Martina
Eu nunca me imaginei na posição em que estava. Sentada ali, naquela vinícola afastada, com Niccolò Ruggeri à minha frente, falando de alianças e poder como se fosse a coisa mais natural do mundo. Ele parecia tão certo de que eu, eventualmente, cederia. Que eu enxergaria as vantagens de estar ao lado dele. E o mais irritante de tudo era que, em um canto obscuro da minha mente, havia uma parte de mim que começava a entender o que ele dizia. Mas eu ainda não estava pronta para admitir isso. Não para ele. E definitivamente não para mim mesma. - E o que te faz pensar que eu vou querer esse tipo de poder, Niccolò? - minha voz soou firme, mas o desconforto que eu sentia era inegável. - Eu não sou como você. Nunca quis esse mundo. Ele me encarou por alguns segundos, os olhos penetrantes, como se estivesse tentando ver além das minhas palavras. Isso me deixava inquieta. A intensidade com que ele me olhava sempre me fazia sentir que ele sabia de algo que eu não sabia. Como se, de alguma forma, ele já tivesse certeza do nosso destino. - Você é mais como eu do que imagina - disse ele calmamente, pegando a taça de vinho e girando-a levemente. - Você nasceu nesse mundo. Não importa o quanto tente lutar contra isso, Martina, é quem você é. Parte de você já sabe disso. O que você ainda não percebeu é que não precisa se sentir como uma prisioneira. Pode ser muito mais do que isso. - E o que exatamente eu sou, segundo você? - perguntei, cruzando os braços e me inclinando para trás na cadeira. Eu estava cansada dessas conversas cheias de subentendidos. Ele sorriu de lado, como se minha irritação o divertisse. - Você é filha de um capo - ele começou, a voz baixa e firme. - Cresceu cercada por poder, violência, e decisões difíceis. Você sabe o que significa fazer sacrifícios, mesmo que não tenha gostado disso. E agora, você tem a chance de estar ao lado de alguém que entende exatamente o que isso significa. Você pode ser muito mais do que apenas a filha de um capo. Você pode ser uma rainha. Eu ri, sem humor, e balancei a cabeça. Ele estava falando como se a vida dentro da máfia fosse algum tipo de conto de fadas distorcido. Como se ser uma rainha da máfia fosse algo que qualquer pessoa em sã consciência desejaria. - E que tipo de "rainha" eu seria? - perguntei, sarcástica. - Uma rainha sem escolhas? Sem liberdade? Você está me oferecendo um título vazio, Niccolò. Nada mais. - Não é um título vazio - ele respondeu, com seriedade na voz agora. - O que estou te oferecendo é poder real. Você teria voz em tudo. Não seria apenas minha esposa, seria minha parceira. Nós dois, governando juntos. Havia uma honestidade crua nas palavras dele, algo que fez meu coração acelerar por um segundo. Mas eu me recusei a deixar essa sensação me dominar. Eu não podia ceder tão facilmente. - Você acha que sabe quem eu sou, mas está enganado - repliquei, apertando as mãos no colo. - Eu não quero esse poder. Não quero governar. Só quero viver minha vida sem ser obrigada a fazer parte desse jogo sujo. Ele suspirou, como se estivesse cansado de explicar algo tão óbvio para mim. - Se realmente acreditasse nisso, não estaria aqui agora, discutindo comigo. Você poderia ter fugido, poderia ter lutado mais contra esse casamento. Mas não fez isso. Você está aqui porque sabe, em algum nível, que não há escapatória. E mais do que isso, porque parte de você quer entender o que eu estou oferecendo. Aquelas palavras me atingiram com força. Eu abri a boca para retrucar, mas não encontrei nada que pudesse ser dito. Ele estava certo? Será que, no fundo, eu realmente queria isso? Não... Eu estava apenas tentando sobreviver, certo? Fazendo o que precisava para me proteger. Mas por que, então, eu não conseguia parar de pensar no que ele dizia? No poder. Na aliança. Eu respirei fundo, tentando manter a compostura. - Você é bom em manipular as pessoas, Niccolò. Eu dou isso a você - disse, com um sorriso tenso. - Mas eu não sou uma peça no seu tabuleiro. Ele riu suavemente. - Não estou tentando te manipular, Martina. Estou apenas sendo honesto. Eu sei como as coisas funcionam nesse mundo. E, mais cedo ou mais tarde, você também vai saber. Houve um silêncio tenso entre nós. Ele me observava, e eu sentia como se estivesse sob um microscópio, cada pensamento e reação sendo dissecados por aquele olhar implacável. Meus dedos se apertaram no tecido da cadeira, e eu desviei o olhar, sentindo uma raiva crescer dentro de mim. Não raiva de Niccolò, mas de mim mesma, por estar tão afetada pelas palavras dele. Eu sabia que ele estava certo em partes. Fugir? Não era uma opção. Nunca fora. Desde que nasci, fui envolvida nesse jogo de poder e lealdade. Meu pai me criou para seguir as tradições, para ser leal à família acima de tudo. E Niccolò sabia disso. Ele sabia que minha resistência era mais um reflexo de frustração do que de verdadeira convicção. - Por que você quer tanto isso? - perguntei, subitamente, encarando-o de novo. - Por que quer que eu seja sua parceira? Poderia ter qualquer outra pessoa. Alguém mais disposta. Por que eu? Ele se inclinou para frente, os olhos focados nos meus. A intensidade dele me fazia querer desviar o olhar, mas me forcei a manter o contato. - Porque você é forte. - Ele falou, com uma calma que me desarmou. - E porque você é a única que pode entender o que isso significa. Minha respiração ficou presa na garganta. Aquele não era o tipo de resposta que eu esperava. Eu achava que ele diria algo sobre controle, sobre estratégias de poder. Mas havia algo mais profundo naquelas palavras, algo que eu não estava preparada para enfrentar. Antes que eu pudesse responder, o celular dele vibrou sobre a mesa. Ele olhou a tela rapidamente, e o rosto dele se fechou. Aquela expressão controlada, implacável, voltou num instante. Ele se levantou, guardando o celular no bolso do terno. - Temos que ir. - A voz dele estava dura, como se o momento entre nós tivesse sido cortado abruptamente. - O que aconteceu? - perguntei, sentindo uma onda de preocupação se formar em meu estômago. Ele olhou para mim, os olhos agora frios, focados em algo além de nós. - Alguém acabou de cruzar uma linha que não deveria. Vamos resolver isso. Eu me levantei, surpresa com a urgência na voz dele. Senti o peso da situação mudar rapidamente, de uma conversa tensa para algo mais sombrio. Ao sair da vinícola, ele me conduziu para o carro com firmeza, sem uma palavra. Quando estávamos no carro, a tensão entre nós havia mudado completamente. Eu não sabia o que esperar, mas sentia que, qualquer que fosse o próximo movimento, ele nos puxaria ainda mais para o coração da escuridão daquele mundo. ** Enquanto dirigíamos de volta para a cidade, o silêncio entre nós era denso. Niccolò estava focado, as mãos apertando o volante com força. Eu podia sentir a mudança no ar. Algo estava prestes a acontecer, e, pela primeira vez, senti que minha resistência inicial poderia não ser suficiente para lidar com o que viria a seguir. Eu tinha que me preparar.NiccolòA noite estava carregada de tensão quando saímos da vinícola. O que começou como uma tentativa de fazer Martina enxergar o futuro que poderia ter ao meu lado se transformou em uma virada brusca nos eventos que eu não podia ignorar. Não agora. Eu ainda sentia as palavras dela ecoando na minha mente, a resistência implacável que ela exibia e a raiva mal contida em sua voz. Mas o que estava por vir exigia minha atenção imediata.— O que está acontecendo? — Martina perguntou, a voz firme, mas com uma leve hesitação.Eu olhei para ela de relance enquanto dirigia pelas estradas estreitas. A luz dos faróis refletia em seu rosto, mostrando a inquietação nos olhos. Ela era perspicaz o bastante para perceber que algo grave havia surgido, mas ainda não entendia completamente o quão perigoso era.— Um dos meus rivais cometeu um erro — respondi com um tom controlado, mantendo a concentração na estrada. — Algo que precisa ser resolvido antes que se torne um problema maior.Ela ficou em silê
MartinaAs ruas de Milão passavam como borrões à minha volta, mas minha mente estava a milhares de quilômetros de distância. As luzes da cidade, que normalmente me traziam uma sensação de familiaridade, agora pareciam diferentes, carregadas de um peso que eu não sabia descrever. Eu não conseguia tirar da cabeça o que havia acabado de presenciar. As palavras de Niccolò, suas ações, a violência fria com a qual ele lidava com seus inimigos.Eu sempre soube que meu pai estava envolvido nesse mundo, mas havia uma diferença imensa entre saber de algo e vivê-lo em primeira mão. Ver com meus próprios olhos como os homens da máfia resolviam suas diferenças era outra coisa completamente. Meu corpo ainda estava tenso, cada músculo preparado para uma luta ou fuga que nunca veio. Eu me sentia pequena, sufocada.Niccolò estava ao meu lado, dirigindo em silêncio, e mesmo que ele parecesse completamente à vontade, eu podia sentir a intensidade que emanava dele. Ele não havia dito uma palavra desde qu
NiccolòO olhar de Martina estava fixo em mim, um misto de curiosidade e desafio. Eu sabia que o que estava prestes a compartilhar não apenas revelaria quem eu realmente era, mas também moldaria o futuro que planejávamos juntos. Era hora de abrir as portas do meu passado, mesmo que isso significasse expor as fraquezas que eu cuidadosamente mantive ocultas.— Antes de tudo isso — comecei, tentando encontrar as palavras certas —, eu era apenas um garoto comum, de uma família comum. Mas a vida nunca é tão simples, não é? Meu pai sempre foi um homem de honra, respeitado, mas envolvido em coisas que eu não entendia completamente até mais tarde. Ele me ensinou sobre o poder, o respeito e, acima de tudo, sobre a lealdade.Martina me ouviu atentamente, seus olhos brilhando com uma mistura de compaixão e apreensão. Havia uma conexão entre nós que crescia a cada momento que compartilhávamos.— O que aconteceu? — ela perguntou, a voz baixa, quase como um sussurro.Respirei fundo, lembrando dos d
MartinaA tensão pairava no ar como um manto pesado. O aviso sobre os Rivelli ecoava em minha mente. O mundo em que eu estava me metendo não era apenas um jogo de poder; era uma questão de sobrevivência. Eu olhei para Niccolò, sua determinação brilhando em seus olhos, mas também vi a sombra da preocupação que o envolvia. Ele sabia que o que estava por vir era sério, e eu não podia me dar ao luxo de ser uma observadora. Precisava estar ao lado dele, mesmo que isso significasse enfrentar meus próprios medos.— O que vamos fazer? — perguntei, tentando manter a voz firme, apesar da inquietação que crescia dentro de mim.Ele respirou fundo, a mandíbula cerrada.— Precisamos reunir nossos aliados e nos preparar. Os Rivelli não vão atacar sem razão; eles têm um objetivo em mente. E eu não vou deixar que eles coloquem você em perigo.Eu sabia que ele estava preocupado, mas não queria ser vista como alguém que precisava ser protegida. Eu era mais forte do que isso, e estava determinada a prova
NiccolòCom as preparações em andamento, eu precisava de um momento de paz. A pressão pesava sobre meus ombros, e, por um instante, eu só queria afastar os pensamentos que giravam na minha cabeça como tempestades. Quando olhei para Martina, ela estava focada, determinada a contribuir. Isso me deixava orgulhoso, mas também preocupado. A vida dela estava em risco, e eu não podia permitir que ela fosse ferida.— Precisamos de um refúgio — disse eu, decidindo que era hora de encontrar um lugar onde pudéssemos nos concentrar um no outro, longe da pressão e do caos. — Um lugar seguro, onde possamos nos conhecer melhor.Ela olhou para mim, um sorriso se formando em seus lábios.— O que você tem em mente?— Conheço um lugar afastado, um antigo chalé da família. É isolado e não muito longe daqui. Lá poderemos relaxar e planejar o que vem a seguir sem distrações.Martina concordou rapidamente, e em pouco tempo, estávamos a caminho do chalé. O carro percorreu estradas sinuosas, cercadas por árvo
MartinaEu me lembro do dia em que tudo começou a desmoronar. Não porque fosse um evento chocante ou extraordinário, mas pela frieza com que o destino selou o meu futuro.- Você vai se casar com ele - meu pai declarou, sua voz autoritária perfurando o silêncio da sala. Aquelas palavras carregavam um peso que esmagava o ar ao meu redor, deixando-me incapaz de respirar. Eu sabia que algo estava errado naquela manhã, mas jamais teria imaginado isso.- Com... quem? - A pergunta escapou dos meus lábios antes que eu pudesse me conter, embora a resposta já estivesse estampada no rosto impassível dele.Ele não precisou dizer o nome. O sobrenome Ruggeri circulava no nosso mundo como um veneno letal. Niccolò Ruggeri, o temido don da máfia italiana, o homem que controlava metade das operações no sul da Itália. Aquele que nunca perdoava. Aquele que ninguém ousava contrariar.Senti meu coração acelerar, minhas mãos suando de leve enquanto tentava assimilar a informação. Eu não posso me casar com e
NiccolòEu a observei do outro lado da mesa enquanto ela mantinha aquela postura desafiadora, quase como uma armadura. A maioria das pessoas tremia ao me encarar, ao saber que estavam diante do don da máfia. Mas não Martina. Ela era diferente. Havia algo nos olhos dela, uma chama que eu não via em mais ninguém. Mesmo que estivesse tentando disfarçar, eu podia sentir o desconforto em cada movimento que ela fazia. Seu corpo estava tenso, e ela mordia levemente o lábio inferior, talvez sem perceber. Era algo que me deixava curioso.Eu tinha visto muitas mulheres como ela antes - filhas de capos, criadas em um mundo de poder e violência, acostumadas a viver como prisioneiras de suas próprias famílias, sempre com um sorriso falso e uma obediência forçada. Mas Martina... Ela não era como as outras. Ela resistia. E essa resistência me fascinava.- Então, - comecei, apoiando o cotovelo na mesa e inclinando-me levemente para frente. - Você vai continuar fingindo que não está desconfortável, ou