A REUNIÃO

— Caminho? 

— Ao meu ver, sim. — Aaron articulou, levantando-se. — Talvez seja a oportunidade perfeita de usar a sabedoria do seu instrutor e mostrar a todos, inclusive aos meus tios, o quão responsável você é.

    Aaron tinha razão e suas palavras foram como um impulso. Saymon sorriu ao decorar a cena e enfatizar dramas, derrotas e alegrias. Tudo digno do Oscar. Seria o filme da sua vida. Filme não, à série mais assistida de todos os tempos, onde os mais importantes se tornaram relés depositadores de grana. E ele, o CEO, mais respeitado.

— Agora eu entendi porque é tão ambicioso, Aaron.

— Um homem sem ambição, Saymon, não é homem. E um pouco mais dela não faz mal a ninguém, faz? 

     Saymon sorriu. 

— De jeito algum.

— Mas fale um pouco sobre o seu tutor. Vem do Japão? China? Estados Unidos? — debochou. 

— Thyssen. 

— Oh, sim, sobrinho do Petrus. Certo?

— Certo. O nome dele é Adam, me parece.

     Aaron ergueu uma sobrancelha, franzindo o cenho e voltando a sentar.

— Adam Schulz Becker? É esse o nome do tutor?

— Parece que sim. — Saymon apertou a cabeça em lembrança. — É, esse tal de Adam Schulz Becker.

— Minha nossa, talvez tenha sido por isso que o salário saiu tão alto.

— Do que está falando? Você conhece meu tutor?

     Aaron assentiu. Pegou o celular do bolso da calça e pareceu digitar alguma coisa e esperou dois segundos até a pesquisa surtir efeito.

— Adam Schulz Becker. Vamos ver o que tem aqui sobre você — o rapaz rolou a tela e começou: — "Nascido no Distrito de Telenza, no interior de Ashton City, Adam Schulz Becker, é filho de Peter Schneider Becker e Anneliese Ritter Schulz. Herdeiro da Advocacia Neumann, à qual recebe o último sobrenome de seu falecido avô, o jovem formado em Direito e Administração em Valenza, a universidade mais promissora de Nebrava, agora começa sua vida jurídica como assistente do renomado advogado Tom Scherer."

     Saymon sentiu um pouco de ciúme. Mas Aaron nem se importou e prosseguiu.

— Parece que o cara é uma máquina de inteligência. — analisou o texto profundamente: — "Aos vinte e cinco anos, ele tentará uma carreira como tutor de Saymon Diehl Stein, futuro CEO, do G-MECA, grupo Mallmann Enterprises. Cotado pelo tio, Petrus Ritter, a vida de Adam parece que vai dar um salto nas estrelas. O jeito egocêntrico e a impávida beleza do jovem renomado, talvez seja o único obstáculo por conta da bissexualidade de Saymon Stein, o menos qualificado do Grupo Mallmann. Texto pela Direção de Mídia Todos Pela Fofoca, de Arnold Hoff. Thyssen, vinte e quatro de maio e dois mil e dezoito."

    Saymon estremeceu os músculos e suspirou.

— Processe este canal agora.

     Aaron riu.

— Que eles falam demais sobre você? 

— Tudo. Expuseram minha bissexualidade de uma forma imoral, aliando opção a interesse e negócios— reclamou se levantando. — E o cara nem deve ser tão bonito assim capaz de causar qualquer tipo de ereção.

     Aaron selecionou uma imagem e mostrou o celular em direção ao primo. Saymon apanhou o aparelho e analisou profundamente a foto: Loiro, olhos azuis, branco, sorriso bonito; corpo atlético, vestia-se bem. O que poderia dar errado?

— Talvez haja problema, mas... nunca que vou chegar próximo desse cara. Ele tem um jeito psicopata, Aaron. Deve ser da mesma laia que o tio.

— Eu o defendo?

— Que? Tá falando sério?

— Sim, Saymon. Adam Becker é leigo, não é como você. O vi diversas vezes em Valenza, conversamos, trocamos ideia, era um bom aluno e excelente rapaz. Se eu não tivesse me transferido para Hoffman, seríamos grandes amigos. — esclareceu Aaron, se erguendo da cadeira. — Vocês irão tratar sobre negócios, apenas isso. Tente ser um bom ouvinte, aí tudo se torna amigável.

— Amigável? — Saymon riu com um certo tom de sarcasmo— Não irei amenizar a vida dele nenhum segundo.

    Aaron sacudiu a cabeça. Não estava ouvindo aquilo. Era demais até para seus ouvidos. 

— Oh, cara, ver se cresce. Você será o patrão dele, e ele o seu empregado, deve haver respeito.

— E se não houver? — Saymon indagou.

— Aí é contigo. Só não apronta mais. Tô cansado de ficar te ouvindo e tudo permanecer na mesma. Vou tratar dos meus negócios, e fica tranquilo, o que há de dar errado?

    Ele não sabia explicar, mas alguma coisa haveria de acontecer. Saymon devolveu o celular a Aaron, e este saiu de seu campo visionário. Endireitou-se na confortável cadeira e deu uma volta em torno, pensando. Quiçá, não fosse complicado, saberia lidar com o tutor, como lidava com Wagner, seu cão de estimação, um pitbul negro de olhos vazios e humor impenetrável.

    A tarde finalmente terminou. O crepúsculo tomava de conta dos céus, os diversos tons de cores contrastando uma com as outras, trazia ao olhar de Saymon, um prenúncio de que logo sua vida se endireitará. Saiu às pressas da Mallmann, sem contactar ninguém, afinal, seu período de trabalho terminava às seis da tarde, aquele dia levara até um pouco mais das sete.

   Chegara em Rose Ruschel, lá pelas nove da noite. Tudo porque resolvera passar num bar antes. Tomou uma dose de uísque e deixou por isso mesmo. Agradeceu por não esbarrar com Angelina àquela hora, fora para o quarto, tomou banho e desceu até à sala, precisava de um momento sozinho antes do jantar ser servido. Escolheu uma série qualquer no canal pago e assistiu dez minutos da programação quando, finalmente, teve sua paz violada.

   Angelina, sua mãe, chegara atrasada da casa de repouso onde o marido estava internado e nas mãos de excelentes profissionais. Trancara à porta quando entrou e jogou a bolsa sobre o sofá, encarando o filho a uma curta distância. 

— Seu pai mandou uma lembrança. — ela avisou. 

     Saymon travou o maxilar e a olhou com canto de olho.

— Sério que ele ainda se lembra de mim, mãe? 

     A pergunta foi proposital. Lógico que lembrava, claro, com dificuldades, mas recordava-se.

— Não brinque com isso, filho. O estado do seu pai é delicado. — Angelina sentou na poltrona ao lado do sofá avermelhado e cruzou as pernas delicadamente. — Como foi no trabalho? — resolveu mudar de assunto.

— Bem, muito bem. Mas se quer saber sobre sua mirabolante ideia. — Saymon desligou a televisão e levantou. — Parabéns, conseguiu. Amanhã o meu tutor chega aqui em Thirro.

     Ele saiu caminhando a passos firmes até a cozinha. Ela o seguiu.

— Que bom que aceitou, meu amor.

— Não aceitei. Fui intimado, afinal de contas, a senhora é a dona da Mallmann Enterprises, agora! — exclamou.

    Ele passou pela cozinha e abriu a porta da sala-de-estar. Puxou uma cadeira e sentou cordialmente.

— Você ainda vai me agradecer um dia por isso. Anota.

— Talvez sim. Mas no momento eu tenho receio da senhora. 

     Angelina era uma mulher ambiciosa, estava querendo ajudar seu filho, mas alimentando à vontade de continuar rica e famosa.

— Sei que tem. Sempre teve. Porém, somos uma família.

     Ele balançou a cabeça em negação. 

— À sua família, é a senhora. A minha família, sou eu.

     Ela sentiu o peso de cada palavra. Foi como se estivesse recebendo diversas punhaladas ao longo do corpo.

— Por que age assim comigo, Saymon? Não sou o monstro que ensaiou na cabeça. Sou sua mãe. — ela atestou. 

— Às vezes eu a vejo como uma mulher. Uma mulher fraca que não soube zelar pelo seu papel de mãe. — ele expôs com todas as letras. — Sabe o que pedi à senhora? Não, talvez não se recorde. Era quando eu dormia uma vez comigo quando mais criança. Agora eu cresci e a culpa de eu não ser um nada, é toda sua.

    Angelina baixou a cabeça e sorriu. Sabia que falhou tentando acertar, e Saymon era a prova viva de seu fracasso.

— Minha culpa?

   Ele assentiu.

— Seu avô era um alcoólatra e sua avó uma prostituta, e olha pra mim, Saymon? Sou uma mulher independente que conquistou tudo estudando e dando duro. Acordando cedo e passando pelas maiores dificuldades da vida, mas não me reclamo — foi a vez dela ditar as regras. — Você não passa de um garoto mimado. E, sim, talvez eu tenha fracassado como mãe, e me arrependo muito de não ter te dado uma boa surra, quem sabe assim não tivesse se tornado alguém mais simpático e menos arrogante.

    Angelina deixou a cozinha num piscar de olhos. Saymon, óbvio, uma vez mais sem saída e errado. O jantar fora frustrante, tive de comer sozinho, e parecia que a comida não queria descer definitivamente. Resolveu ir para o quarto, escovou os dentes e se jogou sobre a cama, adormecendo.

    No dia seguinte, bem cedo, já estava de pé. A curiosidade em conhecer o tutor, o deixa dormir durante a madrugada, além, claro, da discussão que teve com Angelina antes do jantar. Devia desculpas a ela, porém, no momento, preocupava-se somente em mostrar o quão responsável ficaria a partir daquele dia. Jurara para si mesmo, e cumpriria.

    Preferia não perder tanto tempo no café. Comeu duas fatias de bolo e tomou um gole do suco, deixando o estômago vazio para o almoço, quando teria mais tempo sobrando e não faria tudo às pressas. Convocou o motorista na garagem e, alguns minutos depois, Heitor o levou para a empresa. 

   Raven lutou ao ligar para os celulares de todos os membros do Grupo Mallmann Enterprises Construção & Advocacia. Fizera horas extra no trabalho, mas deu conta de tudo, exatamente como o patrão lhe pediu no dia anterior. 

   Chegou cedo para ajudar as demais secretárias na arrumação da sala de reuniões. Deixaram tudo em ordem antes das sete da manhã. Aos poucos os membros do conselho foram chegando, entrando e ficando à vontade, aliás a casa também era deles, nada melhor que se sentir confortável num ambiente tão pesado.

     Saymon chegou na empresa às sete da manhã, cumprimentou os diretores e procurou vestígios do primo, Aaron, porém não o localizou. Necessitava da pasta orçamentária urgente, então preceitua que Raven ficasse a par de tudo. No tempo antes da reunião exaustiva, ele deu uma lida no que iria falar, prescrever e conjecturar. Tudo na perfeita sincronia. Odiava aquele cargo, tudo bem, fingira amar.

— Bom dia senhores! Como estão? — saudou a todos ao entrar e se direcionar a cadeira presidencial na cabeceira da mesa— Estão todos presentes, Raven?

    A mulher analisou a planilha atentamente, contudo faltavam duas pessoas.

— Está ausente o Dr. Ritter e o sobrinho dele, o Dr. Schulz Becker. Vai começar sem eles, meu senhor?

     Negou com a cabeça. Seria frustrante passar uma vergonha daquelas, mas era necessário.

    A nervos aflorando, ouviu batuque na porta e a ansiedade se foi. Petrus entrara sozinho, menos mal. 

— Estou muito atrasado?

— Não tanto. Seu sobrinho veio junto? — Saymon perguntou. O conselho mal sabia o assunto a ser tratado, apenas por terceiros.

    Petrus ajeitou o terno acinzentado, puxando uma cadeira e saudou a todos.

— Infelizmente, não. Adam teve um imprevisto, chegará atrasado. Sugiro que inicie a reunião sem ele, Saymon.

     Não era o único irresponsável ali. Pensou. 

     Saymon levantou da cadeira e começou:

— Perdão por haver convocado os senhores e senhoras assim, rapidamente — lamentou o equívoco. — Mas como todos nós sabemos, meu pai, o introdutor disto tudo, encontra-se atento e incapaz de comandar o grupo Mallmann. A pressão recaiu sobre mim e agora tenho que manter isto em ordem e equilíbrio. Ontem pela manhã, fiquei sabendo de um motim articulado pelo Dr. Petrus e minha mãe, à senhora Stein.

    O conselho entreolhou-se sem entender nada.

— Precisa ser mais objetivo, Sr. Saymon Stein. — disse Magnus, vice-presidente da filial em Lacerda. — Pressuponho que o motim seja para derrubá-lo do cargo, mas à qual maneira?

— Senhores, senhores. — Petrus interviu. — Mallmann tivera seus tempos gloriosos. O motim, que o Sr. Stein, chama, eu posso designá-lo como salvação.

— Salvação? — Saymon alterou-se. — Traição, isso sim.

    O clima piorava conforme a reunião estendia-se.

— Acho melhor ambos deixarem às desavenças e começarem a nos explicar o motivo da reunião — interviu Helena. — Ou deixaremos a sala, vocês tomem a decisão, nós cumprimos.

     Saymon controlou-se. Petrus desafrouxou o nó da gravata a fim de respirar tranquilamente.

— Minha mãe, senhoras e senhores, articulou juntamente com o Dr. Ritter, uma contratação milionária do sobrinho dele, como meu assessor. Ele seria como um segundo presidente do G-MECA. Dois milhões de dólares quinzenais, à um prazo de quatro meses. Que somando tudo, tiraria dos nossos cofres dezesseis milhões de dólares. Um absurdo, não acham? — Saymon lamentou.

    O conselho tomou um susto com a quantia proferida.

— Mas quem é esta contratação milionária, Dr. Ritter? — indagou Peter, curioso.

    O homem ergueu-se voluntariamente.

— É meu sobrinho, Adam Schultz Becker. Cursou Direito e Administração em Valenza, a universidade mais equipada e promissora do nosso país. Pensei nele porque é inteligente e lida facilmente com negócios, Dra. Peter.

   O homem analisou calmamente a proposta. 

— Esse rapaz iria assessorar Saymon a tomar decisões menos radicais, certo?

— Sim, senhora. Angelina Stein teme uma queda de investimentos, por isso me procurou e fez a proposta.

— Entendi. É melhor tirar e repor dezesseis milhões, a ter que perder mais que isso diariamente. — afirmou Peter. — Sou de acordo, afinal, o assessor é muito bem estudado, segundo o doutor.

    Saymon revirou os olhos. Iria dizer mais alguma coisa, mas foi interrompido por Raven, ao adentrar à porta.

— O Dr. Schulz Becker, chegou! Posso permitir a entrada dele, Sr. Stein?

    O conselho o fitou apreensivo. Estava mais metido naquilo que qualquer outro, então que fosse de acordo com o destino.

— Sim, Raven!

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