para isso.

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