Pandora Benedict
Ai meu Deus! Eu preciso ir embora daqui.
Esse era meu único pensamento conforme Matheus despejava novamente seu repertório infinito de ofensas, por causa do seu ciúme doentio.
Na concepção dele, eu era obrigada a desfazer de todas as minhas amizades, de todos que estiveram comigo no processo turbulento do luto quando perdi meus pais. Era proibida de conversar com qualquer pessoa, seja meus professores da universidade, seja algum colega de classe, da família então? Não restou praticamente ninguém e os poucos primos distantes, fui forçada a cortar contato.
Se algum rapaz chegava perto de mim, era motivo de enormes discussões e sempre o motivo eram os mesmos: meu corpo, minhas roupas, minha educação. Segundo ele, responder uma simples solicitação de direcionamento para localizar um endereço, me tornava uma pessoa oferecida.
Eu pertencia a ele. Meu sorriso era dele, meu corpo era dele.
Demorou muito tempo, muito mesmo, até eu perceber que estava em uma relação tóxica. Mesmo com as agressões. Depois que eu perdi meus pais, fiquei perdida, confusa, sozinha e me apeguei ao Matheus como uma forma de escape. No início, ele era um príncipe, embora meu pai nunca gostou dele e só o viu poucas vezes antes do fatídico acidente.
Por que eu não percebi logo?
Fui puxada de volta a realidade quando Matheus me pegou pelos ombros, me sacudindo e gritando a plenos pulmões.
— Você é vulgar demais Pandora. Por isso todo macho que passa na rua fica te olhando, fica te perguntando algo, na primeira oportunidade vão te traçar. Você não percebe que é tudo culpa sua? Você não se dá o mínimo de respeito, olha essas roupas. Estou farto de presenciar esses machos cobiçá-la.
Em seguida, veio o primeiro tapa - de muitos que já levei até aqui - era sempre a mesma coisa. Ele surtava com algo que falaram para ele, por que tinham vigias onde quer que eu fosse, então ele corria para casa e já entrava aos gritos.
Particularmente, já estou cansada dessa vida e toda vez que começa de novo, fico me perguntando se dessa vez, Deus vai ter misericórdia e eu irei de encontro aos meus pais. Não respondo mais. Não tento fazê-lo enxergar o óbvio. Só preciso aguentar hoje, só mais um pouco e serei livre.
— Cansei de avisar para não usar esse tipo de roupa, por que você me força a te disciplinar? Você gosta de apanhar? Já te falei milhões de vezes que seu corpo é imenso, fica ridículo com esse tipo de vestido, não se olha no espelho? Quantas vezes já te falei, devia agradecer por não estar sozinha no mundo, por me ter e pelo meu esforço diário de continuar com você, mesmo sem desejá-la. Entenda de uma vez Pandora, você não é uma mulher largada no mundo e não vai nunca mais se vestir assim, deixando suas pernas a mostra, me ouviu?
Essa foi a última parte do seu discurso que consegui compreender e ele me acertou novamente no rosto e no estômago, me obrigando a dar boas-vindas a escuridão.
Quando despertei, não sei exatamente quanto tempo se passou, eu estava caída no chão no vão entre a cozinha e a sala. Nenhum sinal dele pela casa. Por um momento, pensei que morreria e ficaria enfim livre desse martírio, mas não tive tanta sorte. Depois de verificar se meu corpo aguentaria se mover, com muita dificuldade me levantei.
Essa é a minha oportunidade.
Chegou sua liberdade Pand.
Por alguma razão, quando o advogado dos meus pais me deixou ciente do valor que tinham guardado, eu nunca mexi. Mesmo precisando diversas vezes. Inconscientemente, algo me alertava que aquele dinheiro seria usado em uma extrema necessidade. Chegou a hora.
Não tinha mais nada que me prendesse ao Brasil, devido a minha dupla cidadania, podia entrar na Inglaterra sem precisar de um visto temporário. Novamente agradeço aos meus pais, por me ensinaram seu idioma desde nova, seria muito útil agora.
Rapidamente entrei na internet, localizei uma passagem ainda hoje e reservei um hotel. Depois de juntar poucas coisas que eu possuía e não queria perder, sai rapidamente daquela casa deixando tudo para trás, deixando uma vida de sofrimento para trás, rumo a uma nova vida.
Preciso sumir, ficar invisível e nunca mais voltar.
Depois de eternas 12 horas dentro de um avião, ouvindo pessoas rindo, crianças se divertindo, enfim desembarquei no Heathrow International Airport.Sem família, sem amigos, mas com uma vontade imensa de viver. Estar aqui é como um renascer e eu vou fazer de tudo para minha vida tomar um rumo brilhante daqui para a frente.O que vou fazer da minha vida agora? Ainda não sei, mas força de vontade eu tenho.Depois de reaver a única bagagem que tinha e conseguir trocar meu dinheiro de real para euro, fiquei circulando pelo imenso aeroporto até localizar onde ficava o ponto de táxi. Mesmo que entenda o idioma, é a primeira viagem internacional que faço, então fico momentaneamente perdida, mas no fim tudo dá certo. Na primeira conexão, fiz uma troca de hotel, me dei o luxo de ficar em um mais nobre por dois dias, mas não podia esbanjar muito e procurar emprego urgente. Estava ansiosa para passear por Londres e perceber o novo mundo que me aguardava. Vou procurar com calma um airbnb, dizem qu
Acordei ouvindo diversas vozes ao mesmo tempo e um bip infernal que me causava um latejar absurdo na cabeça. Doía muito. Com certeza não morri, já que sinto dor. O barulho me deixou ciente que estava em um hospital, mas onde exatamente? Minha mente estava muito confusa e cheguei a pensar que era mais um dos episódios das surras do Matheus que me levava até a emergência.Quanto ele me surrou dessa vez? Sonhei que tinha me libertado, mas era tudo uma fuga da minha mente?Após alguns instantes de pânico, consegui identificar a voz de alguém ao meu redor e nunca imaginei que compreender outro idioma me faria tão bem assim. Não foi ilusão, dessa vez não foi o Matheus que me direcionou até a emergência. Como uma tormenta, meu desastroso primeiro dia em Londres voltou a minha mente. Gemi de desgosto. Como pude atravessar uma avenida sem olhar, nem no Brasil eu fazia tamanha tolice, fui cometer esse erro absurdo logo aqui. Sou a única culpada, ninguém mais.Meu corpo todo doía e estava me sen
Em seguida me deparei com outro par de olhos, esses eram azuis, mas um tom de azul que não impactava quando observado de perto e me julgavam, demonstrando tamanha irritação que fiquei impactada por um momento. Quem são essas pessoas? Essa mulher me encarava como se eu fosse a culpada pela fome no mundo. Provavelmente era esposa do Deus grego e estava se sentindo incomodada por ficar me observando nesse leito.— Senhorita? — O médico, que até então não tinha notado na sala falou calmamente, tirando minha atenção da mulher odiosa ao lado. — Sou o Dr. Alexander, responsável pelo seu caso e vou acompanhá-la até a sua alta, que deve ocorrer em no mínimo duas semanas.— O que? — Praticamente gritei e percebi meu descuido gritando em português, imediatamente procurei me acalmar.— Desculpa, o que? Não posso ficar aqui duas semanas.— Seus ferimentos foram muito graves. Quando deu entrada no hospital, estava com um sangramento interno gravíssimo, traumatismo craniano, fratura de uma costela,
Retomei meu foco e olhei atentamente para ele, absorvendo tudo o que me foi dito antes e o que ele vai me revelar agora que estou desperta novamente. — Só queria compreender o que aconteceu. Preciso... ir embora... Recomeçar minha vida... — Comecei falar já soluçando novamente e disparando novamente aquela porcaria de bip.— Se acalma pequena, ficar nervosa só vai piorar seu quadro e vão precisar sedá-la novamente. Não precisa se preocupar com nada, estou cuidando de tudo. Você está aqui por um descuido meu e vai ter tudo o que precisar para sua melhora. Vou cuidar de você.— Como?— Estava em meio a uma discussão com a Emilly, você a viu mais cedo, enquanto estávamos a caminho da casa dela. Ela não aceitou o término muito bem. Devido isso, me distraí na direção por um momento e ... bom, o resto nem preciso explicar, já que você está nessa cama de hospital.— Você não tem culpa de eu ter entrado na frente do seu carro.— Tenho culpa por estar distraído e não ter desviado de você.— N
Sem nenhuma razão e não entendia o porquê, meu corpo todo relaxou depois da declaração dele, como se tudo estivesse certo no mundo. Como se ali tivesse a resposta para tudo o que eu precisava para viver. Isso era uma completa insanidade. Mas me vi retribuindo seu sorriso cativante.Não precisava confiar minha vida a ele, até porque, não nos conhecíamos. Mas como ele mesmo falou, podia me auxiliar nesse início de vida em Londres, não ia recusar ajuda. Mesmo desconhecido, foi o primeiro a ser gentil comigo, mesmo em cima da atual circunstância.Mas preciso me proteger de Oliver Parker.Preciso aceitar a ajuda no tempo que estiver internada e depois se ele tiver alguma sugestão de lugar onde possa arrumar um emprego que pague minimamente bem. Depois, preciso seguir meu rumo sem olhar para trás, sem me apegar a ninguém.Não sei quanto tempo o médico ia me prender aqui, mas, já estava fazendo planos de juntar um dinheiro bom e retornar ao meu país. Essa experiência de quase morte, passado
Dia do AcidenteO dia foi terrivelmente exaustivo, os processos estavam se multiplicando e quanto mais resolvia, outros apareciam, como se fossem uma hidra. Aproximadamente às 18hrs, a Srta. Sullivan telefonou, avisando da presença da Emilly.Porra, que inferno.Nem tive tempo de inventar qualquer desculpa e Emilly irrompeu pela porta, parecendo que estava a caminho de uma guerra. Muito provavelmente, não teve acesso ao Archie — meu melhor amigo — e veio atormentar a minha vida no escritório novamente.Se arrependimento matasse.Eu e Archie aviamos falado com ela há exatas duas semanas, depois de um relacionamento de 02 meses. O que começou consensualmente e com ambos interessados, terminou conosco não suportando ouvir o nome de Emilly. Ela já estava barrada na portaria do prédio, não sei como passou pelos seguranças.Emilly nos enganou direitinho, no início da nossa relação, fomos claros que não queríamos nada sério e que ela estava liberada a encontrar quem quisesse. Enquanto nosso
Em determinado momento, senti sua mão na minha coxa, subindo em direção ao meu pau, que não estava nem um pouco interessado naquela carícia. Antes que ela pudesse tocá-lo, segurei seu punho.— O que pensa que está fazendo? — Praticamente rosnei.— Só te lembrando o quanto pode ser bom. — Ela ronronou— Emilly, se dê o respeito— Pode ser bom, garanto. Me deixe te provar.— Chega! — Gritei. — Será que não percebe o quanto está sendo inconveniente? Essa é a última vez que tenta me tocar sem ser solicitada.— Meu benzinho, me deixa te relaxar, é nítido o quanto está estressado com o trabalho.Não tive tempo de respondê-la.Como uma assombração, percebi pelo canto do olho uma mulher loira atravessar a rua sem olhar para onde ia. Notei tarde demais que tinha me distraído com a maluca do meu lado e não tinha como parar o veículo a tempo. Meu coração parou quando colidimos com a mulher desconhecida, que voou alguns metros longes, caindo no chão em um estrondo.Deus, permita que ela não tenha
Percebi que de pouco em pouco tempo, a recepcionista vinha até a saleta e tentava me oferecer algo, mas eu sempre negava. Minha mãe demorou mais tempo do que eu esperava ser saudável para minha sanidade mental.Quando ela retornou, eu estava desesperado.— Então mãe, como ela está? — praticamente implorei por notícias.— A situação é bem delicada meu filho, seu pai disse que a garota fraturou o punho esquerdo e quebrou uma perna, que foi imobilizada pelo ortopedista, porém isso não foi o mais grave. Além de um traumatismo craniano severo, que ele precisou drenar parte do sangue que conseguiu, ela está com uma hemorragia interna, que até o momento, eles não localizaram seu foco. Devido isso, ela já teve duas paradas cardíacas.Enquanto ela ia falando, meu mundo foi desabando aos poucos.A cada nova informação, o meu desespero aumentava mais.Tudo culpa da Emilly, que me distraiu com sua loucura, eu nunca iria perdoá-la se essa moça morresse. Eu nunca iria me perdoar.— Mas você conhece