O CONTRATO

      O jato particular trazendo Petrus Ritter, beijou a pista de pouso ao meio dia da semana seguinte. Levara a boa notícia para Angelina e esta ficara contente por ser alguém da extrema confiança dele, afinal, durante mais de trinta anos Petrus fora um trabalhador minucioso, exemplar e ajudara demais na ascensão do grupo Mallmann. Só ainda não sabia por qual assunto começar a contar a Saymon, sobre sua decisão meio maluca, no entanto, prudente.

      Após uma noite de altos e baixos, Saymon Diehl Stein, ainda encontrava-se dormindo. Angelina estava prestes a interceptar a entrada de acompanhantes luxuosos na sua residência, pois aquilo manchava demais o nome da Mallmann no mercado, ainda que fosse a coisa mais natural mundo à fora. Seus preceitos cristãos, no entanto, a impedia de concordar com tamanha vergonha. 

     Pediu a Claire, sua fiel empregada, para chamá-lo. Claire Kuhn, era uma mulher na casa dos cinquenta e cinco anos e ajudou na educação de Saymon quando mais novo, porém o rapaz sempre foi rebelde e preferia andar com más companhia, arrasando Angelina e Herbert. Ela bateu duas vezes na madeira e demorou alguns instantes até ela ser aberta, revelando um Saymon explodindo de ressaca.

— Qual foi da vez, Clarie? — ele perguntou esfregando os olhos.

— Sua mãe mandou chamá-lo. Aguarda por ti na sala.

     Ele repousou o braço nu na porta e Claire desviou o olhar. Saymon estava praticamente desnudo, usava apenas uma sunga deixando à mostra o corpo perfeito conquistado durante mais de três anos de academia, o vício mais longo de toda a sua vida.

     Ele sorriu da atitude de Claire e entrou no quarto sacudindo a cabeça em negação.

— Entre. Procure uma roupa adequada pra mim! — asseverou apanhando uma toalha da gaveta de seu guarda-roupa e enrolando-a na cintura. — Sabe qual o motivo da reunião inesperada? 

    Claire foi firme na resposta.

— O Dr. Ritter está lá embaixo.

     Saymon suspirou fundo e virou-se para encarar Claire no meio do quarto, impassível.

— Mas que homem insuportável, em? Selecione uma dessas roupas de pinguim que minha mãe mandou você comprar e deixe sobre a cama. Vou tomar um banho.

    Claire assentiu. 

    Saymon, então, caminhou para o banheiro. À noite havia sido longa demais e ainda lembrava-se perfeitamente de certos trechos. Principalmente quando Mia fez-o gemer propositalmente. Sorriu apoiando os braços torneados na parede do box e apertando o botão de água fria para mandar embora aquela sensação de vê-la outra vez. Afinal, a garota não passava de uma quente costela à qual logo encontraria outro parceiro para aquecê-la. 

    Esqueceria quando estivesse preso naquela cadeira e lendo diversos contratos, recebendo ligações ou à visita inesperada de algum acionista. Não havia nascido para os negócios, ele sabia disso e falava abertamente. Porém, Angelina, sua mãe, o obriga a seguir os passos de Herbert, seu marido. Ela desejava que Saymon fosse tão competente quanto o esposo. Mas não era. Ele não passava de um rosto bonito na casa dos vinte e oito anos, o qual perdeu a maior parte da vida fazendo coisas inúteis e gastando fortunas.

     Se isso era lamento para Saymon Stein? Não, não era. Terminara o ensino médio com as piores notas de todos os mais incompetentes dos seus amigos. Odiava somar, multiplicar, raciocinar. Era um completo vagabundo e essa escolha de Saymon foi o bastante para Herbert suspender todas as vontades do filho, deixando-o à mercê da ajuda de Angelina, a maior culpada pelo ser humano rude e ignorante o qual Saymon tornara-se.

    De banho tomado, ele voltou ao quarto e se arrumou. Ficava parecendo maduro naquela peça de vestuário e consequentemente, confundido com um ótimo empresário: determinado, bom de palavras e otimista. Conquanto, Saymon era o contrário disso tudo. Na juventude, pensara em ser modelo, tinha o físico e aparência agradável, mas logo no seu primeiro tropeço foi mandado embora. Entrara para um grupo de teatro, outra vez, falhou. Até era competente, contudo as más influências sempre distorciam o guerreiro que um dia pudesse se tornar.

   Amaldiçoado pela vida, Saymon só precisava curtir os anos que ainda restava para ele, assim como gastar o dinheiro de sua mãe e engrandecer apenas num mundo criado por ele. Angelina perdia aos poucos o marido, o filho, bom, este perdera-se ao nascer. 

   Saymon passou perfume e ajeitou o cabelo. Se olhou no espelho e notou o quão bonito ficava. Branco dos olhos azuis acinzentados e cabelos negros. O nariz reto e anguloso, rosto harmonioso, marcante e lábios avermelhados. Herdara tudo dos mais intensos arianos, pusera à magnificência toda dos alemães para fora. Tratou de colocar a gravata, pegar a maleta com diversos contratos e descer o lance de escadas.

   Ao ouvir os passos do filho, Angelina e Petrus se levantaram. Os nervos tomando conta de suas peles, o suor encharcando o colarinho.

— Até que enfim. Mais de meia hora. — Angelina conferiu o relógio de pulso. — Cheirou qual droga durante à madrugada? Uma bem pesada, me parece.

    Saymon sorriu ao pé da escada.

— Não, mãezinha, foi algo bem mais maravilhoso. Uma dose de amor quente e voraz. — sorriu acenando para Petrus e fingindo estar contente com a visita do advogado supervisor. — Que traz o mais pacífico dos medianeiros da Mallmann, aqui?

— Negócios. — expressou o advogado já de cabelos grisalhos.

— Como sempre. — disse Saymon deixando a maleta sobre a mesinha e sentando. — Estou ouvindo. Qual o assunto?

     Petrus fitou Angelina cordialmente, não sabia qual seria a reação de Saymon. Então tirou o contrato assinado por Adam semana passada e entregou ao rapaz, que analisou cautelosamente.

— Quem é Adam Schulz Becker, Petrus? — ele indagou curioso e desceu com os olhos mais para baixo. — E por que estamos firmando um contrato com ele por quatro milhões de dólares mensais? 

    Saymon fechou o contrato e estendeu a Petrus, que o guardou na pasta.

— É meu sobrinho.

— Tá ficando entendido agora. Quer colocar sua família toda na minha empresa? — fungou— A senhora tem um dedinho podre, em Dona Angelina. Qual dos dois vai começar a explicar a razão deste contrato?

— Não é nada disso, Saymon. 

— Se não é isso, é oque? Algum tipo de lavagem de dinheiro? Porque se não for, alguma coisa aí está muito estranha. — conjecturou. 

    Petrus voltou a olhar para Angelina, seria a vez dela de começar a explicar a razão do contrato.

— Filho? — ela o chamou complacente. — Eu pedi ao Dr. Ritter para procurar alguém capacitado afim de auxiliar você na empresa. Só quero seu bem e o bem da Mallmann. Por isso do contrato... ele foi atrás do sobrinho dele.

— Ainda não entendi o motivo disso tudo. — afirmou se levantando. — Ainda acha que sou um inútil, mãe?

— Não é isso, meu filho...

— É isso sim. A senhora não confia em mim e pediu ajuda do seu amigo para encontrar alguém mais capacitado afim de me instruir, como se eu não fosse o dono daquela empresa. — botou tudo boca à fora. — Que fique bem claro que não aceito.

    Angelina entrou em desespero. Era uma mulher já de idade avançada, na casa dos cinquenta e quatro anos, e suas forças vitais para comandar a empresa esvaira-se.

— A Mallmann é tão minha quanto sua, Saymon. A decisão está tomada, o sobrinho de Petrus chegará amanhã. Já pedi para o Charles contratar uma empresa para fazer a reforma da minha antiga sala. — Saymon a encarou com desprezo no olhar. — Agora vá trabalhar. Ainda quer que eu o ache competente o bastante saindo mais de uma da tarde para assumir um posto o qual começa muito cedo. Venha, Petrus! Vamos conversar melhor no escritório.

    Assim que Angelina conduziu Petrus para o outro lado da mansão, Saymon pegou a primeira coisa que viu pela frente e atacou contra à parede. O choque inevitável lhe trouxe de volta à realidade. Claire o fitava amedrontada, a poucos metro.

— Meu Saymon, onde falhei contigo? — ele encontrou a voz chorosa da empregada. — Me responda para que possa consertar!

— Não existe conserto. Mande alguém a limpar essa sujeira.

     E saiu pisando firme. 

     Saymon não era um rapaz mal ou incontrolável, apenas tivera uma educação e amor familiar reduzido, e a ausência dos pais o levara a um caminho sem retorno. Não havia atalho ou quaisquer meios, somente círculos que sempre o conduzirão à mesma estaca.

     Chegara a Rose Ruschel nas últimas. Pensara bastante nas palavras da mãe e no que elas significavam no momento, nunca permitiria qualquer pessoa tomar decisões por ele. Jamais!

    Caminhou até à recepção, pegou a chave e dirigiu para o último andar, onde ficava a sala da presidência. Saiu do elevador e foi à sua secretária.

— Boa tarde. Que temos pra hoje senhorita...

— Raven, senhor. — informou a seguir. — Apenas a leitura do orçamento mensal, a contratação do auxiliar administrativo e...

— Cancele tudo e peça para o Aaron vir até a minha sala com urgência.

— Cancelar? Mas a reunião orçamentária é essencial, senhor! — explanou a morena, certificando-se mais de uma vez. — Os japoneses marcaram há um mês.

— Tô nem aí. Cancela e remarca pra amanhã. 

     Raven afirmou, afinal ele era seu patrão e cabia a ela cumprir tais ordens, ainda que fosse enfrentar os não amigáveis japoneses. 

    Ligou para Aaron e pediu para este ir ao encontro do chefe. 

    Saymon entrou na sala e encostou à porta. Arrumou vagamente a mesa e certificou-se de que nada o atrasaria. Tinham muitos assuntos a serem tratados e uma leva de funcionários a ser demitidos. Faria isso mais tarde. Mas no momento sua cabeça e seus pensamentos centralizavam na hipótese de ser auxiliado por alguém e isso não estava nos seus planos.

   Sentado e à espera de Aaron, Saymon pediu um uísque à secretária e voltou aos conflitos internos. Sete minutos depois, Aaron apareceu na porta.

— Mandou me chamar? 

— Sim, entre. — Saymon indicou à poltrona ao rapaz. — Preciso de alguns conselhos e como você é meu primo mais bem sucedido da família, talvez me ajude.

     Aaron Sperb era o diretor financeiro do G-MECA, o Grupo Mallmann Enterprises Construção & Advocacia, há sete meses. Era formado em economia na Universidade de Hoffman, a segunda mais importante do país, atrás somente de Valenza, no estado do Lassen, em Thyssen, capital de Ashton City, Lacerda, e Thirro. Com trinta e dois anos de idade, Aaron era visto pela tia, Angelina, como o futuro sucessor dela quando não estivesse mais em condições de comandar a cadeira de vice-presidente. Isso causava certo desconforto em Saymon, ainda que ambos parecessem próximos.

— Quais seriam estes conselhos, Saymon Stein? — o loiro perguntou, curioso. 

    Saymon mal sabia por onde começar. Fora surpresa acordar e encarar a realidade fútil dos fatos. Sabia que Aaron manteria a postura formal, afinal, era chefe dele. Mas quando saísse pela porta? As palavras sufocavam-o. Suspirou.

— Minha mãe se uniu ao Petrus para fazer um conselho paralelo e comandar a Mallmann.

    Aaron debruçou o corpo na poltrona e entrelaçou os braços torneados acima dos peitos.

— Um conselho paralelo, Saymon? De onde tirou isso?

— Ela mesmo afirmou. Mandou que o Petrus procurasse um auxiliar administrativo para me assessorar em tudo. Conferir meus passos e perturbar meus neurônios. — relatou, por fim. — E o miserável contratou um tal sobrinho dele por quatro milhões de dólares mensais. 

    Aaron engoliu em seco. Ninguém o comunicou sobre nada, já que era o diretor financeiro da empresa.

— Tudo isso? Tá brincando comigo, não é mesmo? Ninguém falou nada sobre um novo contratado. — Aaron defendeu-se. — Mas não é uma má ideia ter alguém capacitado auxiliando você. Ainda está aprendendo a lidar com críticas, reuniões, prêmios e viagens. Acho que será uma boa. E Petrus é super competente.

     Saymon revirou os olhos e apertou a caneta esferográfica entre as mãos.

— E tudo isso que te falei? Eu não sei quem é o escolhido de Petrus, mas sou contrário à ideia mirabolante da mamãe. Fale com ela, Aaron, sei que irá te ouvir. É doloroso, mas ela prefere tu a mim. — aquilo o feria, era fato, mas também não podia esconder a realidade. — Tente, só isso. Ou todo mundo me verá como inútil.

     Aaron secou o suor com um lenço e pensou um instante. Seria muito mais difícil entender os problemas reais da empresa com Saymon no controle, mas havendo alguém acessossarando, talvez as coisas ficassem mais brandas.

— Sua mãe é dona disso tudo. Ela sabe o que faz. Tem quarenta e oito por cento das ações, seu pai cinquenta e você, meu primo, apenas dois. — ele juntou os fatos para ser direto e coerente. — Pensa comigo: Tu só está aqui porque o tio Herbert prossegue doente e ela precisa cuidar dele. Ninguém nesta empresa está de acordo com as suas decisões e vou ser sincero, nem eu. Se ela mandou fazer isso, é porque a gravidade do problema a atormenta demais. 

      Saymon suspirou agudo. Talvez o primo tivesse mesmo razão. 

— E se eu por acaso aceitar fazer parte dessa loucura?

— Aí terá duas mentes pensando no bem-estar da Mallmann. Admito, não é o que queríamos, mas é o que temos ao alcance. Não é a solução, porém, é o caminho a trilhar.

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