CAPÍTULO SETE

- Não precisamos levar muita coisa, não vamos nos demorar por lá, e lá tem tudo o que precisamos. Podemos comprar algo para comer nos postos da estrada, água. Ah, vou levar uma garrafa térmica com chá.

- Ah, por Deus, Han. Leve café, quem leva garrafa com chá em uma viagem por mais curta que ela seja? Nunca vi uma pessoa levar chá em um passeio ou viagem.

- Leve o que você quiser, Roge, eu vou levar chá e pronto acabou.

- Você viu, Bento, ela me disse para levar o que eu quiser.

- Menos bebidas alcoólicas ou drogas, seu infeliz.

- Mais um adjetivo. - Ele novamente fingiu anotar.

Riram e implicaram um com o outro e mais tarde se despediram, combinando que Hanna passaria para pegá-los no dia e hora combinados.

- Lavou o carro, garota? - Bento entrou no lado do motorista e beijou seu rosto. 

- Vou ter que lavar novamente, na volta, lá tem muita terra. Sabe que é a primeira vez que vou dirigindo para o orfanato?

- Não faz muito tempo que temos habilitação, podemos revezar na direção, se quiser. 

- Não acho que me cansarei. Se for pensar, dirigimos mais horas no trânsito aqui na cidade, do que vamos dirigir na estrada.

- É verdade. Vou aqui com você até Roger entrar. Quanto quer apostar que ele vai querer ir na frente, isso se não quiser ir dirigindo.

- Não vou apostar, porque sei que você vai ganhar, e nunca pagou nenhuma aposta mesmo.

- Supere isso, Han. Se eu te pagar um dia, um almoço ou jantar, acha que vou quitar esse débito?

- Teria que fazer um pacote de meses em um restaurante para eu comer lá, para, talvez, quitar esse débito.

- Vou continuar devendo, então.

- E eu, cobrando.

Tiravam o sarro um no outro, até que chegaram à paróquia e, mal Hanna estacionou o carro e Roger veio com uma mochila pendurada nos ombros e gritando:

- Eu quero ir na frente!

Os amigos soltaram uma gargalhada e Bento pulou para o banco de trás, sem descer do carro.

- Você desiste muito rápido, amigo. Dá muita manha para o Roger. - Cutucou Hanna, para somente Bento ouvir.

- Estou poupando nossos ouvidos de ficar cinco horas ouvindo as reclamações dele, amiga, de nada.

- O que eu perdi? - Perguntou Roger, colocando o cinto.

- Nada de mais. Bento veio explicando sobre as estrelas.

- Mentira! - Gritou Bento, ultrajado.

 Roger fingiu ter ânsias de vômito, ante a menção de ouvir o amigo discorrer sobre o firmamento e, assim começaram a curta viagem para outro estado, para o orfanato que passaram sua infância e adolescência.

- Foi um custo explicar ao padre Olivério que iríamos acampar, após dar uma passada na Casa Abrigo. Ele não se conformava de não o incluirmos ao passeio, sempre aproveita qualquer oportunidade de ir para lá.

- Ele sempre amou aquele lugar, não é? - Disse Hanna.

- Nossa vida não seria a mesma se não fosse pelo carinho e atenção dele esses anos todos que lá ficamos. - Concordou Bento. - Sua paciência e carinho, foi fundamental para nosso crescimento.

- E continua. Ele ia lá antes de estarmos lá, e continua depois de termos saído. - Reiterou Roger.

- Isso é amor. Lembro que quando eu era bem pequena, talvez uns quatro ou cinco anos, eu achava que ele era meu pai, o pai de todos nós lá, sabiam?

- Claro. Lembro que você o chamou de pai até uns seis ou sete anos. - Roger estava sentado de lado no banco, para olhar para os dois amigos, enquanto conversavam. - Vocês acham que somos os preferidos do padre Olivério,  tipo, se vocês dois não tivessem sido adotados também, ele os levaria para a paróquia?

Após refletirem um pouco, Hanna falou:

- Nunca havia pensado nisso.

- Nem eu, por que em meio a tantas crianças, ele escolheu você, Roger, justo o mais rebelde? - Perguntou Bento.

- Não sou nem de longe o mais rebelde! - Exclamou. - Mirtes, ela era o furacão na terra, ela inclusive jogava terra nas outras crianças.

- Não só em crianças. - Lembrou Hanna. - Teve a vez em que jogou terra no tacho de sopa.

- Qual o problema dela com terra? - Perguntou Bento, sorrindo.

- Vai saber. Dora a apelidou de Maria do bairro, lembram? - Gargalhava Hanna. - Muitos a apelidaram.

- Ela piorou quando a devolveram, lembram? A mãe adotiva disse que ela queria colocar fogo no gatinho da família. Sorte que tínhamos você para nos defender dela, Roger.

- E agora me chamam de rebelde, quantas vezes os ajudei a se safarem? Os protegia sempre. Mas Mirtes era muito revoltada mesmo, foi para a Casa já com quase cinco anos, deve ter sofrido muito com os pais biológicos.

- Ah, teve também o Marco. Meu Deus, como ele era malvado! - Lembrou Bento.

- Como chamava aquele que faltava às aulas de estudos bíblicos? - Hanna tentava se lembrar?

- Todos nós!

Riram muito sobre isso.

- Sim, mas aquele que parecia que vivia gripado, com o nariz escorrendo e a pele toda irritada?

- Ah, o catarrento?

- Sim, mas qual era mesmo o nome dele, foi adotado até bem rápido?

- Gustav, ou Rupert…

- Bernard! Esse era o nome dele, esse era outro que batia em todos, mesmo tão pequeno, não assistia a nenhuma das aulas bíblicas do padre, aos domingos.

- Ele era impossível. Se bem me lembro, ele foi adotado por um casal de psicólogos, ou terapeutas, não foi?

- Parece que sim, pois bem, não foi só você o rebelde, Roge, parabéns!

- Sou um santo e salvador, se for pensar bem. Espero que tenha mais como eu para cuidar dos mais fracos lá.

- Não exagere, meu caro. Um de você já é o suficiente para uma vida. Mas continuando nosso assunto, creio que sempre fomos os queridinhos do padre. - Finalizou Bento.

- Éramos inseparáveis, mesmo quando chegavam mais crianças, não é?

- Ele chegava aos domingos e perguntava pelo trio.

Os três ficaram por mais de um quilômetro imersos nas lembranças. Cada qual tinha sua lembrança.

- O que trouxe em sua mochila, Roge? - Bento quebrou o silêncio após passarem por um pedágio. - Me parece grande para um único dia.

- Não trouxe bebidas, não é? - Hanna não permitia álcool em seu carro, morria de medo de ser parada pela polícia e encontrarem bebida alcoólica no carro.

- Trouxe minhas revistas masculinas, todas. Não podia deixá-las em meu quarto, padre Olivério tem o hábito de fazer faxina em meu quarto quando não estou.

Bento o fitava de boca aberta e Hanna olhava para a estrada e para ele, o pescoço virando sem parar.

- Você é incorrigível. - Vociferou a garota. - Vou parar no próximo posto de gasolina e revistar sua bolsa, seu pervertido. Estamos indo ao orfanato!

Roger se dobrava de tanto rir.

- Falo sério, Roge. Bento, pegue a mochila dele.

Roger tentava esconder a mochila entre os pés, no chão do carro, em uma briga de mãos com Bento.

- Pegue a mochila logo, Bento! Querem que eu bata o carro?

- Estava brincando com vocês, eu trouxe minha blusa de frio, uma meia dúzia de livros que o padre está doando às crianças e nada mais, juro.

- Ainda assim vou olhar sua mochila no próximo posto. - Disse a moça, irritada.

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