Eu conheci um homem. Ele derrubou minha segurança. Desafiou minha estrutura. Céus! Fico perplexa quando penso no que estou sentindo!
Sim, quero falar sobre isso.
Eu estava procurando lojas de antiguidades no centro da cidade.
Sim, tem a ver com as fotos que te mostrei. Tudo tem a ver. Não tão diretamente, é claro. Lembre-se, eu ando de viés. Numa dessas noites, eu estava lá em casa sozinha. Pensava a respeito de uma matéria para a minha coluna sobre o Rio. Imaginei uma crônica sobre o que restava do Rio antigo. Não apenas as fotos, mas alguma coisa mais pessoal, mais romântica, que caracterizasse as antigas mansões, relembrasse os saraus, as domingueiras... Alguma coisa tipo Machado de Assis... Cheguei a escrever... “Rio Residual”. Ficou bonito, até. Mas como eu estava dizendo, eu queria encontrar objetos que caracterizassem uma época, quem sabe? Falassem da história de famílias... Perambulei, mas tudo parecia muito óbvio, nada personificado. Foi quando eu parei pra tomar um refrigerante num daqueles barzinhos azulejados da Praça da República. Eu estava ali, pensando se haveria outras opções, quando reparei num anúncio de cerveja que levantava e abaixava com o vento do ventilador de pé, ao meu lado. Olhei por acaso e vi, sob ele, um anúncio que me chamou a atenção: era sobre uma loja de antiguidades. O “Bas-Fond”. O endereço era por aquelas redondezas. Alguma coisa me dizia que eu ia achar lá o que procurava. E eu corri atrás. Sempre há uma atração por aquilo que está debaixo das saias?(Ri).
É verdade.
Mas, antes, deixa eu voltar um pouco a fita.
Naquela mesma noite em que eu pensava sobre a matéria, percebi o silêncio dentro de minha casa. Era um silêncio assustador. Não havia um barulho na rua. O ar parecia parado. Olhei à minha volta e examinei a minha sala. Impecavelmente limpa e arrumada. Uma perfeita assepsia convivendo com uma imensa solidão. Nem era tão tarde assim. Onze horas. Levantei e coloquei um CD: “Mme. Butterfly”. A música foi entranhando minha carne e minha alma, confirmando meu isolamento. Os móveis, escolhidos pelo Márcio, me pareceram tão desapropriados! O vidro e o metal, os tons de azul e verde...Não, eu não escolhi nada. Na verdade, esse era o apartamento de solteiro do Márcio. Eu só compareci. Acho que essas coisas de casa nunca foram muito bem trabalhadas na minha cabeça. Um dia a gente fala sobre isso.
Comecei a encucar que eu deveria dar meu toque pessoal naquele lugar.Sim, como um toque de massagem.
Bem, achei que se eu aproveitasse o que eu já ia fazer no dia seguinte, isso de procurar lojas de antiguidades, poderia achar alguma coisa que incrementasse aquele ambiente... Mas o que eu encontrei foi muito mais do que isso...
Desculpe o atraso.Vou retomar do ponto em que parei.Bem, fui atrás do tal endereço, mas, chegando lá, não havia mais a loja de antiguidades.A minha esperança era tão grande de encontrar o que eu procurava, que fiquei na frente do lugar, desconcertada, sem reação.Custava a acreditar que ali não existia nenhuma loja do tipo.Eu estava frente a frente a um lugar chamado “Bafão”, um tipo d
O Rio antigo tem uma arquitetura instigante.Há uma série de ruelas, sobrados, portinholas, janelas e varandas estreitas, escadinhas escusas.Tudo exala um ar de confidências, de intrigas.Acho que por isso aquelas fotos me chamaram a atenção.O alargamento da rua Carioca, por exemplo, talvez tenha a ver com a ampliação desses meus espaços internos que se referema um passado convencional, estreito, para uma possibilidade maior...Como se eu admitisse correr riscos, trilhar novas vertentes... De qualquer maneira, independente da evolução do que se seguiu, eu resolvi testar o Márcio.Não test
Acho que o Márcio percebeu, mas não sucumbiu.Pagou para ver, eu diria. E, isso eu posso te dizer com o orgulho de uma iniciada, meu caro: foi uma trepada e tanto!Falei do vizir com intimidade, detalhei seus olhos cor-de-mel sobressaindo na pele morena.Descrevi suas roupas cheias de envolturas, a ânsia que eu tinha em desnudar aqueles panos cor de areia, alternados em padrões, da aspereza do linho ao deslizante da seda.Falei de como ele não sorria e de como ele conteve minha voluptuosidade segurando, com sua mão firme, os meus pulsos inquietos.Sussurrei o medo experimentado nessa hora, acreditando que ele me faria sucumbir e me puniria pelos meus atos antecipados, vis
O princípio ativo da sexualidade masculina é detonado a partir de um sentimento de ameaça à sua supremacia.Mesmo que ele não esteja mais interessado numa mulher, o fato de perceber que outro homem é atraído por ela o remete a uma insegurança, como se ele não tivesse tentado todos os recursos ou descoberto todas as facetas da tal mulher.
Intrigante.Verdadeiramente intrigante.Fui pesquisar sobre o teatro Kobuki.O sentido etimológico da palavra "Kabuki" é "oblíquo".Vamos só trabalhar esse detalhe pra começar.Lembra do que eu falava: “olhar de viés”?Trata-se de um ponto de vista atravessado, dissimulado, não direto.Exatamente o que eu sinto em relação ao meu processo da dianóia.&
Um dia, eu disse uma frase que nunca esqueci.Nada de grande importância, mas, como eu a pronunciei alto e em bom tom, como uma reflexão para mim mesma, ela ganhou uma dimensão e um eco que, durante algum tempo, ficou repetindo-se como se estivesse à procura de um significado.Quem sou eu para dizer que nada é por acaso... Era como se eu fosse portadora de um significante expresso em palavras, mas cujo sentido permanecia incógnito, indecifrável, aguardasse uma autorização de pouso... Quero falar do sujeito que conheci. O sujeito da loja de antiguidades. Ele é diferente dos outros.Não que algum seja igual, não é isso.Ele tem uma certeza, uma segurança no que fala... Ele sabe que sou uma pessoa que quer ouvir.Ele sabe que tem algo em mim que precisa despertar...Ele parece um gato.Eu não gosto de gatos e odeio esse negócio de chamar caras bonitinhos de “gato”.Falo de gato no sentido de esquiva, trejeito, de cai e levanta com pose, flexível, misterioso... Você me disse, da última vez, que nomear o sujeito seria como dar nome a algo inominável.Fiquei pensando nisso.O que seria o inominável para mim?Pensei também que aquilo que ninguém ousa chamar é o diabo.Como se falar o nome dele, o trouxesse à tona das profundezas do inferno.Concluí que o sujeito seria como que o meu diabo particular, certo?Alguém que, ao contrário dos outros homens, exerce um poder sobre mim... Ele surgiu onde eu não esperava, aproximou-se sem que eu o chamasse, ativou minha curiosidade sem que eu estivesse preparada.Me surpreendeu, é verdade... E se tornou mDécima primeira sessão
Décima segunda sessão