IRMÃO GÊMEO

— Ah, Adam, meu filho. Como tem passado? — Mayla Ritter, esposa de Petrus, o indagou logo pela manhã, quando estavam reunidos ao redor da mesa na sala-de-estar. — Seu tio me surpreendeu agora, pensei que nunca mais botasse os pés aqui em casa!

     Ela lembrou o episódio. 

     Adam fitou o tio à semblante preocupado, mal sabia como se portar diante de Mayla.

— Pois é... eu voltei. — ele disse com os nervos à flor da pele. — A senhora estava aonde ontem quando cheguei?

— Trabalhando no hospital em Thirro. Acabei fazendo plantão até esta madrugada. — a mulher morena e de pele alva, o respondeu. — Vai trabalhar mesmo na Mallmann? — perguntou ela, curiosa.

— Sim, mas apenas por quatro meses Adam respondeu complacente. — Após isso, pretendo retornar a Thyssen e ascender a advocacia de meus pais. 

     Mayla o olhou orgulhosa. Tinha muito cuidado com Adam desde pequeno, quando a mãe dele morreu precocemente em um acidente de carro. Está o fitando agora, de terno e gravata, podia falar o quão completa estava, ainda que uma parte de si mantivesse em outra dimensão.

— Você está conquistando seus méritos. Mas e o Andrew? — ela perguntou esperançosa em receber uma resposta agradável. — Como estão aqueles olhos verdes como as matas tropicais?

      Adam engoliu em seco. Olhou para o tio em busca de ajuda, mas a resposta veio instantânea e por vontade própria.

— Infelizmente, minha amada tia, meu irmão tem estado cada vez mais afundado em seus vícios — asseverou mostrando está sentido por aquilo tudo. — Tentei demais aliviar a culpa que o Andrew diz que carrega, mas ele é... difícil.

    Mayla garfou um pedaço do bolo e o comeu.

— Andrew sempre foi difícil, ao contrário de você, meu anjo. — ela depositou a Adam, uma confiança apenas restrita aos filhos. — Estou orgulhosa, muito orgulhosa. E quanto ao Andrew, o destino o ajudará um dia. — falou esperançosa, era uma mulher de muita fé.

   Católica desde nascença, Mayla Ritter, tornou-se devota de São Judas Tadeu, agora pedia a ele intercessão pelos sobrinhos, tanto Adam quanto Andrew. E que ambos fossem felizes de acordo com suas escolhas.

   Terminou o café prometendo o interrogar mais tarde, quando retornasse de seu exaustivo trabalho. Ser cirurgiã cardíaca, sempre foi o sonho de Mayla e aos vinte e sete anos, após muita luta, formou-se na universidade de Hoffman. Diferente de sua esposa, Petrus Ritter seguiu uma carreira muito promissora em Nebrava. Haviam muitas empresas, empresários e pequenos empreendedores, todos atrás de um advogado, e subiu na vida com muito suor, mas cairia dela por conta de sua ambição sem limite. Mayla não era sabedor da insignificância misógina de seu esposo, o achava o homem mais justo do mundo. Hilário.

— Essa foi por pouco tio. Não sei até quando levaremos adiante esta mentira. — disse Adam, secando o suor. — Bom, pelo menos minha tia não desconfiou de nada.

— Já é um bom começo. — Ritter pensou no que diria a seguir. — Vamos colocar nosso plano em prática, começando hoje. Você ensina ao Saymon tudo que ele precisa saber, e após, convida o rapaz para almoçar contigo, mas não na cantina.

    Adam debruçou o corpo na cadeira. Fechou os olhos e tentou distorcer aquele plano.

— Que acha apenas de ensinar o Saymon e não convidá-lo para o almoço?

    Ritter o olhou pausadamente.

— Está com medo de que, meu sobrinho?

    Como ele diria aquilo? 

— Bom, tio, o Saymon tem pinta de ser o macho alfa na cama, não estou pronto para isso. Sabe que os homens com quais dormir, adoravam ser submissos. Mas o Saymon, ele não é assim. Eu não sou assim. — tentou ser subjetivo. — Quero que fique ciente disso, pois não estou disposto a fazer parte nesse outro lado do plano.

    Ritter suspirou fundo e deu uma risada.

— Não seja covarde. Estou tentando te dar um futuro menos miserável, Adam.

— Eu sei disso, tio. Sei o quanto o senhor se importa comigo, por isso me consultou, mas esse negócio de dormir com homens, está me deixando sem sono. — ele asseverou implorando. — Que tal fazermos somente o combinado?

— Mas foi isso que combinamos ontem, Dam. — ele disse insistente. — Você será a cama e os lençóis do Saymon. 

    Como seria? Pensou. Por mais árdua que a batalha parecesse ser, Adam sabia o quão machucado sairia dela, por infinitas possibilidades. O que tramava ao lado do tio, seria uma desolação para todos, inclusive para eles. Mas Ritter pouco se preocupava com sinais, preferia comemorar o agora. Ainda quanto tinha tempo.

— Então que seja como desejar. — asseverou o loiro.

    Ritter apenas afirmou balançando a cabeça.

— Vou para a empresa. Vem comigo?

— Sim, vamos.

    Lado a lado deixaram a mesa na sala-de-estar, aprontando-se imediatamente. Saíram de Dallas Fischer, ainda sob uma leve garoa. O dia resolveu amanhecer nevoento, quiçá, por motivo da nova estação está chegando. O Ford prateado, última geração, ocupou uma das vagas no imenso estacionamento coberto do G-MECA. A terça-feira, como já costumeiro, viera intensamente.

    O ritual de deixar o tio no térreo, começou a partir daquele momento. Adam seguiu viagem até o último andar, onde funcionava a presidência da Mallmann. Cumprimentou Raven com um bom dia, e chegou, finalmente, ao castelo perfeito de um rei insolente.

   Não havia sinais de Saymon. Ele aproveitou o momento livre para poder analisar melhor o ambiente. Os móveis de mogno, as persianas, cortinas brancas que brandiam ao toque dos ventos e o ar, o maldito ar carregado com partículas daquele perfume másculo e atraente, requintado de madeiras e flores. 

   Seus olhos recaíram então sobre a cadeira que almejava um dia sentar. E rogava para este momento vir o mais depressa possível. 

   Olhou em torno como se ainda estivesse estudando cada passo do lado de fora, e vendo que tudo estava em ordem, caminhou sorrateiramente rumo aquele trono moldado de couro macio e aconchegante, capaz de virar mentes corretas ao avesso.

    Tocou sutilmente o designer daquela cadeira, sentiu o quão perfeccionista esta era e sorriu. Sorriu antes mesmo de colocar seu corpo em cima dela e dá uma volta e meia, sentindo como se houvesse finalmente a conquistado. 

   Porém, ergueu-se abruptamente, ao notar que a maçaneta da porta girara e por ela passou um Saymon desconfiado, muito diferente do dia anterior. Caminhou três passos, deixando a maleta sobre a poltrona e olhando em volta, assistindo o rosto de Adam mudar para um rubro rapidamente.

— Atrapalhei alguma coisa? — perguntou curioso, cruzando os braços torneados acima dos peitos largos e fartos. 

     Adam sorriu e afastou o nervoso, tocando as pontas do dedo num porta-retratos.

— Não, imagina. Estava apenas observando suas coisas.

— Odeio quando mexem onde não deve. — Saymon disse estupidamente, pegando o retrato e fitando sua imagem de quando tinha dezessete anos. — Mas tudo bem, tem algo a me dizer?

     Seus olhos mudaram de brilho, agora estavam mais sensatos e compreensíveis.

— Vim lhe dar algumas dicas, mas caso esteja ocupado, volto mais tarde.

— Ah, que isso. Sente-se. — Saymon apoiou as mãos na poltrona, indicando-a ao rapaz. 

      Adam sequer hesitou. Ficou envergonhado ao ser avistado mexendo em que não devia, então não pensara duas vezes ao se afastar dali e sentar no local indicado. Ao sentir o conforto da poltrona, foi um grande alívio, principalmente ao notar Saymon contornando a mesa e sentando na cadeira presidencial, à sua frente.

— Me diga, Adam: quais dicas tem a me dá?

— Bom, não são extremamente dicas, mas são basicamente anúncios de certos equívocos ao longo da sua estadia como presidente do grupo. 

— Sei. E aonde esses anúncios me levariam?

     Adam pensou.

— A qualquer lugar, Sr. Stein. Por exemplo, levar uma filial a países africanos, americanos do sul ou até mesmo, expandir em territórios europeus onde pouco se investe, como é o caso da Ucrânia, Polônia e San Marino. — propôs. — Sugiro que faça um balanço desses lugares mencionados e peça para que alguém olhe por eles. Talvez, seja lá que tenhamos ainda mais veracidade em construir empresas capacitadas e de última tecnologia.

    Saymon pensou. Não tinha noção de como investir em lugares tão desvalorizados, pudesse mexer tanto com o capital e o lucro da empresa, afinal, o que Adam propôs, era nada além da falência.

— Acha que isso dá certo?

— Tenho certeza que sim. Talvez seja ainda mais valorizado.

    O Stein, no entanto, não era idiota e estudara bastante a respeito de investimentos, aonde podia lucrar e nos lugares mais difíceis de manter algo funcionando.

— Moedas instáveis. Motins frequentes, povos amargurados, economia uma merda, saúde precária, educação um lixo... — ele riu. — Quer que eu construa uma empresa nesses fossos? 

     Adam engoliu em seco.

— Foram sugestões, apenas.

— Sugestões que renego, Adam. Procure algo mais prudente a se fazer. 

     A humilhação viera espontânea e sem aviso prévio. Pensara que Saymon fosse bobo a ponto de concordar de imediato com aquilo, afinal, Ritter lhe dissera a mesma coisa.

— Procurarei. Em todo caso, obrigado por me ouvir.

— De nada. Tenho uma reunião após o almoço com alguns negociadores, então preciso da sua ajuda.

— É só me avisar. — Adam se levantou com uma derrota sobre as costas. — Irei para minha sala. Até mais.

     Ele pegou a maleta de cima da mesa e recolheu-se como um rato no buraco, temendo que fosse o café da manhã de uma fera difícil e cheia de fome.

     Saymon sorriu. Para ele, foi a estratégia perfeita a fim de começar a tirar um porte do meio da avenida. Mas logo pensou: Por que ele me levaria a concordar com tamanha idiotice? Logo ele, o auxiliar perfeito?

     Os pensamentos e a vontade de saber a verdade, levou Saymon a uma cruzada. Reconquistar seus valores, cabiam agora apenas a ele. Apertou o botão em cima da mesa, e vinte segundos depois, Raven apareceu à sua porta.

 — Deseja alguma coisa, Sr. Stein? — a moça perguntou.

      Saymon indicou a poltrona. Raven sentou. Teria sua primeira conversa com seu chefe.

— Raven? Acha que eu ganharia bem investindo na América do Sul, África, San Marino, Polônia e Ucrânia? 

     A secretária pensou durante alguns segundos.

— Bom, Sr. Stein. Sabe que investimento nunca foi minha especialidade, mas de acordo com a situação desses lugares, o melhor seria se manter neutro. Talvez o Chile seja o único mais capacitado em receber uma de nossas filiais. — ela disse plenamente. — O Brasil, ainda que seja um bom credor, tem lá suas falhas. Mas é um enorme risco.

     Saymon suspirou outra vez.

— Como eu havia pensado.

— Era apenas isso, Sr. Stein? 

— Não, não. Quero lhe pedir um favor, Raven.

— E qual seria?

     Saymon levantou da cadeira e voltou a pensar.

— Quero que faça uma busca para mim relacionado ao novo contratado. 

— Farei isso agora mesmo. 

     Raven levantou-se da cadeira imediatamente, como uma boa funcionária, mas fora interrompida. 

— Raven? Não comenta isso com mais ninguém. Tudo que encontrar, envie para meu email. 

     Ela balançou a cabeça em confirmação. O que queria Saymon com tudo aquilo?

— Pode deixar, Sr. Stein. Mais alguma coisa? 

— Fique de olho no Ritter, Aaron e no meu tio, Connor. 

— Mas porquê disso? 

— Já ouviu falar em Motins, senhorita?

— Sim. São levantes para matar antigos líderes e escolher uma nova chefia.

— Exatamente. Nesse caso, querem me derrubar, aliando minha falta de estudo, a ingenuidade. Porém, sou uma pedra difícil de ser lapidada— Saymon falou de volta à poltrona. — Mas serão meus inimigos, os primeiros a provar do veneno.

   Raven engoliu em seco. Baixou a cabeça e voltou aos afazeres. Enquanto isso, Saymon pensava em tudo o que Adam dissera minutos atrás. Sua fala foi bastante investigativa, como se naqueles lugares houvesse ouro por cima da terra. Mas não havia. Existia pequenas porcentagens de ricos massacrando os pobres, o maldito capitalismo afundando paraísos inteiros dentro do coração do oceano, lugar aonde respirar havia se tornado uma tarefa difícil até para os mais vívidos.

   Sua luta logo o levara ao primeiro embate, e mais um combate, uma guerra com tantos precedentes, onde a traição era a maior prova de amor.

   Amor! Como ele seria? Como viria para ele? Saymon pensou. Tivera noites maravilhosas e de muita volúpia, mas logo ao amanhecer sentia-se sozinho, como se com cada novo dia, mais uma pessoa ocupasse um lugar na sua cama, mas nunca no coração. Poderia investir pesado em Adam, porém mais um trilhão de perguntas começaram a ser processadas. Ele era de confiança? Repensou. 

    A luta interna e externa terminaram antes do almoço, quando Raven apareceu na sala dele apresentando duas folhas.

— O que são? — perguntou olhando com desprezo para os dois papéis.

    Raven sentou sem ao menos ser convidada, apenas para dar a Saymon, uma pequena parte daquele imenso alvoroço.

— Veja mais abaixo. As assinaturas são totalmente diferentes. No primeiro contrato, é registrada no cartório, mas à segunda, neste. — ela indicou o papel na mão esquerda de Saymon. — Nunca existiu em lugar algum... na verdade, eu fiz uma busca rápida com pessoas minhas ligadas à polícia de Thyssen, e a assinatura corresponde a de Andrew Schulz Becker, para ser ainda mais específica, o irmão gêmeo de Adam, seu auxiliar.

   Os olhos de Saymon manifestaram-se no alento. A alma pulsando para deixar o corpo, um frio inevitável começando a rastejar sob os ossos de sua espinha.

— Um irmão gêmeo? Adam tem um irmão gêmeo? 

    Raven assentiu.

— Ao que tudo indica, sim. Porém, Andrew, foi preso há mais de dois anos por tentar dar um golpe no próprio irmão... ou seja, parece que a família desse rapaz não é muito certa. — ela assegurou dos fatos. — Mas existe uma divergência, Sr. Stein.

— E qual é? — Saymon interessou-se pelo assunto.

    Raven se ergueu.

— Se o primeiro contrato, o qual paga a Adam quatro milhões de dólares mensais, está com assinatura registrada no cartório, porque à segunda, do contrato de ontem, é diferente?

— Você está me complicando, Raven. Quer ser mais específica?

     Ela foi. E ele não gostou nenhum pouco do seu ponto de vista.

— Se esta assinatura feita ontem é diferente da de duas semanas atrás, isso quer dizer que o Adam, o qual trabalha aqui, pode não ser o Adam, mas o próprio Andrew. Um usurpador. Entende?

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