— Quatro meses se passaram. Já sei falar inglês, quem diria? Bom, também não vou ser exagerada, sei falar o essencial pra viver aqui.Rafael está estudando, e eu morrendo de orgulho desse homem. Muitas pessoas não acreditam em mudanças, mas eu acreditei na dele, e olha no que deu.Vivemos muito bem aqui. A vida é outra, estou com cinco meses de gestação e vou ser mãe de um menino. Rangel quase morreu quando soube que ia ter um "moleque", como diz ele. Disse que assim que ele fizer seis anos vai pôr ele na escolinha do Barcelona. Mereço?— Obrigado Cláudia. — agradeci a empregada que me trouxe minha vitamina.— De nada senhora Larissa. — ela sorriu e voltou à cozinha.Optei por uma brasileira pra trabalhar aqui, e nos damos super bem. Já não sei falar inglês direito, imagina dialogar toda hora com um estrangeiro. E aqui vivem muitos brasileiros, ainda bem.Carla me mandava várias fotos do passeio que estava fazendo na Bahia. Senti inveja daquele calor, do mar, aqui é frio toda hora. Li
— Mais uma aula estressante. O vagabundo virou estudante, tomei um rumo na minha vida graças a Larissa.Vou ser pai, vou me formar, ser feliz. Eu também tenho sentimentos, sempre tive, mas só essa mulher conseguiu reacender eles.Eu sou todo errado mas tô certo que ela me quer, sempre quis, e sempre irá querer.Terminadas as aulas, entreguei as bostas das atividades à professora chata do caralho.Na moral, se eu não soubesse que isso ia me dar um futuro eu não ia pra cá não. Meu pai me obrigou a concluir o ensino médio, mas não quis fazer faculdade, queria na verdade comandar o morro achando que seria fácil.Piranhas, dinheiro , respeito... De fato, quando se é bandido você tem tudo isso. Mas a dor quando alguém que você ama corre risco por sua culpa? O medo de amanhecer morto ou no presídio.Quero mais isso pra mim não, eu mudei por Larissa, meu filho, e por mim mesmo.Voltei para casa com sorriso no rosto. Um senhor vendia flores resolvi comprar para minha esposa. Ela merecia ser mi
Dois meses depoisLarissa. Me levantei atordoada sentindo muita dor. Olhei no relógio e eram três horas da madrugada, eu estava suando frio, o pé da minha barriga doía tanto, enfim era uma dor inexplicável.— Rafael. - mexi nele que estava dormindo tranquilamente. - RAFAEL PORRA!Ele levantou correndo sem entender meu grito e meu estresse.— Qual foi? Eu estava sonhando com uma Ferrari nova.— Hum engraçadinho. - revirei os olhos. - Eu não tô bem, eu tô sentindo muitas dores, eu estou com medo.— Calma, deve ser o moleque chutando.— Não, Rafael, você não tá entendendo. É uma dor inexplicável.— Amor... - suspirou. - Toma um chá, relaxa e dorme.— Dorme um caralho! Você não está sentindo o mesmo que eu por isso está tudo numa boa.— Meu Deus. E tu quer que eu faça o quê, Lari?— Vamos para uma maternidade.— Mas amor, tu ainda tá de sete meses.— Eu sei, mas tá doendo muito mano. Se você não me levar, eu vou cortar sua rola de tanta raiva que estou aqui.— Calma mulher. Tá piradona é
Rangel narrandoTrês dias... Três dias e nada da minha loira acordar. A médica explicou que houve uma complicação no parto, já que meu moleque resolveu dar as caras antes do tempo. Eu tava destroçado. Larissa em coma, meu filho na incubadora...Meu telefone começou a tocar, era minha coroa. Atendi com o coração apertado.— Meu filho! — falou em um tom preocupante. — O que aconteceu com Larissa?— Ela tá em coma, e meu filho na incubadora...— Meu Deus. Eu queria tanto estar com vocês. — ela começou a chorar.— Fica sussa, não chora não pô. Minha mulher e meu filho vão ficar bem mãe, tu vai ver. — falei sem certeza.— Eu vou orar muito e pedir a Deus.— Pede mesmo pra ver se ela dá uma ajuda. Agora tchau que estão me chamando aqui mãe.Desliguei e fui saber o que a enfermeira queria.— Seu filho está acordado. — ela falou simpática.— Valeu, vou lá ver ele. — sorri fraco. Queria Larissa aqui comigo.Fui até ele. Meu bebê estava quietinho, tão frágil e pequenino. Eu esperarei o tempo qu
LarissaTive alta, mas o meu bebê não... Ficarei aqui com o meu príncipe até ele sair dessa.— Vai dormir, amor! Nosso filho está bem.— Eu só quero que ele possa sair daqui, Rangel. Tão pequenininho...— Vai ficar tudo bem. Ele nasceu prematuro, mas não corre riscos de vida, e a qualquer momento podemos ir pra casa com ele.— Eu sei. Mas é meu coração de mãe que está apertado.— Vem cá, minha loira, vai ficar tudo bem. - deu-me um beijo.— Tu tá me dando muita força, meu amor. Eu te agradeço muito.— Tem que agradecer não. Eu estarei aqui sempre com você e meu menino tá ligado?— Hum... Eu estou querendo voltar para o Brasil. Esse lugar não é pra mim.— Eu também tô me sentindo assim. Quero ficar com minha mãe, meus parceiros...— Quando você terminar os estudos nós vamos.— Não precisa, amor, você quer ir, eu também... Pra quê esperar?— Porque eu quero você formado.— Quando eu voltar pro Brasil, eu não vou mais pro morro. Os inimigos querem minha cabeça.— E vamos para onde?— Sei
Rangel narrando:— Isso filhão, vem pegar a bola na mão do papai. — Cris veio engatinhando até mim e pegou a bola dando aquele sorriso gostoso.— Já está na hora dele tomar banho, Rafael. — Larissa chegou na sala.— Ah, ele quer brincar mais.— Nada disso. — revirou os olhos. — Você sabe que temos que dormir cedo, amanhã retornaremos ao Brasil.Assenti e entreguei meu filho para ela. Eu estava ansioso; finalmente, voltaria para meu país. Tudo bem que vim para cá foi uma boa decisão; talvez se eu estivesse lá, o nascimento de Cristopher seria mais complicado do que já foi, e a equipe médica daqui é outro patamar, né?— O senhor quer mais algo? — Cláudia perguntou.— Não, Claudinha, pode ir arrumar suas coisas e esteja aqui cedo, ok? — sorri.Subi para o quarto, terminei de colocar minhas coisas nas malas, e infelizmente, minhas armas teriam que ficar aqui nessa casa. Não poderia viajar com armas; seria muito arriscado. Enterrei as armas no jardim da casa e as deixei lá.— Cadê meu bebê
Larissa narrando:Quatro semanas depois...Um mês se passou desde que chegamos ao Rio. Nossa rotina estava um pouco difícil.Arrumar apartamento, procurar um trabalho... Enfim, estava difícil. De fato, Rangel não necessitava de um trabalho; ele poderia muito bem ficar sentado no sofá todas as manhãs assistindo enquanto recebia grana do morro. Por enquanto, não haveria jeito. Teríamos que continuar recebendo dinheiro do crime. Não temos renda, temos um filho, e uma vida a zelar.Cláudia, infelizmente, não poderia vir para o Rio; sua filha estava com câncer. Era muito triste saber que uma pessoa saudável, perder suas esperanças por uma doença maligna. Só lembro da minha mãe...— Vai pra onde? — Perguntei a Rangel enquanto dobrava os lençóis.— Ia procurar algo pra fazer... — falou todo desmotivado.— Eu acho melhor você se acomodar. Vivemos bem, temos tudo que queremos.— É, somos ricos pelo dinheiro do crime.— Eu sei que é difícil porque você ficar sem fazer nada...Pensei um pouco; e
Rangel narrando:De volta à minha favela, eu era só paz e amor. Era meu aniversário hoje, vinte e poucos aninhos, tô ficando velho pra caralho. Lembro da primeira vez que meu pai me ensinou a segurar uma arma, a atirar, e me disse que essa favela toda seria minha. Agora mesmo eu observava o alto do morro sozinho, sorrindo, lembrando de como meu pai era querido. É... Quem escolhe essa vida só tem esse destino, parceiro, ou é morte ou é cadeião.Meu pai não merecia isso. Ninguém merece a morte, mas às vezes tem que ser assim. Quem escolhe errado uma vez, traçou seu destino todinho. Dei sorte com uma mina firmeza, que eu amo tanto, um filho lindo, uma mãe que batalhou por mim e me apoiou em tudo. Claro que nenhuma mãe quer ver seu filho pegando arma pra matar e roubar os outros, mas não tinha jeito, ou ela aceitava ou me abandonava no mundão. Ela se apaixonou por meu pai, e ela sabia que aquilo ia trazer consequências pra sempre, e o que eu mais admiro é que ela ficou com o marido até o