Niccolò
Eu a observei do outro lado da mesa enquanto ela mantinha aquela postura desafiadora, quase como uma armadura. A maioria das pessoas tremia ao me encarar, ao saber que estavam diante do don da máfia. Mas não Martina. Ela era diferente. Havia algo nos olhos dela, uma chama que eu não via em mais ninguém. Mesmo que estivesse tentando disfarçar, eu podia sentir o desconforto em cada movimento que ela fazia. Seu corpo estava tenso, e ela mordia levemente o lábio inferior, talvez sem perceber. Era algo que me deixava curioso. Eu tinha visto muitas mulheres como ela antes - filhas de capos, criadas em um mundo de poder e violência, acostumadas a viver como prisioneiras de suas próprias famílias, sempre com um sorriso falso e uma obediência forçada. Mas Martina... Ela não era como as outras. Ela resistia. E essa resistência me fascinava. - Então, - comecei, apoiando o cotovelo na mesa e inclinando-me levemente para frente. - Você vai continuar fingindo que não está desconfortável, ou vai admitir que está morrendo de vontade de sair daqui? Ela piscou, surpresa com minha abordagem direta. Foi sutil, mas vi o leve enrugar de sua testa e a forma como seus lábios se comprimiram antes de responder. - Eu não estou desconfortável - disse ela com firmeza, os olhos se estreitando como se me desafiasse a questionar sua palavra. Eu sorri, apreciando o jogo. Era uma mentira, é claro. Eu podia ver claramente que ela estava. Mas a questão não era fazê-la admitir, e sim vê-la lutar. A resistência dela, a necessidade de manter controle sobre si mesma, era o que me atraía. Ela achava que podia me enfrentar, e isso me fazia querer prová-la errada. - Ah, entendo - comentei casualmente, pegando minha taça de vinho e girando o líquido suavemente. - Então talvez seja o ambiente que te incomoda, não eu. Ela respirou fundo, e eu vi seus dedos se apertarem levemente sobre o braço da cadeira. - Não preciso gostar do ambiente - ela respondeu friamente. - Só preciso tolerá-lo. Houve uma pausa enquanto eu absorvia sua resposta. Tolerar. Aquela palavra ecoou na minha mente. Ela achava que podia apenas me tolerar? Que este casamento seria algo que ela pudesse ignorar ou suportar até que acabasse? Eu não seria tolerado. Eu seria muito mais do que isso na vida dela. - Você acha que é só isso que vamos ter, Martina? - perguntei, minha voz baixa e controlada. - Uma convivência forçada? Tolerância? Eu espero muito mais de você do que isso. Ela ergueu uma sobrancelha, o olhar cheio de uma combinação de raiva e incredulidade. - E o que exatamente você espera de mim, Niccolò? Que eu aceite esse casamento como se fosse algum tipo de bênção? Que eu esteja agradecida por ser usada como moeda de troca em um acordo entre famílias? Meu sorriso desapareceu. Ela estava jogando duro, mais do que eu esperava. Mas eu não me deixava abater facilmente. - Eu não espero que você seja grata. - Coloquei a taça de vinho na mesa com um leve estalo. - Mas espero que você entenda que, neste mundo, ninguém é dono do próprio destino. Nem mesmo eu. Todos nós fazemos o que temos que fazer para sobreviver. E você, Martina, vai aprender isso. Ela me encarou por um longo momento, os olhos brilhando com desafio. Eu sabia que ela não iria ceder tão facilmente. Na verdade, eu contava com isso. Ela era brava, orgulhosa, e não sabia como jogar esse jogo. Ainda não. - Eu não pedi por isso, Niccolò - disse ela, a voz mais suave agora, mas ainda firme. - Eu não pedi por essa vida. - Nenhum de nós pediu. - Levantei-me da cadeira, caminhando lentamente até o final da mesa, onde ela estava. Pude ver a forma como ela endureceu quando me aproximei, mas ela não recuou. - Mas isso não muda o fato de que é a vida que temos. Você pode lutar contra isso o quanto quiser, mas, no final, vai perceber que essa luta é inútil. Eu estava ao lado dela agora, observando a forma como ela evitava me encarar diretamente, embora estivesse claramente ciente da minha presença. Inclinando-me para perto, sussurrei com calma: - Eventualmente, você vai entender que somos muito parecidos, Martina. Muito mais do que você imagina. Ela virou o rosto, me encarando com aqueles olhos desafiadores novamente. - Eu nunca serei como você. Eu dei um passo para trás, rindo baixinho. Ela ainda não entendia, e isso era bom. Significava que o jogo estava apenas começando. - Veremos - murmurei antes de me afastar e voltar ao meu lugar. *** Depois daquele jantar, fiquei pensando nela por mais tempo do que gostaria de admitir. A maioria das mulheres que passaram pela minha vida - por escolha ou obrigação - nunca me intrigaram tanto quanto Martina Conti. A resistência dela, a vontade de lutar contra seu destino, me fazia querer quebrar suas defesas. Não para destruí-la, mas para mostrá-la que, no final, ela não precisaria lutar sozinha. Mas essa conquista não seria simples. Eu passei os dias seguintes organizando meus negócios, lidando com problemas que surgiam a cada momento, como sempre acontecia no mundo em que eu vivia. Rivais tentando tomar pedaços do meu império, traidores escondidos entre meus aliados... tudo parte da rotina de ser o don. No entanto, em cada decisão que eu tomava, uma parte da minha mente sempre retornava à figura de Martina. Àquela noite. Eu sabia que precisaria de uma abordagem diferente com ela. Forçá-la a aceitar o nosso casamento pelo medo ou pela manipulação não era o que eu queria. Não funcionaria. Ela era uma mulher com fogo nos olhos e precisava ser conquistada de uma maneira que respeitasse esse espírito. Porque, no fundo, eu sabia que queria muito mais do que apenas uma esposa obediente ao meu lado. Eu a queria como minha parceira. Minha igual. Foi assim que comecei a planejar. Eu precisava mostrar a ela que nosso casamento não precisava ser uma sentença de prisão, mas uma aliança. Que ela teria mais poder ao meu lado do que jamais teria sozinha. E eu estava disposto a fazer o que fosse necessário para que ela percebesse isso. *** Alguns dias depois, marquei outro encontro. Desta vez, não seria na mansão Ruggeri. Eu a convidaria para um lugar diferente, algo menos intimidante, mas ainda assim dentro do meu controle. Um lugar onde ela pudesse baixar a guarda, mesmo que por pouco tempo. Quando ela chegou ao local - uma pequena vinícola nas colinas, longe da cidade -, percebi que a escolha havia sido acertada. Ela estava mais relaxada, pelo menos no início. Talvez pensasse que, fora do ambiente rígido da minha casa, teria mais espaço para respirar. Mas eu sabia que ela ainda estava me estudando, tentando entender minhas intenções. - Que surpresa - ela disse ao descer do carro, olhando ao redor. - Achei que você só soubesse lidar com mansões e negócios sujos. Eu sorri, caminhando até ela. - Eu também aprecio a beleza, Martina. Nem tudo é sobre poder e violência. Ela riu, um som curto e sem humor. - Claro. Dificilmente consigo imaginar isso em você. Eu a ignorei e a guiei para dentro da vinícola, onde nos sentamos em uma mesa reservada, cercada por videiras e uma vista deslumbrante das colinas italianas. O clima era diferente do nosso primeiro encontro, mas eu ainda podia sentir a tensão entre nós. Ela estava mais confortável, mas não o suficiente para baixar completamente a guarda. - Então, por que estamos aqui? - ela perguntou, apoiando os cotovelos na mesa e me encarando diretamente, sem rodeios. - Qual é o jogo dessa vez, Niccolò? Eu tomei um gole do vinho antes de responder. - Sem jogos. Quero que você veja que há mais entre nós do que apenas um acordo entre famílias. Ela arqueou uma sobrancelha, obviamente cética. - Mais? Como o quê? Um casamento por conveniência e uma vida de obediência? - Uma aliança - corrigi, mantendo minha voz firme. - Eu não quero apenas uma esposa, Martina. Quero alguém que esteja ao meu lado, que entenda o que estamos construindo juntos. E eu sei que você é capaz disso. Ela recuou um pouco, surpresa com minhas palavras. Não acho que esperava que eu dissesse algo assim. - E você acha que eu vou aceitar isso assim tão fácil? - Ela cruzou os braços, me encarando com desdém. - Você acha que, só porque você quer, eu vou concordar com essa aliança? Eu a olhei por um longo momento, percebendo que conquistar sua confiança seria mais difícil do que eu pensava. Mas, ao mesmo tempo, algo dentro de mim me dizia que essa luta valeria a pena. - Não, Martina. Eu sei que vai levar tempo. Mas no final, você verá que não há outro caminho.MartinaEu nunca me imaginei na posição em que estava. Sentada ali, naquela vinícola afastada, com Niccolò Ruggeri à minha frente, falando de alianças e poder como se fosse a coisa mais natural do mundo. Ele parecia tão certo de que eu, eventualmente, cederia. Que eu enxergaria as vantagens de estar ao lado dele. E o mais irritante de tudo era que, em um canto obscuro da minha mente, havia uma parte de mim que começava a entender o que ele dizia.Mas eu ainda não estava pronta para admitir isso. Não para ele. E definitivamente não para mim mesma.- E o que te faz pensar que eu vou querer esse tipo de poder, Niccolò? - minha voz soou firme, mas o desconforto que eu sentia era inegável. - Eu não sou como você. Nunca quis esse mundo.Ele me encarou por alguns segundos, os olhos penetrantes, como se estivesse tentando ver além das minhas palavras. Isso me deixava inquieta. A intensidade com que ele me olhava sempre me fazia sentir que ele sabia de algo que eu não sabia. Como se, de alguma
NiccolòA noite estava carregada de tensão quando saímos da vinícola. O que começou como uma tentativa de fazer Martina enxergar o futuro que poderia ter ao meu lado se transformou em uma virada brusca nos eventos que eu não podia ignorar. Não agora. Eu ainda sentia as palavras dela ecoando na minha mente, a resistência implacável que ela exibia e a raiva mal contida em sua voz. Mas o que estava por vir exigia minha atenção imediata.— O que está acontecendo? — Martina perguntou, a voz firme, mas com uma leve hesitação.Eu olhei para ela de relance enquanto dirigia pelas estradas estreitas. A luz dos faróis refletia em seu rosto, mostrando a inquietação nos olhos. Ela era perspicaz o bastante para perceber que algo grave havia surgido, mas ainda não entendia completamente o quão perigoso era.— Um dos meus rivais cometeu um erro — respondi com um tom controlado, mantendo a concentração na estrada. — Algo que precisa ser resolvido antes que se torne um problema maior.Ela ficou em silê
MartinaAs ruas de Milão passavam como borrões à minha volta, mas minha mente estava a milhares de quilômetros de distância. As luzes da cidade, que normalmente me traziam uma sensação de familiaridade, agora pareciam diferentes, carregadas de um peso que eu não sabia descrever. Eu não conseguia tirar da cabeça o que havia acabado de presenciar. As palavras de Niccolò, suas ações, a violência fria com a qual ele lidava com seus inimigos.Eu sempre soube que meu pai estava envolvido nesse mundo, mas havia uma diferença imensa entre saber de algo e vivê-lo em primeira mão. Ver com meus próprios olhos como os homens da máfia resolviam suas diferenças era outra coisa completamente. Meu corpo ainda estava tenso, cada músculo preparado para uma luta ou fuga que nunca veio. Eu me sentia pequena, sufocada.Niccolò estava ao meu lado, dirigindo em silêncio, e mesmo que ele parecesse completamente à vontade, eu podia sentir a intensidade que emanava dele. Ele não havia dito uma palavra desde qu
NiccolòO olhar de Martina estava fixo em mim, um misto de curiosidade e desafio. Eu sabia que o que estava prestes a compartilhar não apenas revelaria quem eu realmente era, mas também moldaria o futuro que planejávamos juntos. Era hora de abrir as portas do meu passado, mesmo que isso significasse expor as fraquezas que eu cuidadosamente mantive ocultas.— Antes de tudo isso — comecei, tentando encontrar as palavras certas —, eu era apenas um garoto comum, de uma família comum. Mas a vida nunca é tão simples, não é? Meu pai sempre foi um homem de honra, respeitado, mas envolvido em coisas que eu não entendia completamente até mais tarde. Ele me ensinou sobre o poder, o respeito e, acima de tudo, sobre a lealdade.Martina me ouviu atentamente, seus olhos brilhando com uma mistura de compaixão e apreensão. Havia uma conexão entre nós que crescia a cada momento que compartilhávamos.— O que aconteceu? — ela perguntou, a voz baixa, quase como um sussurro.Respirei fundo, lembrando dos d
MartinaA tensão pairava no ar como um manto pesado. O aviso sobre os Rivelli ecoava em minha mente. O mundo em que eu estava me metendo não era apenas um jogo de poder; era uma questão de sobrevivência. Eu olhei para Niccolò, sua determinação brilhando em seus olhos, mas também vi a sombra da preocupação que o envolvia. Ele sabia que o que estava por vir era sério, e eu não podia me dar ao luxo de ser uma observadora. Precisava estar ao lado dele, mesmo que isso significasse enfrentar meus próprios medos.— O que vamos fazer? — perguntei, tentando manter a voz firme, apesar da inquietação que crescia dentro de mim.Ele respirou fundo, a mandíbula cerrada.— Precisamos reunir nossos aliados e nos preparar. Os Rivelli não vão atacar sem razão; eles têm um objetivo em mente. E eu não vou deixar que eles coloquem você em perigo.Eu sabia que ele estava preocupado, mas não queria ser vista como alguém que precisava ser protegida. Eu era mais forte do que isso, e estava determinada a prova
NiccolòCom as preparações em andamento, eu precisava de um momento de paz. A pressão pesava sobre meus ombros, e, por um instante, eu só queria afastar os pensamentos que giravam na minha cabeça como tempestades. Quando olhei para Martina, ela estava focada, determinada a contribuir. Isso me deixava orgulhoso, mas também preocupado. A vida dela estava em risco, e eu não podia permitir que ela fosse ferida.— Precisamos de um refúgio — disse eu, decidindo que era hora de encontrar um lugar onde pudéssemos nos concentrar um no outro, longe da pressão e do caos. — Um lugar seguro, onde possamos nos conhecer melhor.Ela olhou para mim, um sorriso se formando em seus lábios.— O que você tem em mente?— Conheço um lugar afastado, um antigo chalé da família. É isolado e não muito longe daqui. Lá poderemos relaxar e planejar o que vem a seguir sem distrações.Martina concordou rapidamente, e em pouco tempo, estávamos a caminho do chalé. O carro percorreu estradas sinuosas, cercadas por árvo
MartinaEu me lembro do dia em que tudo começou a desmoronar. Não porque fosse um evento chocante ou extraordinário, mas pela frieza com que o destino selou o meu futuro.- Você vai se casar com ele - meu pai declarou, sua voz autoritária perfurando o silêncio da sala. Aquelas palavras carregavam um peso que esmagava o ar ao meu redor, deixando-me incapaz de respirar. Eu sabia que algo estava errado naquela manhã, mas jamais teria imaginado isso.- Com... quem? - A pergunta escapou dos meus lábios antes que eu pudesse me conter, embora a resposta já estivesse estampada no rosto impassível dele.Ele não precisou dizer o nome. O sobrenome Ruggeri circulava no nosso mundo como um veneno letal. Niccolò Ruggeri, o temido don da máfia italiana, o homem que controlava metade das operações no sul da Itália. Aquele que nunca perdoava. Aquele que ninguém ousava contrariar.Senti meu coração acelerar, minhas mãos suando de leve enquanto tentava assimilar a informação. Eu não posso me casar com e