Três semanas se passaram desde aquela noite.
Não me lembro de muita coisa após o toque da campainha. Apenas dos vizinhos, do falatório ao meu redor, das sirenes… Quando realmente despertei, após algumas horas ou dias, já estava no hospital. Sobrevivi, mas com cicatrizes que não aparecem apenas no espelho. Tive alta antes de David. Voltei para casa, tentando acreditar que ele pagaria pelo que me fez. Mas não foi o que aconteceu. Ele voltou duas semanas depois, como se nada tivesse acontecido, como se não tivesse quase tirado minha vida. Naquela mesma noite, o som de uma garrafa sendo aberta me trouxe de volta à realidade. David e álcool nunca foram uma boa combinação. Não esperei para ver o que aconteceria novamente. Peguei o pouco que tinha, uma mochila e minha coragem, e saí pela porta sem olhar para trás. A única pessoa que pode me ajudar agora é alguém que eu mal conhecia: James Bennett, meu pai biológico. Um homem que mal conheço, mas que parece ser minha última chance de recomeçar. Minhas memórias sobre ele são poucas e minha mãe raramente falava dele. Sempre que eu perguntava, ela respondia: “Ele nos abandonou! Nos deixou por causa daquela empresa.” E agora, aqui estou eu, em Chicago. Parada em frente a um prédio enorme e espelhado com “Nexus Group” gravado na fachada, minhas mãos tremem. Mil pensamentos passam pela minha mente, mas nenhum deles me dá uma resposta clara sobre o que estou fazendo. Será que ele vai me reconhecer? Será que vai me aceitar? Ou será que vim aqui à toa? Respiro fundo. Não dá para voltar atrás. Dou o primeiro passo. — Boa tarde! Como posso ajudá-la? — a recepcionista sorri educadamente. — Boa tarde. Preciso falar urgentemente com James Bennett. — Sinto muito, mas o Sr. Bennett está em uma viagem de negócios. Ele retorna apenas na próxima semana. Gostaria de deixar um recado? — Não, não posso deixar recado. É algo importante. Muito importante. — insisto. — Viajei muito para encontrá-lo. — Entendo, mas, infelizmente, não posso fazer nada além de agendar um horário para quando ele voltar. — Por favor… É uma emergência. Você não pode… me dar o telefone dele? — Apoio as mãos no balcão, sentindo a urgência na minha voz. Ela arqueia uma sobrancelha, surpresa pela minha sugestão, mas mantém o sorriso educado. — Lamento, mas não posso fornecer informações pessoais do Sr. Bennett. — Eu realmente preciso… — começo, mas ela me corta, desviando o olhar. — Próximo, por favor. Suas palavras são a deixa para que eu me afaste. Uma semana. O chão parece sumir sob meus pés. Mais uma vez, estou sem ter para onde ir. Minhas pernas tremem e sou obrigada a sentar em uma das poltronas da recepção para me recompor. Abro minha carteira e a realidade me atinge. O dinheiro que tenho não será suficiente para ficar uma semana hospedada em um hotel. Tento não entrar em pânico. Preciso encontrar um lugar para passar a noite e decidir o que fazer depois. Após um longo tempo olhando o celular, procurando por opções que não consumam o restante do meu dinheiro, escolho um hotel razoável e peço um Uber para não me perder. — Audi Preto — resmungo, ajeitando a mochila nas costas enquanto me levanto. — Placa… Ah, droga! Observo a tela até ela escurecer completamente. Ótimo, bateria descarregada bem agora. Como vou saber qual é a placa? A chuva engrossa quando saio do prédio e sou obrigada a buscar abrigo na marquise lateral. Quando um carro preto para próximo de mim, corro até ele, tentando me proteger com a mochila. — Boa noite! — murmuro ao entrar, sacudindo um pouco a água do cabelo. O motorista apenas assente, mal olhando para mim pelo retrovisor. Ignorando a má educação, encosto a cabeça no banco e fecho os olhos por um momento. O dia foi longo demais. Enquanto o carro se move, percebo que o motorista dirige… diferente. Ele é rápido demais, impaciente com os outros carros. Abro os olhos, observando discretamente pelo retrovisor. “Pelo visto, não sou a única tendo um dia ruim”, penso, enquanto desvio o olhar para as gotas que escorrem pelo vidro. Meu coração dispara quando percebo que estamos entrando em uma área aparentemente luxuosa da cidade. Isso não está certo. — Desculpe, mas… para onde estamos indo? — pergunto, hesitante. — Four Seasons — ele responde secamente, como se fosse óbvio. — Four… o quê? Não, coloquei o Holiday Inn no… As palavras morrem na minha garganta quando ele finalmente me encara pelo retrovisor. Seus olhos são intensos, e seu maxilar trava visivelmente. — Você não se chama Melissa? — ele pergunta, com a voz grossa e impaciente. — Melissa? Não, me chamo Mia. — Mia? — ele murmura, franzindo as sobrancelhas. — Maravilha! Parece que a agência confundiu tudo dessa vez. — Agência? Que agência? — pergunto, franzindo as sobrancelhas também. — Você está falando da Uber? O carro para bruscamente em um local mais iluminado, e ele se vira para me encarar. Meu Deus, ele é... intimidante. Não apenas pela expressão claramente contrariada, mas pela presença imponente. Seu terno, obviamente caro, molda os ombros largos de forma impecável. Consigo ver que é um homem forte, de olhos verdes intensos e um maxilar definido, realçado pela barba aparada. — Você… é meu motorista, certo? — Ai, Deus! — ele resmunga, passando a mão pelos cabelos claros num gesto de impaciência. — Não, não sou seu motorista. Pelo jeito, você entrou no carro errado. — Me desculpe! — exclamo, sentindo minhas bochechas queimarem. — Meu celular descarregou e vi que o carro era preto, então pensei… — Que todos os carros pretos são da Uber? — ele ergue uma sobrancelha, e o tom sarcástico faz meu rosto queimar ainda mais. — Eu… vou descer aqui mesmo — murmuro, enquanto procuro a maçaneta da porta com as mãos trêmulas. Ele solta uma risada baixa, mas sem humor, balançando a cabeça como se achasse graça na situação. — Relaxa. Já estamos perto. Além disso, você não parece exatamente preparada para vagar por aí com uma mochila nas costas. — Sua voz soa menos irritada agora, mas ainda mantém seu tom direto, quase mandão. Hesito, mordendo o lábio. Ele está certo. Estou em uma cidade desconhecida, sem bateria no celular e, honestamente, perdida. Antes que eu possa dizer algo, ele continua: — Olha, tem um bar no hotel onde estávamos indo. Deixa eu te pagar uma bebida para compensar… essa situação — ele diz, parecendo se esforçar para parecer menos grosseiro. — Eu realmente não deveria… — murmuro, mais para mim mesma do que para ele. — Nós dois merecemos isso depois dessa confusão, não acha? Ele me encara, aparentemente sem segundas intenções, mas ainda assim… intenso. Mordo o lábio, indecisa. No entanto, algo nele me intriga. Talvez seja a necessidade de esquecer por um momento o caos da minha vida. Ou talvez seja pura curiosidade. — Tudo bem. Uma bebida não fará mal — respondo, me deixando levar pelo momento. Se o universo quis assim, então nada mais justo que eu aproveite esses minutos como uma pessoa normal. E algo me diz que ele é a pessoa ideal para isso.Alguns minutos depois, paramos em frente a um hotel que me deixa boquiaberta. É imenso e elegante, o tipo de lugar que só vi em filmes.— Você não perguntou, mas me chamo Ethan — ele se apresenta, me encarando com uma intensidade que me faz estremecer.— Mia — respondo, mesmo já tendo dito meu nome antes. O bar é sofisticado, com iluminação baixa que cria um ambiente íntimo. Ele escolhe uma mesa no canto, estrategicamente isolada das demais. — O de sempre, Sr. Hayes? — o garçom pergunta, me dando um olhar discreto.— Sim. Um Moscow Mule para a senhorita — Ethan decide, sem hesitar. Seus dedos roçam levemente os meus ao passar o cardápio. O toque é breve, mas suficiente para fazer meu coração acelerar.— Você me conhece há poucos minutos, como acha que sabe o meu gosto? — provoco, erguendo uma sobrancelha.— Te conheci há pouco, mas percebi o suficiente para saber que precisa de algo forte — ele responde, abrindo um sorriso confiante.A bebida chega, e tomo um gole generoso para deix
Após uma semana desde aquela noite, encaro meu reflexo no espelho do banheiro da cafeteria onde passei a última hora tentando criar coragem. As olheiras continuam sob meus olhos, relembrando as últimas noites em claro, pensando em qualquer alternativa que pudesse me ajudar a restabelecer minha vida sem envolver James Bennett.Mas como fazer isso em uma cidade desconhecida, sem ter onde morar, sem experiência profissional e com apenas dezoito anos? — Você pode fazer isso, Mia — murmuro para mim mesma, ajeitando pela décima vez a alça do meu vestido.Quinze minutos depois, estou novamente diante do imponente prédio espelhado. Hoje é tudo ou nada. Ou encontro James e tento recomeçar, ou terei que engolir meu medo e voltar para Portland.— Bom dia. Preciso falar com James Bennett — digo assim que paro na recepção. A recepcionista, diferente da semana passada, me olha de cima a baixo com uma sobrancelha erguida.— O Sr. Bennett não recebe ninguém sem hora marcada.— Eu… não sabia. Estive
O gosto amargo na boca é o menor dos meus problemas. Minhas mãos tremem enquanto tento me recompor, evitando olhar para eles. A palavra “tio” continua ecoando na minha mente, me fazendo ofegar.— Mia, você está bem? — James pergunta, num tom preocupado. — Quer um copo d'água?Assinto levemente, finalmente virando para encará-los. No entanto, Ethan se mexe primeiro. Sem dizer nada, ele caminha até o frigobar no canto da sala.— Aqui. — murmura, me entregando uma garrafa de água.— Obrigada. — murmuro enquanto minhas mãos trêmulas seguram a garrafa. Dou um pequeno gole, tentando engolir o nó na garganta. James observa em silêncio enquanto Ethan se afasta, se sentando em sua cadeira de couro.— Mia… — James finalmente fala, olhando para mim. — Está melhor? Quer se sentar?— Estou bem, obrigada. — minto, mesmo sabendo que minha aparência me entrega. — Só… devo ter comido algo que me fez mal.— Certo. Agora posso saber o que aconteceu, Ethan? — James pergunta, mudando o foco da conversa.
Ethan respira fundo, ainda com o olhar fixo em mim, talvez decidindo se vale a pena continuar a provocação. Então, ele balança a cabeça e se afasta, caminhando até a janela. Com as mãos nos bolsos, ele encara a vista da cidade, ignorando completamente minha presença.Após alguns minutos de silêncio insuportável, decido abrir a boca. O desconforto de sua presença já é suficiente; o silêncio só piora.— Pensei que sua sala fosse em outro andar — murmuro, apertando nervosamente a barra do meu vestido. Ethan solta um riso seco, balançando a cabeça.— Aparentemente, James resolveu que seria uma boa ideia me pedir para esperá-lo aqui — ele responde, ainda de costas para mim. — Espero que você não tenha falado sobre o que aconteceu entre nós, porque não estou com a mínima paciência para aguentar um possível problema.Um possível problema. É isso que ele me vê, claro. Ou não teria deixado aquele dinheiro como se quisesse evitar qualquer dor de cabeça futura.Engulo em seco, sentindo minha gar
“Ethan Hayes” Eu não suporto confusão. Detesto desordem. Gosto das coisas claras, resolvidas, longe de problemas emocionais ou dramas desnecessários. Mas é exatamente isso que Mia acabou de trazer para minha vida: confusão. Eu não deveria estar surpreso. Desde o momento em que ela entrou no meu carro, com aquela cara de quem estava completamente perdida, percebi que algo poderia dar errado. E, claro, deu. Primeiro, foi a noite no hotel. Uma noite que deveria ter sido esquecida, como tantas outras. Depois, a revelação de quem ela era: filha do meu melhor amigo. Totalmente proibida para mim. E agora, como se o universo quisesse brincar comigo, meu sócio quer transformá-la na minha nova assistente. Perfeito. O som da porta se abrindo interrompe meus pensamentos. O eco inconfundível de saltos pelo chão de mármore anuncia sua chegada. Miranda Pierce. Advogada da Nexus. E... minha ex. Porque, claro, minha vida não tinha confusão suficiente. — Ethan — ela diz, aproximando-se com a c
“Mia Bennett”Bato continuamente com a caneta em cima da mesa enquanto leio pela terceira vez o parágrafo nos formulários da minha admissão. Não que eu tenha algum problema com interpretação de texto; muito pelo contrário, tudo que está escrito é bem fácil de entender. Mas minha mente insiste em vagar para outro lugar. Para ele.A decisão de aceitar ser a assistente de Ethan ainda parece surreal, como um daqueles sonhos ruins dos quais você acorda suando frio. Ou, no meu caso, não acorda. — Quem em sã consciência se colocaria de bom grado nessa posição? — resmungo.“Isso foi ideia sua, Mia”, minha mente responde, mas eu me recuso a aceitar que seja culpa exclusivamente minha. James também insistiu nisso.Respiro fundo e forço a atenção de volta ao papel, mas tudo o que consigo enxergar é a expressão impaciente de Ethan, considerando minha presença uma afronta pessoal.— Chega — resmungo, assinando a última página com um pouco mais de força do que deveria. Empurro os papéis para long
“Mia Bennett”Enquanto o motorista de James se aproxima da Nexus, aproveito o pouco tempo que me resta para pegar o pequeno espelho na minha bolsa e conferir a leve maquiagem que arrisquei fazer enquanto me arrumava. Pela primeira vez em semanas, não me pareço com um panda. A noite passada foi a primeira vez, em muito tempo, que consegui dormir sem que meus pensamentos me arrastassem para um buraco sem fim. E as olheiras que me acompanhavam desde a morte da minha mãe finalmente deram uma trégua.É como se, ao resolver parte dos meus problemas, minha mente tivesse desligado para que eu conseguisse descansar. Claro, ainda há muito que não consigo controlar; minha vida está longe de ser perfeita agora, mas pelo menos hoje pareço um pouco mais com a garota que costumava ser.Guardo o espelho assim que o carro entra na garagem da Nexus. Olho rapidamente para James, que está com o semblante tranquilo desde que o encontrei mais cedo, como se o hoje fosse apenas mais um para ele. E, de certa
Fecho os olhos e respiro fundo, tentando acalmar as batidas descompassadas do meu coração. A pressão que sinto no peito me faz pensar que talvez eu devesse ter pedido um desfibrilador como parte do kit de boas-vindas.— Vamos lá, Mia. Você consegue — murmuro, finalmente começando a me afastar da zona de perigo.Sem saber exatamente para onde ir, decido procurar Gabriel novamente. Ao me aproximar da sala, o encontro está mexendo em alguns papéis. Ele sorri ao me ver.— Por que essa cara? — ele pergunta, levantando a sobrancelha como se pudesse sentir minha tensão de longe. — Já quer desistir?— Não. Quero fugir! — respondo, soltando o ar em um suspiro pesado enquanto me aproximo dele. — Esse homem deveria vir com um manual de instruções ou, sei lá, um aviso do tipo “perigo, não se aproxime”.— Bem-vinda ao mundo do Sr. Hayes — ele diz, rindo. — Mas você sobreviveu, e isso já é um bom começo.— Sobrevivi? — arqueio uma sobrancelha, apontando para mim mesma. — Olha para mim, Gabriel. Est