Point’s Of View LeonardoA mansão estava quieta após o almoço, mas meu corpo permanecia em estado de alerta. Sempre era assim depois de encontros familiares. O silêncio não era um alívio; era uma preparação para o próximo golpe. Eu odiava esses almoços, mas eles eram necessários. Manter aparências era parte do jogo que todos jogávamos.Isabella tinha ido para o jardim, provavelmente tentando digerir a hostilidade velada de minha madrasta e os comentários de Ricardo. Ela era perceptiva; eu sabia que notaria a tensão que sempre rondava essas reuniões. Mas a última coisa que eu queria era envolvê-la nisso.Ricardo me esperava no escritório do meu pai, como sempre. Ele gostava de usar aquele espaço, como se quisesse marcar território em algo que nunca seria dele. Entrei sem bater, fechando a porta atrás de mim.— Não vai mudar nada, você sabe disso — falei antes que ele pudesse dizer qualquer coisa.Ricardo estava inclinado sobre a escrivaninha, folheando papéis que não tinham importância
Point's Of View IsabellaO apartamento estava mergulhado no silêncio habitual, quebrado apenas pelo som suave de meus passos enquanto terminava de organizar a sala. Era uma rotina que eu havia desenvolvido para não me perder completamente no vazio daquela vida. Algo sobre manter as coisas em ordem parecia trazer um senso mínimo de controle, mesmo que ilusório.Eu estava ajustando uma almofada no sofá quando a campainha soou, inesperada e insistente. Franzi o cenho, encarando a porta por alguns segundos antes de caminhar até ela. Quando abri, fiquei cara a cara com Ricardo, vestindo seu habitual ar de superioridade.— Espero não estar atrapalhando — ele disse, um sorriso que parecia mais uma arma estampado no rosto.— Ricardo — respondi, sem esconder minha surpresa. — Não esperava você aqui.— Achei que seria bom ver como você está se adaptando à vida de senhora Ferraz. Afinal, não é todo dia que alguém entra em um mundo como este.Apesar de seu tom leve, senti a provocação nas entreli
O aroma estéril do hospital não era mais estranho para mim. O corredor comprido e silencioso, pontuado pelo som distante de passos apressados e monitores cardíacos, havia se tornado parte da minha rotina. Durante as últimas semanas, visitar minha mãe era uma espécie de refúgio. Aqui, pelo menos, não havia olhares julgadores ou jogos de poder. Só eu, ela e uma bolha de tempo que parecia congelar os problemas do lado de fora.Abri a porta do quarto devagar, com um sorriso suave que tentava mascarar o turbilhão dentro de mim. Lá estava ela, sentada na poltrona próxima à janela, com o cabelo um pouco mais curto e mais frágil do que eu lembrava, mas com os olhos sempre brilhantes, cheios de uma luz que me fazia acreditar que tudo ainda poderia dar certo.— Isabella, meu anjo! — ela exclamou assim que me viu.O calor em sua voz me atingiu como um abraço. Entrei, segurando uma pequena sacola com flores frescas e um livro que havia comprado para ela no caminho.— Trouxe sua autora favorita —
O apartamento estava em silêncio, o tipo de silêncio que amplificava os pensamentos e tornava impossível ignorar o vazio. Sentei no sofá da sala, as luzes da cidade piscando através das enormes janelas da cobertura. A conversa com minha mãe ecoava na minha mente. Ela parecia tão feliz, tão otimista, e o peso da mentira me esmagava. Por mais que eu justificasse para mim mesma que era por ela, a culpa permanecia.Fiz uma tentativa de afastar os pensamentos, mas era inútil. A solidão da cobertura era quase palpável, como se o espaço luxuoso tivesse sua própria forma de me lembrar do que faltava. Peguei o celular, hesitei por um momento e decidi enviar uma mensagem para Leonardo.– Voltei do hospital.A resposta veio quase de imediato.– Como ela está?A simplicidade da pergunta me desarmou. Ele não era alguém que demonstrava preocupação abertamente, mas havia algo naquele gesto que me fez respirar mais fundo.– Melhor. Está reagindo bem ao tratamento.– Fico feliz por ela.Ler aquelas pa
O sol entrava pelas enormes janelas, iluminando os tons neutros e sofisticados da decoração. Eu já estava acostumada com o som das minhas próprias respirações e os ecos leves dos meus passos pelo chão de mármore. Mas naquela manhã, algo parecia diferente.Leonardo estava na cozinha. Não na sala de jantar, onde normalmente esperava que o café fosse servido. Ele estava de pé, ao lado da cafeteira, mexendo em algo enquanto segurava uma xícara. A imagem era tão improvável que eu demorei alguns segundos para me aproximar.— Bom dia, Isabella. — Sua voz cortou o silêncio antes que eu dissesse algo. Ele não olhou para mim imediatamente, apenas terminou de mexer o café e o colocou sobre a bancada. — Dormiu bem?Eu hesitei. Leonardo raramente fazia perguntas tão... triviais. Não havia um tom autoritário ou frio dessa vez, apenas um interesse casual que, vindo dele, parecia quase deslocado.— Sim, dormi. E você? — respondi, tentando soar tão casual quanto ele.Ele me olhou de relance, com um le
A noite parecia igual a tantas outras desde que comecei a viver na cobertura de Leonardo. A chuva batia insistentemente contra os vidros das janelas, criando um som ritmado que, de certa forma, era mais reconfortante do que o silêncio esmagador daquele espaço imenso e vazio. Eu estava na sala, tentando terminar um livro que havia começado dias atrás, mas minha mente continuava voltando à conversa com minha mãe."Como conseguimos pagar o tratamento?" A pergunta dela ecoava na minha cabeça como um sino. Não era a primeira vez que me sentia culpada, mas naquela noite a culpa parecia pesar ainda mais. Talvez porque eu soubesse que o preço do que estávamos vivendo era mais alto do que imaginávamos.De repente, as luzes piscaram uma vez, depois outra. O som constante da chuva se intensificou, acompanhado de trovões. A eletricidade se foi, mergulhando a cobertura em uma penumbra inquietante.– Ótimo – murmurei para mim mesma, fechando o livro. Tentei acender o abajur ao meu lado, mas nada ac
O dia tinha começado de forma monótona, mas eu estava estranhamente inquieta. Andava pela cobertura tentando ocupar minha mente com qualquer coisa: reorganizar os livros, ajustar alguns quadros ou simplesmente limpar a cozinha. Era algo que eu não fazia com frequência — afinal, havia pessoas contratadas para isso — mas hoje eu precisava me sentir útil, no controle de algo, nem que fosse de um pequeno canto daquela casa que parecia tão grandiosa e, ao mesmo tempo, tão vazia.Decidi limpar uma das prateleiras altas da cozinha, onde algumas taças de cristal estavam guardadas. Peguei uma cadeira para alcançar melhor, embora soubesse que poderia pedir ajuda. Talvez fosse um pouco de teimosia, mas havia algo de libertador em resolver as coisas por mim mesma.Estava concentrada em tirar o pó da última fileira de taças quando senti o desequilíbrio. A cadeira oscilou e, antes que eu pudesse reagir, tudo aconteceu rápido demais. Meu corpo perdeu o apoio, e eu despenquei no chão. A dor irradiou
Point’s Of View LeonardoA noite começou tranquila, ou pelo menos assim parecia. Eu tinha decidido encerrar o dia cedo, mas algo na minha mente não me deixava relaxar. Talvez fosse o encontro mais cedo com Ricardo, ou talvez fosse Isabella. Ela estava na cozinha, perdida em pensamentos enquanto organizava algo no armário.Eu a observei à distância, sem ser notado, meus olhos seguindo seus movimentos. Ela sempre exalava uma combinação de força e teimosia que eu não conseguia ignorar. Havia algo diferente nela naquela noite, algo que parecia uma mistura de cansaço e inquietação.Voltei minha atenção para o vinho na minha taça, tentando ignorar a sensação incômoda que se instalava. O silêncio entre nós era algo com o qual eu estava acostumado, mas essa noite parecia mais pesado, como se algo estivesse prestes a acontecer.Então aconteceu.O som de vidro quebrando ecoou pela cobertura, e meu coração deu um salto.— Isabella? — Minha voz saiu mais alta do que eu pretendia enquanto me levan