Arthur Bernard Nunca pensei que um dia minha vida daria uma guinada tão abrupta. Estava sentado na sala, sozinho, com a cabeça a mil, quando o interfone tocou. Atendi sem muito interesse, mas as palavras do porteiro me fizeram gelar. — Senhor Arthur… há uma mulher aqui da assistência social. Ela está com um bebê. Disse que é importante. Senti o corpo gelar. Algo dentro de mim dizia que aquilo não era apenas uma coincidência. Desci apressado, coração acelerado e mãos trêmulas. Assim que vi a assistente social, já soube. — O senhor é Arthur Bernard? — ela perguntou, segurando uma criança enrolada num cobertor azul. — Sou eu… o que está acontecendo? — A mãe da criança… Liliane. Ela deixou uma carta no hospital e nomeou o senhor como responsável legal. Depois… desapareceu. O mundo pareceu parar. Meus pés fincaram no chão como se eu estivesse preso ali. Um bebê. Um bebê que eu sabia… era meu. Não precisava de exame nenhum. Liliane havia dito uma vez, entre lágrimas e promessas queb
Arthur Bernard Augustus passou a dormir lá com frequência. Se oferecia para cuidar de Lucas durante a noite, me deixando descansar algumas horas a mais. Ele ainda era um jovem tentando entender o próprio lugar no mundo, mas com Lucas nos braços, ele parecia ter encontrado um propósito. Algo maior que ele mesmo. — Ele gosta do meu colo — Augustus disse uma noite, com um sorriso bobo enquanto balançava Lucas suavemente. — Ou eu sou muito bom nisso, ou ele me reconhece como irmão. Sorri, observando os dois. Era estranho — e ao mesmo tempo lindo — ver meu filho mais velho assumindo com tanta naturalidade o papel de irmão mais velho. Às vezes, ele se pegava falando com Lucas como se o bebê pudesse entender tudo: — Você ainda vai saber tudo sobre mim, sabia? E eu também vou saber tudo sobre você. Vamos crescer juntos, de um jeito meio torto, mas vamos. Enquanto isso, eu tentava organizar as coisas: documentos, agenda com o advogado, exames, e principalmente meu emocional. Havia n
Liliane Não foi fácil deixá-lo. Claro que não. Ver aquele bebê dormindo no berço, com as mãozinhas tão pequenas e frágeis… me rasgou por dentro. Mas eu precisava pensar no que realmente importava naquele momento: o Vittorio. Tudo o que eu fiz até agora foi por ele. Desde o começo, desde que me apaixonei. E por mais que as coisas tenham saído do controle, eu sei que ainda posso recuperá-lo. Só preciso tirar do caminho tudo aquilo que nos separa — inclusive esse bebê. Ter o filho do Arthur em meus braços só me fazia lembrar do erro que cometi. De tudo que coloquei a perder. E eu não podia mais viver presa àquela culpa. Não quando ainda existia a chance de ter o Vittorio de volta. De reconstruir nossa história. Foi por isso que deixei o bebê para trás. Porque com ele, eu nunca conseguiria seguir em frente. Nunca conseguiria convencer o Vittorio de que podemos ser felizes juntos. Eu precisava estar leve. Limpa. Livre do passado. Arthur que fique com o menino, se quiser. Ele sempre f
Heloísa MouraHoje amanheceu bem mais iluminado. Juro que parecia que até o céu acordou em festa — um azul tão claro que dava até para sentir o calor de Deus sorrindo lá de cima. Ainda deitada, com os olhos fechados, respirei fundo. O coração batia mais rápido do que de costume, não de medo, mas de uma felicidade que eu nem sabia que cabia inteira dentro de mim.Hoje é o dia. O nosso dia.Abri os olhos devagar, tentando absorver cada detalhe: o cheiro de lavanda no ar, o barulho suave do vento entrando pela janela, o riso abafado de alguma das minhas madrinhas na cozinha. É tudo real. Eu vou me casar com Vittorio.Levantei devagar, sentindo o piso gelado sob os pés e agradecendo pela pausa silenciosa do mundo, como se o universo tivesse parado só um segundo para me deixar viver isso com calma. Olhei no espelho e vi uma versão de mim mesma que eu nunca tinha visto antes — com olhos brilhando de promessa, de certeza. De amor.As meninas invadiram o quarto com gritos suaves de alegria, a
Vittorio BianchiCinco anos antes…Minha vida está ligada à família Moura desde que me entendo por gente. Meus pais e os pais do Hugo eram amigos, e fomos criados como irmãos, já que nenhum de nós teve irmãos de sangue.Embora eu seja cinco anos mais novo que o Hugo, sempre tivemos uma ligação forte. Após a morte dos nossos pais, essa conexão se fortaleceu ainda mais. Ele se apaixonou por Ava, casaram-se, e trouxeram ao mundo a pequena Heloísa. Ela é linda. Desde que aprendeu a andar, vive colada a mim.Hoje é seu aniversário de 15 anos. Entre tantos garotos da sua idade, ela me pediu para ser o príncipe de sua valsa. Fiquei honrado — nunca imaginaria que, tê-la em meus braços, dançando, pudesse me abalar daquela forma.A música começa, e eu estendo a mão para ela. Heloísa sorri, seus olhos brilhando sob as luzes do salão. Sua mão pequena e delicada encontra a minha, e eu a puxo suavemente para mais perto. Começamos a dançar.Os passos fluem com naturalidade, como se já tivéssemos feit
Heloísa MouraDesde aquela noite no jardim, algo dentro de mim se partiu.Ele não me beijou. Não como eu queria. Me deu um beijo na face, com aquele toque cuidadoso de sempre, e me disse que eu era uma criança. Que ele tinha idade para ser meu pai.Mas ele não é meu pai.E aquilo doeu mais do que qualquer tapa, mais do que qualquer palavra fria poderia doer.Fiquei ali, sozinha, sentindo o peso do silêncio e do vazio. O vestido azul ainda brilhava sob a luz da piscina, mas dentro de mim, tudo estava escuro. Eu tinha criado coragem, tinha dado um passo. E ele recuou.Desde então, Vittorio tem evitado até me olhar nos olhos. Quando vem à nossa casa, mal permanece por mais de alguns minutos. Sempre tem um compromisso, um telefonema, qualquer desculpa para fugir. E a cada vez que ele faz isso, algo em mim grita.Mas eu não vou desistir.Não sou mais uma menininha de tranças e joelhos ralados. Ele precisa ver isso. Ele precisa me enxergar como eu sou agora — como mulher.No domingo, temos o
Vittorio BianchiNão entendo o que se passa na cabeça dessa garota. Sei apenas que ela está brincando com fogo — e o pior é que sou eu quem está prestes a queimar.Vejo Hugo e os demais indo para a sala enquanto os empregados retiram os pratos da mesa. Pelo canto do olho, percebo Heloísa deslizando silenciosamente pelos fundos da casa. Meu corpo reage antes da minha razão: dou um passo, depois outro, até a seguir.Desde quando ela se tornou essa mulher? Tão segura, tão certa do que quer — e tão imprudente?— Vittorio? — Ela se vira e me encontra. Me amaldiçoo por dentro. Estou aqui. De novo. Envolvido nesse laço invisível que ela insiste em puxar.— Heloísa, precisamos conversar. Você tem que esquecer o que pensa que sente por mim. Ela ergue o queixo com a audácia de quem sabe exatamente o que faz.— Não fuja, tio. Sei o que senti e sei que você sentiu também, quando me beijou, mesmo que tenha sido apenas um beijo em minha face.Engulo em seco. Minhas defesas estão caindo rápido demai
Vittorio BianchiAtualmente...Não havia um só dia em que Heloisa não invadisse meus pensamentos. Por mais que eu me esforçasse para esquecê-la, as noites tornavam-se refúgios de tentativas vazias — encontros sem sentido, rostos esquecíveis, momentos que não deixavam marcas. Nenhuma delas era ela. Nenhuma apagava o gosto do beijo proibido, nem o peso da culpa que carregava.Vasculhei redes sociais em vão. Nenhuma pista, nenhuma foto. Era como se tivesse evaporado do mundo digital, tornando-se apenas uma lembrança persistente.O toque do celular interrompeu minha tormenta. Era Hugo.— Hugo, isso é uma surpresa — atendi, tentando soar casual. — A que devo a honra?— Vim te fazer um convite — disse ele, animado. — Heloisa terminou o curso de sommelier e foi a primeira da turma. Estou muito orgulhoso da minha menina.O nome dela caiu como um raio no meio da tarde calma. Meu peito apertou, a respiração falhou por um segundo.— Meus parabéns a ela — respondi, forçando neutralidade. — Mas não