Capítulo 2: A Resistência

Niccolò

Eu a observei do outro lado da mesa enquanto ela mantinha aquela postura desafiadora, quase como uma armadura. A maioria das pessoas tremia ao me encarar, ao saber que estavam diante do don da máfia. Mas não Martina. Ela era diferente. Havia algo nos olhos dela, uma chama que eu não via em mais ninguém. Mesmo que estivesse tentando disfarçar, eu podia sentir o desconforto em cada movimento que ela fazia. Seu corpo estava tenso, e ela mordia levemente o lábio inferior, talvez sem perceber. Era algo que me deixava curioso.

Eu tinha visto muitas mulheres como ela antes - filhas de capos, criadas em um mundo de poder e violência, acostumadas a viver como prisioneiras de suas próprias famílias, sempre com um sorriso falso e uma obediência forçada. Mas Martina... Ela não era como as outras. Ela resistia. E essa resistência me fascinava.

- Então, - comecei, apoiando o cotovelo na mesa e inclinando-me levemente para frente. - Você vai continuar fingindo que não está desconfortável, ou vai admitir que está morrendo de vontade de sair daqui?

Ela piscou, surpresa com minha abordagem direta. Foi sutil, mas vi o leve enrugar de sua testa e a forma como seus lábios se comprimiram antes de responder.

- Eu não estou desconfortável - disse ela com firmeza, os olhos se estreitando como se me desafiasse a questionar sua palavra.

Eu sorri, apreciando o jogo. Era uma mentira, é claro. Eu podia ver claramente que ela estava. Mas a questão não era fazê-la admitir, e sim vê-la lutar. A resistência dela, a necessidade de manter controle sobre si mesma, era o que me atraía. Ela achava que podia me enfrentar, e isso me fazia querer prová-la errada.

- Ah, entendo - comentei casualmente, pegando minha taça de vinho e girando o líquido suavemente. - Então talvez seja o ambiente que te incomoda, não eu.

Ela respirou fundo, e eu vi seus dedos se apertarem levemente sobre o braço da cadeira.

- Não preciso gostar do ambiente - ela respondeu friamente. - Só preciso tolerá-lo.

Houve uma pausa enquanto eu absorvia sua resposta. Tolerar. Aquela palavra ecoou na minha mente. Ela achava que podia apenas me tolerar? Que este casamento seria algo que ela pudesse ignorar ou suportar até que acabasse? Eu não seria tolerado. Eu seria muito mais do que isso na vida dela.

- Você acha que é só isso que vamos ter, Martina? - perguntei, minha voz baixa e controlada. - Uma convivência forçada? Tolerância? Eu espero muito mais de você do que isso.

Ela ergueu uma sobrancelha, o olhar cheio de uma combinação de raiva e incredulidade.

- E o que exatamente você espera de mim, Niccolò? Que eu aceite esse casamento como se fosse algum tipo de bênção? Que eu esteja agradecida por ser usada como moeda de troca em um acordo entre famílias?

Meu sorriso desapareceu. Ela estava jogando duro, mais do que eu esperava. Mas eu não me deixava abater facilmente.

- Eu não espero que você seja grata. - Coloquei a taça de vinho na mesa com um leve estalo. - Mas espero que você entenda que, neste mundo, ninguém é dono do próprio destino. Nem mesmo eu. Todos nós fazemos o que temos que fazer para sobreviver. E você, Martina, vai aprender isso.

Ela me encarou por um longo momento, os olhos brilhando com desafio. Eu sabia que ela não iria ceder tão facilmente. Na verdade, eu contava com isso. Ela era brava, orgulhosa, e não sabia como jogar esse jogo. Ainda não.

- Eu não pedi por isso, Niccolò - disse ela, a voz mais suave agora, mas ainda firme. - Eu não pedi por essa vida.

- Nenhum de nós pediu. - Levantei-me da cadeira, caminhando lentamente até o final da mesa, onde ela estava. Pude ver a forma como ela endureceu quando me aproximei, mas ela não recuou. - Mas isso não muda o fato de que é a vida que temos. Você pode lutar contra isso o quanto quiser, mas, no final, vai perceber que essa luta é inútil.

Eu estava ao lado dela agora, observando a forma como ela evitava me encarar diretamente, embora estivesse claramente ciente da minha presença. Inclinando-me para perto, sussurrei com calma:

- Eventualmente, você vai entender que somos muito parecidos, Martina. Muito mais do que você imagina.

Ela virou o rosto, me encarando com aqueles olhos desafiadores novamente.

- Eu nunca serei como você.

Eu dei um passo para trás, rindo baixinho. Ela ainda não entendia, e isso era bom. Significava que o jogo estava apenas começando.

- Veremos - murmurei antes de me afastar e voltar ao meu lugar.

***

Depois daquele jantar, fiquei pensando nela por mais tempo do que gostaria de admitir. A maioria das mulheres que passaram pela minha vida - por escolha ou obrigação - nunca me intrigaram tanto quanto Martina Conti. A resistência dela, a vontade de lutar contra seu destino, me fazia querer quebrar suas defesas. Não para destruí-la, mas para mostrá-la que, no final, ela não precisaria lutar sozinha.

Mas essa conquista não seria simples.

Eu passei os dias seguintes organizando meus negócios, lidando com problemas que surgiam a cada momento, como sempre acontecia no mundo em que eu vivia. Rivais tentando tomar pedaços do meu império, traidores escondidos entre meus aliados... tudo parte da rotina de ser o don. No entanto, em cada decisão que eu tomava, uma parte da minha mente sempre retornava à figura de Martina. Àquela noite.

Eu sabia que precisaria de uma abordagem diferente com ela. Forçá-la a aceitar o nosso casamento pelo medo ou pela manipulação não era o que eu queria. Não funcionaria. Ela era uma mulher com fogo nos olhos e precisava ser conquistada de uma maneira que respeitasse esse espírito. Porque, no fundo, eu sabia que queria muito mais do que apenas uma esposa obediente ao meu lado.

Eu a queria como minha parceira. Minha igual.

Foi assim que comecei a planejar. Eu precisava mostrar a ela que nosso casamento não precisava ser uma sentença de prisão, mas uma aliança. Que ela teria mais poder ao meu lado do que jamais teria sozinha.

E eu estava disposto a fazer o que fosse necessário para que ela percebesse isso.

***

Alguns dias depois, marquei outro encontro. Desta vez, não seria na mansão Ruggeri. Eu a convidaria para um lugar diferente, algo menos intimidante, mas ainda assim dentro do meu controle. Um lugar onde ela pudesse baixar a guarda, mesmo que por pouco tempo.

Quando ela chegou ao local - uma pequena vinícola nas colinas, longe da cidade -, percebi que a escolha havia sido acertada. Ela estava mais relaxada, pelo menos no início. Talvez pensasse que, fora do ambiente rígido da minha casa, teria mais espaço para respirar. Mas eu sabia que ela ainda estava me estudando, tentando entender minhas intenções.

- Que surpresa - ela disse ao descer do carro, olhando ao redor. - Achei que você só soubesse lidar com mansões e negócios sujos.

Eu sorri, caminhando até ela.

- Eu também aprecio a beleza, Martina. Nem tudo é sobre poder e violência.

Ela riu, um som curto e sem humor.

- Claro. Dificilmente consigo imaginar isso em você.

Eu a ignorei e a guiei para dentro da vinícola, onde nos sentamos em uma mesa reservada, cercada por videiras e uma vista deslumbrante das colinas italianas. O clima era diferente do nosso primeiro encontro, mas eu ainda podia sentir a tensão entre nós. Ela estava mais confortável, mas não o suficiente para baixar completamente a guarda.

- Então, por que estamos aqui? - ela perguntou, apoiando os cotovelos na mesa e me encarando diretamente, sem rodeios. - Qual é o jogo dessa vez, Niccolò?

Eu tomei um gole do vinho antes de responder.

- Sem jogos. Quero que você veja que há mais entre nós do que apenas um acordo entre famílias.

Ela arqueou uma sobrancelha, obviamente cética.

- Mais? Como o quê? Um casamento por conveniência e uma vida de obediência?

- Uma aliança - corrigi, mantendo minha voz firme. - Eu não quero apenas uma esposa, Martina. Quero alguém que esteja ao meu lado, que entenda o que estamos construindo juntos. E eu sei que você é capaz disso.

Ela recuou um pouco, surpresa com minhas palavras. Não acho que esperava que eu dissesse algo assim.

- E você acha que eu vou aceitar isso assim tão fácil? - Ela cruzou os braços, me encarando com desdém. - Você acha que, só porque você quer, eu vou concordar com essa aliança?

Eu a olhei por um longo momento, percebendo que conquistar sua confiança seria mais difícil do que eu pensava. Mas, ao mesmo tempo, algo dentro de mim me dizia que essa luta valeria a pena.

- Não, Martina. Eu sei que vai levar tempo. Mas no final, você verá que não há outro caminho.

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