O silêncio que preenchia o apartamento parecia mais pesado naquela noite. A luz dourada das luminárias criava sombras dançantes nas paredes, enquanto eu terminava de arrumar a mesa do jantar. Tudo estava impecável, como Leonardo preferia: pratos alinhados, talheres polidos e o vinho que ele escolheu descansando na temperatura perfeita. Era o tipo de perfeição que parecia mecanizada, mas que eu começava a entender como uma extensão de quem ele era. Leonardo estava na sala, revisando algo no laptop, como sempre. Seu semblante era impenetrável, mas eu me peguei observando mais do que deveria. Ele nunca parecia relaxar de verdade, nem mesmo na segurança de sua própria casa. Havia algo em seus ombros tensos, na forma como sua mão às vezes hesitava antes de digitar, que sugeria um cansaço que ele nunca admitiria. Eu me aproximei, hesitante. — O jantar está pronto. — Minha voz soou mais calma do que eu me sentia. Ele ergueu o olhar, os olhos azuis penetrantes analisando-me por um breve s
A manhã começou com uma mensagem breve de Leonardo, informando-me sobre um almoço familiar na mansão. Não havia pedido, apenas a expectativa silenciosa de que eu comparecesse. Enquanto me preparava, cada detalhe parecia carregar um peso: a escolha do vestido, a maquiagem, o penteado. Tudo precisava ser impecável, um reflexo da perfeição que ele exigia de nós como casal. No caminho, Leonardo parecia mais introspectivo do que o habitual. O silêncio entre nós era quase palpável, mas sua expressão inabalável sugeria que ele já antecipava o que estava por vir. Quando a mansão surgiu à nossa frente, grandiosa e imponente, senti o ar se tornar mais denso. Eu sabia que aquele não seria apenas um simples almoço; seria um teste. E todos ali estariam prontos para avaliar cada palavra, cada gesto meu. A mansão parecia ainda maior e mais imponente à luz do dia. Cada detalhe exalava riqueza, desde o portão de ferro forjado até os jardins impecavelmente cuidados que pareciam ter sido tirados de u
Point’s Of View LeonardoA mansão estava quieta após o almoço, mas meu corpo permanecia em estado de alerta. Sempre era assim depois de encontros familiares. O silêncio não era um alívio; era uma preparação para o próximo golpe. Eu odiava esses almoços, mas eles eram necessários. Manter aparências era parte do jogo que todos jogávamos.Isabella tinha ido para o jardim, provavelmente tentando digerir a hostilidade velada de minha madrasta e os comentários de Ricardo. Ela era perceptiva; eu sabia que notaria a tensão que sempre rondava essas reuniões. Mas a última coisa que eu queria era envolvê-la nisso.Ricardo me esperava no escritório do meu pai, como sempre. Ele gostava de usar aquele espaço, como se quisesse marcar território em algo que nunca seria dele. Entrei sem bater, fechando a porta atrás de mim.— Não vai mudar nada, você sabe disso — falei antes que ele pudesse dizer qualquer coisa.Ricardo estava inclinado sobre a escrivaninha, folheando papéis que não tinham importância
Point's Of View IsabellaO apartamento estava mergulhado no silêncio habitual, quebrado apenas pelo som suave de meus passos enquanto terminava de organizar a sala. Era uma rotina que eu havia desenvolvido para não me perder completamente no vazio daquela vida. Algo sobre manter as coisas em ordem parecia trazer um senso mínimo de controle, mesmo que ilusório.Eu estava ajustando uma almofada no sofá quando a campainha soou, inesperada e insistente. Franzi o cenho, encarando a porta por alguns segundos antes de caminhar até ela. Quando abri, fiquei cara a cara com Ricardo, vestindo seu habitual ar de superioridade.— Espero não estar atrapalhando — ele disse, um sorriso que parecia mais uma arma estampado no rosto.— Ricardo — respondi, sem esconder minha surpresa. — Não esperava você aqui.— Achei que seria bom ver como você está se adaptando à vida de senhora Ferraz. Afinal, não é todo dia que alguém entra em um mundo como este.Apesar de seu tom leve, senti a provocação nas entreli
O aroma estéril do hospital não era mais estranho para mim. O corredor comprido e silencioso, pontuado pelo som distante de passos apressados e monitores cardíacos, havia se tornado parte da minha rotina. Durante as últimas semanas, visitar minha mãe era uma espécie de refúgio. Aqui, pelo menos, não havia olhares julgadores ou jogos de poder. Só eu, ela e uma bolha de tempo que parecia congelar os problemas do lado de fora.Abri a porta do quarto devagar, com um sorriso suave que tentava mascarar o turbilhão dentro de mim. Lá estava ela, sentada na poltrona próxima à janela, com o cabelo um pouco mais curto e mais frágil do que eu lembrava, mas com os olhos sempre brilhantes, cheios de uma luz que me fazia acreditar que tudo ainda poderia dar certo.— Isabella, meu anjo! — ela exclamou assim que me viu.O calor em sua voz me atingiu como um abraço. Entrei, segurando uma pequena sacola com flores frescas e um livro que havia comprado para ela no caminho.— Trouxe sua autora favorita —
O apartamento estava em silêncio, o tipo de silêncio que amplificava os pensamentos e tornava impossível ignorar o vazio. Sentei no sofá da sala, as luzes da cidade piscando através das enormes janelas da cobertura. A conversa com minha mãe ecoava na minha mente. Ela parecia tão feliz, tão otimista, e o peso da mentira me esmagava. Por mais que eu justificasse para mim mesma que era por ela, a culpa permanecia.Fiz uma tentativa de afastar os pensamentos, mas era inútil. A solidão da cobertura era quase palpável, como se o espaço luxuoso tivesse sua própria forma de me lembrar do que faltava. Peguei o celular, hesitei por um momento e decidi enviar uma mensagem para Leonardo.– Voltei do hospital.A resposta veio quase de imediato.– Como ela está?A simplicidade da pergunta me desarmou. Ele não era alguém que demonstrava preocupação abertamente, mas havia algo naquele gesto que me fez respirar mais fundo.– Melhor. Está reagindo bem ao tratamento.– Fico feliz por ela.Ler aquelas pa
O sol entrava pelas enormes janelas, iluminando os tons neutros e sofisticados da decoração. Eu já estava acostumada com o som das minhas próprias respirações e os ecos leves dos meus passos pelo chão de mármore. Mas naquela manhã, algo parecia diferente.Leonardo estava na cozinha. Não na sala de jantar, onde normalmente esperava que o café fosse servido. Ele estava de pé, ao lado da cafeteira, mexendo em algo enquanto segurava uma xícara. A imagem era tão improvável que eu demorei alguns segundos para me aproximar.— Bom dia, Isabella. — Sua voz cortou o silêncio antes que eu dissesse algo. Ele não olhou para mim imediatamente, apenas terminou de mexer o café e o colocou sobre a bancada. — Dormiu bem?Eu hesitei. Leonardo raramente fazia perguntas tão... triviais. Não havia um tom autoritário ou frio dessa vez, apenas um interesse casual que, vindo dele, parecia quase deslocado.— Sim, dormi. E você? — respondi, tentando soar tão casual quanto ele.Ele me olhou de relance, com um le
A noite parecia igual a tantas outras desde que comecei a viver na cobertura de Leonardo. A chuva batia insistentemente contra os vidros das janelas, criando um som ritmado que, de certa forma, era mais reconfortante do que o silêncio esmagador daquele espaço imenso e vazio. Eu estava na sala, tentando terminar um livro que havia começado dias atrás, mas minha mente continuava voltando à conversa com minha mãe."Como conseguimos pagar o tratamento?" A pergunta dela ecoava na minha cabeça como um sino. Não era a primeira vez que me sentia culpada, mas naquela noite a culpa parecia pesar ainda mais. Talvez porque eu soubesse que o preço do que estávamos vivendo era mais alto do que imaginávamos.De repente, as luzes piscaram uma vez, depois outra. O som constante da chuva se intensificou, acompanhado de trovões. A eletricidade se foi, mergulhando a cobertura em uma penumbra inquietante.– Ótimo – murmurei para mim mesma, fechando o livro. Tentei acender o abajur ao meu lado, mas nada ac