DUAS CARAS

     Adam Schultz Becker chegou às sete da manhã no aeroporto internacional Fagner Schäfer, o qual levava o nome de um dos prefeitos mais premiados do estado do Lassen. Projetado com a tecnologia de última geração, o local servia de embarque e desembarque de cargas e passageiros para o restante do mundo. No estacionamento, Klaus Braun, motorista particular de Petrus Ritter, o aguardava com metade do corpo para fora do automóvel. Ao visualizar o rapaz aproximando-se, Klaus saiu ao encontro dele. 

    Adam analisou a figura mediana e com excesso de peso, sorrindo. Pronto para ajudá-lo com as malas.

— Não, pode deixar, eu mesmo levo. — afirmou Adam, passando pelo homem sem cumprimentá-lo. — Estamos muito longe da sede da G-MECA? — perguntou secando o suor.

   Klaus estudou o relógio de pulso e ajeitou a boina sobre a cabeça.

— Meia hora, se o trânsito estiver ao nosso favor.

    Adam suspirou.

— Guarde minhas coisas. Odeio atraso.

     Klaus assentiu e colocou as bagagens do rapaz no porta-malas.

     Entrou no dirigível e deu partida rumo ao Grupo Mallmann Enterprises Construção & Advocacia, conhecido mundialmente como G-MECA. Como previsto, o trânsito estava intenso na principal avenida à qual dava acesso ao lote de terra, prédios e Shopping Center, todos dirigidos pela família Stein. Haviam construído uma cidade do zero, e agora pareciam dar continuidade a Rose Ruschel, o retiro dos ricos, milionários e famosos.

   Rose Ruschel, começou a ser colonizada há menos de setenta anos pelos alemães, principalmente o avô de Saymon Stein, o qual deu início ao processo de povoamento. O nome, de sua tataravó, chama muita atenção nas redondezas, especificamente em Thirro, à cidade a meia hora dali.

  Klaus buscou uma vaga no estacionamento particular, foi um alívio quando encontrou. Adam desceu apressadamente sendo seguido de perto por Klaus, atento a cada passo do rapaz.

— Suas malas, para onde levo?

— Pro apartamento do meu tio, por favor. Já está tudo certo. Obrigado. — agradeceu finalmente. — Desculpa por qualquer equívoco.

     Adam estreitou o olhar por conta da luz do sol rumo aos seus luzeiros.

— De nada, Sr. Becker.

     Adam passou a mão no terno, desamassando o pano. Segurou firmemente a maleta e caminhou rumo à recepção. De lá, Catherine o enviou ao último andar, onde funcionava a sede da presidência do Grupo Mallmann.

— Bom dia, senhorita! Tudo bem?

— Bom dia. Estou bem, obrigada. Deseja alguma coisa?

     Adam colocou a maleta em cima da escrivaninha de Raven e abriu retirando alguns papéis e entregando à secretária.

— Sou Adam Schulz Becker. O novo contratado. — emitiu o rapaz, sorrindo de canto. — Vim encontrar com o conselho da empresa, pode avisar o seu chefe da minha chegada?

     Raven estudou o contrato minuciosamente, devolvendo-o em seguida ao jovem.

— Irei avisar que está aqui. Espere naquela cadeira. — Raven indicou um assento. — Volto breve!

     Adam apanhou a maleta e sentou. Correu com os olhos pelos detalhes da empresa e suspirou. Ao avistar a secretária voltando, ergueu-se rapidamente.

— Sua entrada está autorizada, Dr. Becker. — ela comunicou, recessiva. — Os membros do conselho aguardam ansiosamente por você! 

     Adam estendeu a mão em um rápido cumprimento, retirando-se em seguida. 

Caminhou até à porta de mogno com desenhos dourados e abriu-a, finalmente, entrando. Os lumes azulados correram pelos homens e mulheres presentes na sala de reuniões, até estarem repousados em direção ao corpo másculo e a feição desafiadora de Saymon Stein, ao fundo, apertando uma caneta com força e raiva na mão direita.

— Senhores! 

    Petrus saudou dando dois tapinhas no ombro de Adam, sorrindo vitorioso. Quiçá, pelo prestígio grandioso o qual recairia sobre ele. Ora, pela simples vontade de ter alguém tão próximo do inexperiente Saymon.

    Encostou à porta e deu dois passos rumo ao tio.

— Este é meu sobrinho e a partir de hoje, assessor principal do presidente da Mallmann. — uma sequência de palmas se seguiu por todos os cantos da espaçosa ala. — Adam, este é o conselho!

— Obrigado pela recepção calorosa, senhores e senhoras. — manifestou solenemente, ocupando o assento de Petrus. — Quando recebi o convite de meu tio, há quase duas semanas, pensei duas vezes em deixar passar, por dois motivos. O primeiro, não estava convicto de que faria um excelente papel como assessor do Sr. Stein. O segundo e mais importante, tenho uma carreira promissora e sou instrutor de...

— CEO, é algo que meu sobrinho sempre desejou ser. — Petrus o cortou, antes que Adam dissesse alguma besteira irreversível. — Ao chamá-lo para o cargo, Adam sentiu-se lisonjeado, principalmente pelo aluno ser ninguém mais que um Stein.

    A mão repousada sobre o ombro de Adam, dizia tudo implicitamente.

— Era mesmo isso que diria, Dr. Becker? — Saymon indagou com um olhar tenebroso no rosto. — Pois pareceu-me ofender nitidamente.

— Eu? Imagina, Sr. Stein. Sou um homem que mede as palavras antes de proferi-las. Meu tio deu-me uma excelente educação, e na escola fui ensinado desde cedo a me portar como adulto e maduro, sem precisar ser auxiliado ou ter instrutores sempre na minha cola. — aos entendedores, o sorriso veio espontaneamente. A Saymon, a vergonha— Diante disso, sinto que não ofendo, mas defendo, não julgo, mas ajudo.

    Uma mordida nos lábios inferiores fora apenas o começo. Saymon ficara contra a parede, já que mal conseguia digerir tudo que estava sentido. Porém, tratava-se de uma humilhação pura.

— A reunião está oficialmente encerrada, senhores. Se quiserem falar com o Dr. Becker, será após a minha conversa com ele. Por favor, retirem-se. — mandou gentilmente, apesar de está vermelho de ódio. — Dr. Becker, acompanhe-me até à presidência, por favor!

    Petrus encarou o sobrinho com um olhar cálido de quem instruiu invisivelmente a se comportar e não ultrapassar o limite do inevitável.

    Adam assentiu. 

    A sala de reuniões esvaziou-se depressa, e Saymon foi para a presidência, acompanhado por Adam.

    O mais velho abriu e fechou à porta. Indicou um assento ao novo membro da Mallmann, contornou-o e sentou de frente para ele, estudando-o pausadamente. Tinha atrevimento até demais. Saymon pensou mordendo o bocal de uma caneta.

— Aceita água? Vinho?

— Prefiro continuar seco. — Adam anunciou colocando a pasta sobre a mesa. — No momento, apenas negócios.

— Estreitamente a negócios, Dr. Becker? — Saymon conjurou uma praga. Adam assentiu. — Já esteve em Thirro, outras vezes?

    Adam apertou o lábio suavemente, tentando se lembrar. Talvez tivesse estado ali uma ou duas vezes, não recordava-se.

— Acho que sim. Três ou quatro. Estudei a minha vida toda em um internato na cidade de Thyssen, saí de lá pronto para enfrentar a faculdade. Onde estudava em tempo integral. — ele gabou-se, afinal, encarava um Zé Ninguém diante de seus olhos. — Sempre fui amante dos estudos. E o senhor, Saymon Stein?

    A garganta secou rápido. Mais rápido do que havia previsto, porém continuou mantendo a pose de alguém altruísta e incapaz de ser derrubado na primeira batalha. Tomou um gole de água e satisfez o ego de Adam.

— Ao contrário, nunca gostei de estudar. — Adam riu. Isso era visível até demais— Preferi curtir e deixar o tempo rolar. 

    Babaca! Adam pensou. 

— Nunca teve sonhos? Eles são bons, sabia?

— Sabia. 

Mas os sonhos de Saymon eram rasos demais. 

— Qual o seu grande sonho?

     E ele tinha algum sonho? Buscou na mente. A pergunta foi apressada demais, a resposta custou a vir.

— Quando era mais criança, sonhava em ser modelo. Mas não deu muito certo. Entende?

     Adam analisou o homem à sua frente casualmente. Era bonito, porém confuso. Realmente poderia ter sido um excelente modelo.

— Mais ou menos. Mas deixemos esse assunto para outro momento. Gostaria de falar sobre negócios. — Adam o lembrou.

    Sim. Era exatamente nisso que pensava a todo instante. Além da vergonha simultânea, claro.

— Sim. Vamos falar sobre negócios. Como pretende me auxiliar, Dr. Becker?

— Apenas Adam, por favor. Aqui sou seu funcionário e senhor, o meu chefe.

     Pelo menos algo de bom saiu daquela boca estúpida. Saymon pensou. 

— Como desejar, Adam. — conveio o rapaz. — Como perguntei anteriormente, esse negócio de auxiliar me ajudaria em que, exatamente?

     Adam colocou o polegar próximo aos lábios e fitou uma pintura. Seria o funcionário, mas o instruiria a todo momento, então, não aliviaria a vida de Saymon, em nenhum instante.

— Bom, nós devemos começar por um planejamento. Está na presidência há cinco meses pelo que meu tio falou. Tem o planejamento mensal?

— Seria a agenda que Raven toma conta?

   É, Adam, talvez fosse horrível para ambos os lados.

— Não, Sr. Stein. O planejamento é onde estão todas as suas ideias de ascensão para a Mallmann. Uma espécie de previsões do que pretende fazer em prol de arrecadamento e...

— Entendi. Porém, ainda não havia me articulado. — ele lembrou. — Mas aprendo rápido, claro, se o professor for capaz de lidar comigo.

— Está me desafiando, Sr. Stein?

— Não, não. Estou apenas informando sobre a minha habilidade de aprender facilmente. — ele disse se levantando para ficar mais confortável. — Você pode ser um gênio, mas eu sou um Stein.

     Que isso tinha haver? Replicou Adam em pensamento.

— Sim, o senhor é um Stein. Uma pena não ser o famoso Herbert. — cutucou a onça com vara curta. — Porém, não há pedra dura e rara, incapaz de ser lapidada. Eu vou lapidá-lo.

     Saymon pela primeira vez o olhou nos olhos. Os lumes gentis e solitários, assim como os seus. A estatura alta, a personalidade de alguém voraz e encantador, capaz de roubar diversos suspiros.

    Sacudiu a cabeça e sorriu devaneio.

— Obrigado. 

— Não precisa me agradecer. Quando começo? — Becker perguntou curioso. 

— Amanhã, às nove. Pode ser?

— Sim. Chegarei mais cedo. 

    Adam estendeu sua mão e aqueceu-se com a preliminar do corpo robusto de Saymon Stein. A devassidão em carne e osso, músculos e beleza.

— Mais uma vez obrigado.

    Adam deixou-o para trás com a sensação de estar incompleto. Saiu da sala e procurou por Petrus pelo prédio, até localizá-lo na ala da diretoria financeira, sozinho, tramando alguma coisa fajuta. Ele abriu a porta silenciosamente e trancou-a, em seguida.

— Como foi a reunião?

— Digamos que foi um bom começo. — Adam puxou uma cadeira e sentou. Petrus o analisou profundamente, sorrindo. — Por que não deixou eu concluir minha fala, tio?

— Ah, Adam. Prefiro que fique sem entender os motivos. Estou trabalhando neste plano há meses, agora com você aqui, me ajudando, será muito mais fácil.

    Compreendia onde o tio desejava chegar com aquilo tudo. Ia contra seus votos, mas adorava ver alguém sofrendo, implorando misericórdia até a morte.

— Eu auxílio o idiota do Stein. O senhor, me auxilia, tio. É uma mão lavando a outra.

— Basicamente. Mas quero lhe pedir uma coisa muito importante, Adam. — Petrus sussurrou para que ninguém mais pudesse ouvi-los atrás da porta. — Se aproxime do Saymon daquela maneira que apenas você consegue. Tente chamar a atenção dele e, após, meu querido, à facilidade para pôr nosso plano em prática, será inevitável.

— O senhor está me pedindo para seduzir o Stein?

— Você manda tão bem nisso. Talvez se saia melhor agora, já que nosso querido patrão é facilmente corrompido. — Petrus serviu um bom vinho ao sobrinho e colocou sua taça no alto. — Um brinde à queda do inexperiente Saymon. E a sua ascensão.

    As taças tocaram uma na outra como se estivessem lutando, lutando por espaço e equilíbrio. Uma coisa com a qual Petrus Ritter, já estava acostumado a lidar e vencer sem esforço. Entrara em inúmeras batalhas ao longo de sua vida sendo advogado de pessoas piores que ele, a convivência o fez ser parecido, até influenciara Adam a participar de seus truques. O garoto saía bem. Outrora, quiçá, a experiência de Petrus e a liberdade sobre Adam, também moldasse uma cópia perfeita.

   O plano foi articulado para dar certo. As cartas todas apostadas, sem deslize e com tamanha delicadeza, mas Petrus o lembrou como se lembrava de apagar as luzes durante o dia.

— O Stein é um homem muito bonito. Não deixe a beleza dele te tocar, senão teremos sérios problemas. — combinou. — Jamais ultrapasse o limite, não permita que tenha liberdade alguma ou tente tomar decisões. O plano depende de você... apenas de você.

     Adam sorriu. Parecia que o tio mal o conhecia. Dormira com tantos homens e muitas mulheres em tão pouco tempo, que à experiência e a lista de trotes tornara-se o currículo perfeito para adentrar em qualquer ambiente. Até parecido com aquele, o qual respirava o ar agora.

— Primeiro nosso plano, depois a felicidade.

— Esse é meu garoto. Filho da minha amada irmã. Nem parece com seu irmão, aquele idiota comunista e completo romântico.

    Adam repousou a taça sobre a mesa e olhou para o tio.

— Meu irmão é apenas capacho demais. Porém, se tudo sair de acordo com o que planejamos, não vamos precisar nos preocupar com ele.

    Ritter pensava o oposto.

— Seu irmão é um problema. Mesmo afastado da gente, ele pode continuar sendo um obstáculo. Sugiro transferir ele de Alckluand, para a Clínica Arnold, aí talvez a minha preocupação caia pela metade.

     Adam era contra, mas o tio ditava as regras.

— Se ficar mais aliviado, estou de acordo.

— Sabe onde somos parecidos, sobrinhos? Na forma de agir, algo que nem o seu irmão consegue, mesmo sendo aquilo tudo... digo, era aquilo tudo.

      Adam sorriu. O tio tinha razão, eram como unha e carne. Feijão e arroz. Duas peças que encaixam-se perfeitamente. 

— O novo Andrew é péssimo. O antigo é muito melhor. A cópia é imperfeita, mas o original é avassalador.

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