Volto à questão: o que quer uma mulher? Eu hoje pensei muito sobre isso e, pelo menos pra hoje, tenho uma resposta. Eu falo “pra hoje” porque a mulher pensa por ciclos: o ciclo pré-menstrual, o círculo da fertilidade, o da amamentação, o da menopausa... Mesmo as meninas têm seus ciclos.
Qual o meu ciclo de hoje? Não sei. Não quero nomear. Sempre sou contra nomear. A gente sabe que está num determinado ciclo não porque “chegou a hora” ou “está na idade de”. Não é assim que funciona. O que você poderia chamar de “sintoma” é um acúmulo de contingências favorecidas por circunstâncias que culminam num ato. Mas não é racional. É intuitivo. É nessa hora que o personagem se sobrepõe ao autor. Não sei se estou sendo clara.
A mulher quer saber o que o homem quer, o que ele deseja. Ela tenta se antecipar a esse desejo, pegando-o de surpresa, antecipando o verbo. Ela fica na instância da coisa, em estado bruto e, então, a nomeia antes de ele sequer tomar consciência do signo que escolherá, usará ou dará o significado. É uma coisa muito louca. Pensei agora, por pura associação, na área do Márcio, a propaganda. Imagino que, quando vai lançar um produto, você tem que se colocar no lugar daquele que supostamente o comprará. Só que a coisa, pelo que eu saiba, não funciona assim, é uma pena. O que eles fazem é uma pesquisa de mercado, uma colheita de dados estatísticos, uma projeção de gostos e preferências. Tudo baseado no que já existe ou é similar.
Devia ser diferente. E é nesse sentido que eu ajo. O que deve ser captado é o desejo relativo ao que falta: o desejo oculto. É o faltante que trará o verdadeiro apelo do consumidor. Veja só: uma fantasia banal de sexo médico x paciente, colegial x professor, caminhoneiro x carona etc. não vai fundo. São símbolos gastos. Você pode até usar os mesmos elementos, mas é o insólito que fará a diferença.
Uma mulher que não percebe isso pairará, como alma penada, pelos encontros, pelas profissões, pelos vícios e pelas virtudes. Pensará que a resposta é emprenhar a barriga de filhos ou entupir o armário de roupas, de cosméticos, o banco de dinheiro, a agenda de telefones e por aí vai. Mas não é isso. A mulher é uma chave mestra que pode abrir todas as portas, e isso, meu caro, é algo que fascina, mas é temerário. Há os que se entregam e os que fogem. Ou matam.
Não são todas as que sabem disso. Acredito que as prostitutas sejam as maiores representantes dessa sabedoria. Elas forjam os personagens que habitam o imaginário dos homens. A mãe com o bebê também. E as muito velhas, que já não ligam para as censuras e se divertem com o ridículo.
Mas, mesmo assim, não é uma percepção, como eu vou dizer? Uma percepção pragmática, funcional, derivativa. É um saber que não se sabe. Enfim.
(Ela reflete por um instante e olha em direção à janela, onde uma chuva cai).
Mas... vamos lá.(Suspira).
Quando as coisas começaram a caminhar mal entre mim e o Márcio, eu fiquei primeiramente muito deprimida, quis culpar ele e o mundo. Depois, migrei para outra vertente. Tentei me ver “de fora”, sabe? Acho que há muitas semelhanças entre a Matemática e o comportamento humano. Sempre pensei nisso. Quer saber? A projeção de uma figura geométrica é semelhante à projeção de um sentimento que experimentamos sobre alguém ou alguma coisa, em outro objeto ou pessoa. O mesmo se dá quando assumimos ou “vestimos a pele” de um personagem. Ele não é a gente, mas tem os mesmos atributos, só que numa outra dimensão ou angulação. Faz sentido? Vamos tomar outro exemplo: a interseção. O ponto de interseção é o lugar da autorização entre o inconsciente e o consciente. Há partes de um contidas no outro. E vice-versa. O conceito de contém e está contido também. Não é uma invenção, e sim uma arrumação ou, vamos dizer, um “re-arranjo”. Deixe-me explicar melhor. O que eu desejo, não se instala só na hora que eu nomeio. Ele já está contido na falta daquilo que eu não tenho, percebe?
Cara! São tantas as semelhanças que elas brotam na minha cabeça! A associação livre, ela também, se uma ideia, um sentimento ou uma imagem puxa outra é porque, de alguma forma, ela já está contida naquela que a antecedeu. Que nem os números pares: há sempre um duplo esperando por ele! Numa curva integral, há um quantum operacional de limites... gente! Vou parar por aqui!
Voltando a fita. Eu fui sacando o meu ponto fraco. Nem sei se era “o” ponto fraco. Eu tinha que partir de alguma coisa que não estivesse bem resolvida comigo. E achei. Era o lance do toque. Não que eu tivesse esse tipo de problema com o Márcio. Sabe? Tudo transcende. Nada é simplesmente o que é. Essa é minha questão. Então, não era só o tocar. Era mais complicado. O toque, então, sai dos limites do tanger e se torna metaempírico.
É nessa instância que reside o problema. Enquanto eu percebo o outro numa ótica transcendental, eu sou senhora dos meus atos, sou a autora. Mas na hora que eu “toco” o outro, passo a ter uma referência advinda do real, que não passa pela minha censura, minha autorização. Ou seja: o que antes era de dentro para fora passa a ser de fora para dentro. É o personagem se expondo e se antecipando à criação.
Fui, então, aprender a fazer massagem. Estranha experiência. Sensações térmicas impensáveis, texturas desconcertantes, odores inesperados, tudo, tudo era invasivo! A adaptação foi lenta e gradual. Toquei e fui tocada. Descobri nuances em meu corpo e regiões surpreendentemente significativas. Parecia que eu fugia do lugar comum. Havia espaços que eu desconhecia como importantes na trilha do prazer e do relaxamento. Eram áreas pequenas: o lado de um dedinho o meio da espinha dorsal, o lóbulo da orelha.
Tocar os outros foi mais difícil e nem sempre prazeroso. Confesso que fiz excelentes massagens, mas nem sempre elas correspondiam ao ideal do qual eu já era capaz. Peguei-me muitas vezes apressando o processo, omitindo espaços... No entanto, havia algumas pessoas que entravam em sintonia absoluta comigo. Não sei se havia, da parte delas, uma entrega maior, uma confiança, uma empatia... O que ficou claro, para mim, era que, com essas pessoas, eu me fundia: não era mais a massoterapeuta manipulando um corpo solicitante. O cliente se tornava uma extensão do meu corpo, e aí, então, eu sabia exatamente o que aquela pessoa precisava, onde queria ser tocada, qual a pressão ideal a ser empregada, onde eu deveria demorar mais, onde eu deveria manter segredo, o espaço ilibado, o ponto de sensibilidade traumática... nessas horas, a conjunção era simbiótica, e a massagem, perfeita. Parecia que o corpo da pessoa me sussurrava: “toque aqui”, “prolongue”...
Para mim, foi um exercício de sensibilidade: tocar e ser tocada por mãos diversas, perceber o outro, adivinhar o desejo do outro. Mas eu sabia que fora um aprendizado: eu não queria me reter ali. Minha procura era outra.
Eu conheci um homem. Ele derrubou minha segurança. Desafiou minha estrutura. Céus! Fico perplexa quando penso no que estou sentindo!Sim, quero falar sobre isso.Eu estava procurando lojas de antiguidades no centro da cidade.
Desculpe o atraso.Vou retomar do ponto em que parei.Bem, fui atrás do tal endereço, mas, chegando lá, não havia mais a loja de antiguidades.A minha esperança era tão grande de encontrar o que eu procurava, que fiquei na frente do lugar, desconcertada, sem reação.Custava a acreditar que ali não existia nenhuma loja do tipo.Eu estava frente a frente a um lugar chamado “Bafão”, um tipo d
O Rio antigo tem uma arquitetura instigante.Há uma série de ruelas, sobrados, portinholas, janelas e varandas estreitas, escadinhas escusas.Tudo exala um ar de confidências, de intrigas.Acho que por isso aquelas fotos me chamaram a atenção.O alargamento da rua Carioca, por exemplo, talvez tenha a ver com a ampliação desses meus espaços internos que se referema um passado convencional, estreito, para uma possibilidade maior...Como se eu admitisse correr riscos, trilhar novas vertentes... De qualquer maneira, independente da evolução do que se seguiu, eu resolvi testar o Márcio.Não test
Acho que o Márcio percebeu, mas não sucumbiu.Pagou para ver, eu diria. E, isso eu posso te dizer com o orgulho de uma iniciada, meu caro: foi uma trepada e tanto!Falei do vizir com intimidade, detalhei seus olhos cor-de-mel sobressaindo na pele morena.Descrevi suas roupas cheias de envolturas, a ânsia que eu tinha em desnudar aqueles panos cor de areia, alternados em padrões, da aspereza do linho ao deslizante da seda.Falei de como ele não sorria e de como ele conteve minha voluptuosidade segurando, com sua mão firme, os meus pulsos inquietos.Sussurrei o medo experimentado nessa hora, acreditando que ele me faria sucumbir e me puniria pelos meus atos antecipados, vis
O princípio ativo da sexualidade masculina é detonado a partir de um sentimento de ameaça à sua supremacia.Mesmo que ele não esteja mais interessado numa mulher, o fato de perceber que outro homem é atraído por ela o remete a uma insegurança, como se ele não tivesse tentado todos os recursos ou descoberto todas as facetas da tal mulher.
Intrigante.Verdadeiramente intrigante.Fui pesquisar sobre o teatro Kobuki.O sentido etimológico da palavra "Kabuki" é "oblíquo".Vamos só trabalhar esse detalhe pra começar.Lembra do que eu falava: “olhar de viés”?Trata-se de um ponto de vista atravessado, dissimulado, não direto.Exatamente o que eu sinto em relação ao meu processo da dianóia.&
Um dia, eu disse uma frase que nunca esqueci.Nada de grande importância, mas, como eu a pronunciei alto e em bom tom, como uma reflexão para mim mesma, ela ganhou uma dimensão e um eco que, durante algum tempo, ficou repetindo-se como se estivesse à procura de um significado.Quem sou eu para dizer que nada é por acaso... Era como se eu fosse portadora de um significante expresso em palavras, mas cujo sentido permanecia incógnito, indecifrável, aguardasse uma autorização de pouso... Quero falar do sujeito que conheci. O sujeito da loja de antiguidades. Ele é diferente dos outros.Não que algum seja igual, não é isso.Ele tem uma certeza, uma segurança no que fala... Ele sabe que sou uma pessoa que quer ouvir.Ele sabe que tem algo em mim que precisa despertar...Ele parece um gato.Eu não gosto de gatos e odeio esse negócio de chamar caras bonitinhos de “gato”.Falo de gato no sentido de esquiva, trejeito, de cai e levanta com pose, flexível, misterioso... Último capítuloDécima primeira sessão