Capítulo 3: O Jogo de Poder

Martina

Eu nunca me imaginei na posição em que estava. Sentada ali, naquela vinícola afastada, com Niccolò Ruggeri à minha frente, falando de alianças e poder como se fosse a coisa mais natural do mundo. Ele parecia tão certo de que eu, eventualmente, cederia. Que eu enxergaria as vantagens de estar ao lado dele. E o mais irritante de tudo era que, em um canto obscuro da minha mente, havia uma parte de mim que começava a entender o que ele dizia.

Mas eu ainda não estava pronta para admitir isso. Não para ele. E definitivamente não para mim mesma.

- E o que te faz pensar que eu vou querer esse tipo de poder, Niccolò? - minha voz soou firme, mas o desconforto que eu sentia era inegável. - Eu não sou como você. Nunca quis esse mundo.

Ele me encarou por alguns segundos, os olhos penetrantes, como se estivesse tentando ver além das minhas palavras. Isso me deixava inquieta. A intensidade com que ele me olhava sempre me fazia sentir que ele sabia de algo que eu não sabia. Como se, de alguma forma, ele já tivesse certeza do nosso destino.

- Você é mais como eu do que imagina - disse ele calmamente, pegando a taça de vinho e girando-a levemente. - Você nasceu nesse mundo. Não importa o quanto tente lutar contra isso, Martina, é quem você é. Parte de você já sabe disso. O que você ainda não percebeu é que não precisa se sentir como uma prisioneira. Pode ser muito mais do que isso.

- E o que exatamente eu sou, segundo você? - perguntei, cruzando os braços e me inclinando para trás na cadeira. Eu estava cansada dessas conversas cheias de subentendidos.

Ele sorriu de lado, como se minha irritação o divertisse.

- Você é filha de um capo - ele começou, a voz baixa e firme. - Cresceu cercada por poder, violência, e decisões difíceis. Você sabe o que significa fazer sacrifícios, mesmo que não tenha gostado disso. E agora, você tem a chance de estar ao lado de alguém que entende exatamente o que isso significa. Você pode ser muito mais do que apenas a filha de um capo. Você pode ser uma rainha.

Eu ri, sem humor, e balancei a cabeça. Ele estava falando como se a vida dentro da máfia fosse algum tipo de conto de fadas distorcido. Como se ser uma rainha da máfia fosse algo que qualquer pessoa em sã consciência desejaria.

- E que tipo de "rainha" eu seria? - perguntei, sarcástica. - Uma rainha sem escolhas? Sem liberdade? Você está me oferecendo um título vazio, Niccolò. Nada mais.

- Não é um título vazio - ele respondeu, com seriedade na voz agora. - O que estou te oferecendo é poder real. Você teria voz em tudo. Não seria apenas minha esposa, seria minha parceira. Nós dois, governando juntos.

Havia uma honestidade crua nas palavras dele, algo que fez meu coração acelerar por um segundo. Mas eu me recusei a deixar essa sensação me dominar. Eu não podia ceder tão facilmente.

- Você acha que sabe quem eu sou, mas está enganado - repliquei, apertando as mãos no colo. - Eu não quero esse poder. Não quero governar. Só quero viver minha vida sem ser obrigada a fazer parte desse jogo sujo.

Ele suspirou, como se estivesse cansado de explicar algo tão óbvio para mim.

- Se realmente acreditasse nisso, não estaria aqui agora, discutindo comigo. Você poderia ter fugido, poderia ter lutado mais contra esse casamento. Mas não fez isso. Você está aqui porque sabe, em algum nível, que não há escapatória. E mais do que isso, porque parte de você quer entender o que eu estou oferecendo.

Aquelas palavras me atingiram com força. Eu abri a boca para retrucar, mas não encontrei nada que pudesse ser dito. Ele estava certo? Será que, no fundo, eu realmente queria isso? Não... Eu estava apenas tentando sobreviver, certo? Fazendo o que precisava para me proteger. Mas por que, então, eu não conseguia parar de pensar no que ele dizia? No poder. Na aliança.

Eu respirei fundo, tentando manter a compostura.

- Você é bom em manipular as pessoas, Niccolò. Eu dou isso a você - disse, com um sorriso tenso. - Mas eu não sou uma peça no seu tabuleiro.

Ele riu suavemente.

- Não estou tentando te manipular, Martina. Estou apenas sendo honesto. Eu sei como as coisas funcionam nesse mundo. E, mais cedo ou mais tarde, você também vai saber.

Houve um silêncio tenso entre nós. Ele me observava, e eu sentia como se estivesse sob um microscópio, cada pensamento e reação sendo dissecados por aquele olhar implacável. Meus dedos se apertaram no tecido da cadeira, e eu desviei o olhar, sentindo uma raiva crescer dentro de mim. Não raiva de Niccolò, mas de mim mesma, por estar tão afetada pelas palavras dele.

Eu sabia que ele estava certo em partes. Fugir? Não era uma opção. Nunca fora. Desde que nasci, fui envolvida nesse jogo de poder e lealdade. Meu pai me criou para seguir as tradições, para ser leal à família acima de tudo. E Niccolò sabia disso. Ele sabia que minha resistência era mais um reflexo de frustração do que de verdadeira convicção.

- Por que você quer tanto isso? - perguntei, subitamente, encarando-o de novo. - Por que quer que eu seja sua parceira? Poderia ter qualquer outra pessoa. Alguém mais disposta. Por que eu?

Ele se inclinou para frente, os olhos focados nos meus. A intensidade dele me fazia querer desviar o olhar, mas me forcei a manter o contato.

- Porque você é forte. - Ele falou, com uma calma que me desarmou. - E porque você é a única que pode entender o que isso significa.

Minha respiração ficou presa na garganta. Aquele não era o tipo de resposta que eu esperava. Eu achava que ele diria algo sobre controle, sobre estratégias de poder. Mas havia algo mais profundo naquelas palavras, algo que eu não estava preparada para enfrentar.

Antes que eu pudesse responder, o celular dele vibrou sobre a mesa. Ele olhou a tela rapidamente, e o rosto dele se fechou. Aquela expressão controlada, implacável, voltou num instante. Ele se levantou, guardando o celular no bolso do terno.

- Temos que ir. - A voz dele estava dura, como se o momento entre nós tivesse sido cortado abruptamente.

- O que aconteceu? - perguntei, sentindo uma onda de preocupação se formar em meu estômago.

Ele olhou para mim, os olhos agora frios, focados em algo além de nós.

- Alguém acabou de cruzar uma linha que não deveria. Vamos resolver isso.

Eu me levantei, surpresa com a urgência na voz dele. Senti o peso da situação mudar rapidamente, de uma conversa tensa para algo mais sombrio. Ao sair da vinícola, ele me conduziu para o carro com firmeza, sem uma palavra.

Quando estávamos no carro, a tensão entre nós havia mudado completamente. Eu não sabia o que esperar, mas sentia que, qualquer que fosse o próximo movimento, ele nos puxaria ainda mais para o coração da escuridão daquele mundo.

**

Enquanto dirigíamos de volta para a cidade, o silêncio entre nós era denso. Niccolò estava focado, as mãos apertando o volante com força. Eu podia sentir a mudança no ar. Algo estava prestes a acontecer, e, pela primeira vez, senti que minha resistência inicial poderia não ser suficiente para lidar com o que viria a seguir.

Eu tinha que me preparar.

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