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Segredos da cachoeira

Capitulo III

Segredos da cachoeira

O barulho de caminhonete era inconfundível. Eu movi minha cabeça na direção do barulho do motor e vi que minha pick up estava chegando finalmente.

- Minha pick up! - Gritei e fui em direção a caminhonete. - Hoje nós vamos tomar uma cerveja no centro da cidade, Eric!

- Isso ai, Alice!

Alma me olhou com raiva e foi até mim. A jovem senhora apressou o passo até me alcançar e segurar meu braço.

- Você não vai sair com homens aqui e desonrar sua família, Alice.

Soltei meu braço com rapidez e sorri.

- Mamãe, vai ficar muito difícil superar meu sofrimento se a senhora ficar me dizendo o que fazer!

Eric se aproximava da situação e tratou de jogar um balde de água gelada na discussão.

- Dona Alma, eu convidei Alice para distrair um pouco na cidade, se a senhora permitir, eu sou um amigo conhecido, ou não? - A voz era mansa e gostosa.

Ela o olhou de cima a baixo.

- Eu conheço você, rapaz, gosta de passar todas na cara, mas não a minha filha!

Eric me olhou e jogou a guia do cavalo no chão saindo a passos largos e apressados, pisando duro, com profunda raiva. Olhei minha mãe com tanta raiva e revolta que minha vontade era refazer minhas malas e voltar para São Paulo. Voltei meu rosto para ele e vi que montava um cavalo para em seguida partir nele. A minha vontade era ir atrás mas eu repensei e também precisava receber meu carro. Olhei minha mãe como se saíssem faíscas dos meus olhos.

- A senhora foi grossa e desrespeitosa com ele! O meu pai não é assim!

- Eu sei que você sempre gostou mais do seu pai, aliás se parece muito com ele, será que não foi você quem traiu no casamento?!

Ela jogou aquela bomba na minha frente e saiu para a casa. Aquilo era tão injusto e cruel que senti ódio da minha mãe. Quando iriam respeitar a vontade de outra mulher não permanecer sendo traída em um casamento? Quando iriam respeitar a sexualidade das outras mulheres? Quando eu seria respeitada por ser quem eu era? Do jeito que eu era. As lágrimas da mágoa desceram enquanto eu recebia meu carro. O homem da transportadora baixou a cabeça e apenas guardou minha assinatura no bolso para em seguida voltar a sua caminhonete. Olhei para meu carro e fui até ele. Acariciei a lataria da única coisa que lembrava meu casamento ali, tão longe de tudo. Quando olhei para trás, vi minha mãe na janela da cozinha me olhando. Assim que a vi decidi entrar no carro e sair dali. Ainda a ouvi gritar meu nome, talvez arrependida ou talvez ainda tentando me controlar. O fato é que ela nunca tinha conseguido. Quando eu era mais jovem, ela cerceava meu direito de ir e vir com medo dos filhos do Narciso. Ela sempre achou que algo aconteceria entre os filhos dela e os filhos dele e seu temor era de que fôssemos influenciados de tal forma e passássemos a gostar uns dos outros sempre temendo que os Capuleto e Montechio se aproximassem. Era assim que eu enxergava o temor da minha mãe, como um dramalhão ao estilo mexicano. Acho que foi por isso que decidi ir embora e só voltei achando que ela tinha amadurecido enquanto mulher.

A cachoeira ficava para o lado das terras do Narciso mas sempre íamos até lá quando mais novos. Embrenhei meu carro no mato até onde deu, depois segui a pé. E lá estava ela, imponente, linda; uma cascata de água gelada que descia do alto de uns quatro metros batendo fortemente contra a água calma do lago. O barulho era delicioso e relaxante. Eu estava de volta aquele refúgio, exatamente como há dez anos atrás, quando me sentia perdida, pressionada ou triste. Quando me sentei em uma pedra na relva alta, ouvi um barulho no meio do mato. Congelei. Assim como meus irmão, eu sempre tive medo das histórias da roça. Meu corpo congelou e meus olhos pararam de se mover com medo de olhar para os lados. Quando finalmente alguém apareceu no alto da cachoeira ameaçando pular. Era Eric e aquele corpo escultural, somente de calça jeans, sorrindo para mim. Eu sorri de volta e senti o corpo esquentar de novo. Então o susto veio forte quando o vi pular para dentro da água como fazíamos quando crianças.

- Não!

Ainda gritei, sem sucesso. Temi por sua vida já que eu e meus irmãos éramos pequenos quando fazíamos aquilo e eu sempre achei que a profundidade não era bastante para um homem de um metro e oitenta, o que deveria ser a altura dele. Logo, ele surgiu do fundo sorrindo. Que dentes brancos! Que rosto! Ele saiu da cachoeira e veio em minha direção. Até que o dia estava ficando interessante.

- Por que não? - Ele ria - Se preocupa comigo?

- É né! Porque eu achei que era raso, não lembrava bem.

- É água suficiente para mim e para você, entra lá!

- Tá doido? - Olhei para seus gominhos do abdome e tive que fazer uma força enorme para não correr os olhos pelo corpo todo dele enquanto ele me observava - Tá frio!

- Ish virou mesmo uma mulher da cidade!

- Virei sim, mas me diz, teve a mesma ideia que eu, foi?

Ele chacoalhava os cabelos com as mãos para tirar o excesso de água e sorria.

- Sua mãe é osso duro, viu. Ela deixa qualquer um com raiva!

- Eu sei, me desculpe.

- Você não me deve desculpas, é tão vítima quanto eu.

- Isso é verdade. Mas eu queria ir atrás de você, te pedir desculpas por ela e não sabia nem para onde ir, que coincidência...

A expressão dele se tornou séria e até sensual.

- Parece que o destino queria que nos encontrássemos...

Baixei os olhos envergonhada, tentando resistir àquela tentação de homem mas meu gestual demonstrava tudo se ele fosse bom observador. Joguei os cabelos para trás da orelha e mordi os lábios.

- Eu acredito que sim... - O olhei sentindo minha respiração ficar ofegante e aquilo não me acontecia há tanto tempo...

- Não acredita na sua mãe, não é?

- Não me importa o que ela pensa ou o que você faz, não acredito em homens bonitos que não pegam todas. - Instintivamente meu alarme de autoproteção tinha sido ativado, mas ao mesmo tempo deixei escapar o elogio.

- Que ótimo! Bom que a família inteira pensa o mesmo.

Ele fechou a cara e foi se retirando. O que eu tinha feito?! Idiota, não era nada disso, eu só estava me protegendo. Então segurei no braço dele.

- Eric, meu deus, me perdoa.

Ele olhou para a minha mão em seu braço esperando que eu o soltasse, mas eu o segurei com a outra.

- Não precisa...

- Precisa. - Subi mais um pouco o pequenino vale e fiquei na altura dele. - Eu separei há pouco tempo e estou uma bomba-relógio, com medo dos homens, não leve para o lado pessoal. Eu quero que sejamos amigos, por favor.

Ele me olhava enquanto desciam gotas de água do cabelo até os seus lábios fazendo com que meus olhos as acompanhassem até aquela linda boca que me convidava. Foi impossível resistir, então em um ímpeto louco eu o beijei. Ele se assustou, porém não se moveu e como eu já tinha atacado, forcei minha língua naquela boca linda adentro e ele respondeu me abraçando forte. O beijo foi gostoso e demorado. Não conseguimos nos desgrudar e os beijos foram se intensificando. A boca macia e a língua quente não pediram passagem; simplesmente invadiram minha boca, brincaram comigo e terminaram em uma mordida fraca e gostosa nos lábios. Ele me olhou, se afastando um pouco, afrouxando o abraço apertado por aqueles braços fortes.

- Isso está errado, Alice.

Meu santo Deus! O que podia estar errado em duas pessoas que sentiram tesão uma pela outra se beijarem?

- Por quê?

- Eu não namoro e você vai se machucar e muito menos namoraria uma filha da Alma.

- Eu te pedi em namoro, Eric? Eu cheguei literalmente ontem e hoje te dei um beijo.

- Ainda assim, isso vai terminar mal. Eu sou o lobo mau da sua mãe.

- E o que eu tenho a ver com minha mãe mesmo?

Ele ia se afastando e eu o segurava, sem qualquer vergonha na cara, sem nenhuma compostura.

- Eu quero continuar trabalhando com os cavalos do seu pai e não quero perder sua amizade.

- Não podemos manter segredo?

Ele sorriu com um ar sacana. Os mamilos do peito dele começaram a enrijecer de frio mas olhando mais abaixo, algo mais estava rijo também. Talvez pelos beijos e pela palavra “segredo”.

- Gosta disso?

- Gostei de você.

Ele coçou a cabeça rindo. A risada baixa mais linda que já ouvi. Era perfeito como se movia, de forma viril, como observava as coisas ao redor, como me olhava, comendo meu corpo com os olhos, se perdendo na minha boca e voltando o olhar verde de sobrancelhas castanho escuras aos meus olhos.

- Tudo bem, na sua fazenda fingimos, é isso?

- Eu finjo que te odeio se quiser... - Me sentia a cadelinha dele. Estava tão morta de desejo naquele homem que tomava atitudes estranhas, hora me protegendo e hora me jogando em sua boca.

- Eu adoraria... - Ele riu. - Seja bem-vinda de volta, Alice Santos Oliveira...

Ele disse aquilo com um sorriso safado no rosto e foi para o cavalo que eu nem tinha visto que estava ali quando cheguei. Eu queria mais, estava morta de desejo mas teria que esperar o tempo dele. Será que começaria ali uma brincadeira de gato e rato comigo? Pois ele mal sabia que eu sabia brincar tanto quanto ele. Eu o vi subir no cavalo e colocar o chapéu na cabeça e como na primeira vez que nos vimos, acenou com a mão no chapéu dando ordem ao cavalo para partir. Virei-me de frente para a cachoeira sentindo meus hormônios em ebulição novamente e minhas partes íntimas molhadas e quentes. Precisava sair logo dali e fui para meu carro.

Durante todo o caminho para casa fui lembrando do sonho com ele. Tinha sido exatamente naquela cachoeira tão conhecida por todos da região. Um sinal? Uma vontade insana e inconsciente? Talvez tudo ao mesmo tempo mas o que importava era que eu tinha abrandado o meu desejo pelo beijo dele... estava feliz como uma adolescente, cheia de borboletas no estomago, presa em um loop de memória de cada beijo trocado naquele dia. O cheiro dele estava em mim, as digitais dos dedos em meus braços, a minha boca ainda podia sentir a dele. Aquilo tinha sido uma loucura total.

Assim que cheguei à fazenda minha mãe me abordou na cozinha.

- Alice, minha filha, eu só queria te proteger dele.

- Eu sei mãe, - A abracei, com falsidade - Ele é um homem com quem não se deve andar, me desculpe, não vai se repetir.

- Mesmo? - Ela sorria de orelha a orelha.

- Sim, mãe, eu te entendo, agora vou tomar um banho, se quiser ajuda para o almoço me chama.

- Está bem.

Todos estavam felizes. Eu tinha esse dom, herdado do meu pai, de acomodar as coisas, de fazer parecer que tudo estava bem. Eu tinha dado a minha mãe exatamente a resposta que ela queria ouvir e que me deixaria em paz. Eu ainda não estava pronta para me rebelar novamente. Estava buscando zero dramas na minha vida de novo. Se eu estava fadada a encontrar Eric as escondidas, de maneira até mais gostosa e aventureira, eu seguiria aquele plano.

Aquela tarde seguiu normalmente para mim e família, tomei banho, almocei, lavei a louça do almoço e fui para meu quarto para abrir o notebook e tentar voltar a escrever. Nada. Minha mente não tinha mais espaço para nada além de Eric vestido de soldado mouro e dos seus beijos.

Lá pelas três horas da tarde ouvi notificações no celular. Breno tentava falar comigo. As mensagens dele eram sempre tão previsíveis.

Queria te ver de novo, pedir desculpas, ter você de volta, me perdoa.

Era impossível pensar nele de novo, mesmo ainda com um sentimento tão forte dentro de mim. Eu não queria, eu não podia, não conseguia. Eu jamais conseguiria perdoar aquele homem pelo tanto que havia me feito chorar, o tanto que tinha me feito de idiota. Mais uma vez a minha concentração era atrapalhada por notificações no celular. Irritada, peguei o aparelho e vi que não era mais Breno. Eric tinha me enviado mensagem.

Boa tarde, moça bonita.

                                                     Boa tarde, gato lindo

Amanhã não posso ir ao seu pai mas vou estar na cachoeira as 4.

                                                    Combinado, quer algo para beber?

Meus beijos não são suficientes para te deixar grogue?

Eu ri. Que delicia...

                                                     Só de lembrar deles já fico mole.

Então me deixa te amolecer.

 Aquela foi a última mensagem que ele mandou. Estava marcado. Era nosso segredo. Era como se tivéssemos voltado a infância naquela cidade e estivéssemos com vontade de fazer tudo que nunca tivemos coragem de fazer quando pequenos. Duas almas livres gostando de brincar. E eu devia tomar cuidado para não me apaixonar já que eu tinha começado a brincadeira. Ele tinha sido claro que não namorava e eu nem tinha perguntado o porquê. Queria saber tudo dele e decidi perguntar a meu pai quando a noite chegasse.

A lua ia alta no céu quando finalmente meu pai foi fumar no estábulo, sozinho. Calmamente eu me aproximei dele e contei tudo que havia acontecido no dia mas ele já sabia.

- O que você esperava da sua mãe, sinceramente Alice?

- Que ela me respeitasse e minhas decisões.

Ele deu um sorriso sarcástico.

- Acho que é esperar demais a essa altura da vida dela, ainda mais depois que te disse para voltar para o filho da puta do seu marido. Ela nunca superou a raiva do Narciso. Ela atura o Eric aqui.

- Já notei isso, pai. Mas e ele? O que ele faz da vida? Ele não gosta da fazenda?

- Ele gosta mais de cavalos que de soja, está indo pelo caminho da independência do pai.

- É por isso que ele não tem namorada?

O Seu Gerson me olhou de soslaio sorrindo.

- Está realmente interessada em saber tudo do Eric?

- Estou sim, pai.

- Ta bão, eu sei pouca coisa porque ele é fechado, não proseia muito mas eu sei que ele teve uma namorada que morreu e isso deixou ele muito mal.

- Morreu? - Me senti realmente triste por ele. Eu devia ter tido mais cuidado - Do que ela morreu, pai?

- Ahh eu sei que foi uma doença do sangue, câncer é isso. Ela chegou a receber um transplante...

- Leucemia?

- Isso mas não deu certo, sabe... Ele tinha uns vinte e oito anos, isso tem uns quatro anos.  De lá para cá, ele estudou e nunca mais viram ele com uma mulher, assim, firme...

- Entendo.

- Filha... - Meu pai me olhou nos olhos - O Eric é desgarrado, não é igual Lucas e Davi, os irmãos mais velhos. Eles se preocupam com a fazenda e a família é tudo para eles, mas Eric... apesar de bom moço, de bom coração, é um homem para se ter cuidado.

- Porque diz isso, pai?

- Ele não gosta da soja, ficou muito tempo na cidade estudando, ele é diferente daquela família e por um lado isso é bom. Ele é diferente do pai, que é um bastardo idiota igual os irmãos dele. Mas ao mesmo tempo, nós nunca sabemos o que passa na cabeça do Eric.

- O que poderia ser, pai?

Meu pai tragou seu charuto profundamente e ficou sério.

- Eric é selvagem, um caboco indomável.

- De que jeito?

- Ele pode te escutar dez vezes, faz o que quer. É bem calmo quando está sóbrio mas quando bebe quer bater em todo mundo. Eu acho filha... - Pausou - Que você deve ter cuidado, se quiser realmente conhecer o Eric. Mas uma coisa é certa, ele é mil vezes melhor do que aquela família e você pode confiar nele de olhos fechados com relação aos negócios, mas coração é outra coisa.

- Outro dia você fazia gosto, pai. Minha mãe já te influenciou.

- Eu lá sou homem de ouvir asneira da tua mãe? Eu só acho que conquistar aquele custoso deve dar dor de cabeça. Gosto muito dele, é um dos meus melhores amigos mas não sei se está recuperado da morte da namorada.

- Entendi. Bom pai, eu vou para cama então e esquecer o Eric. - Menti, mas uma mentira necessária devido a preocupação exagerada da minha mãe.

- Pensa bem, filha, você não pode ter essas emoções fortes agora.

Meu pai beijou minha cabeça, como minha mãe nunca tinha feito e então eu me recolhi. Estava triste, pensativa. Deitei-me em minha cama e chorei. Andava bastante emotiva e talvez meu pai estivesse certo, eu não devia me envolver com ninguém enquanto estivesse de luto pelo meu divórcio. Mas eu acreditava que pensar em Eric estava me fazendo bem. Eu só não queria ser mais uma para fazê-lo esquecer a falecida namorada. Achei que ambos estávamos fazendo o mesmo, tentando esquecer outras pessoas quando na verdade eu queria ser especial para alguém. Uma vez. Pensei em escrever um conto no dia seguinte, tentar quebrar o bloqueio criativo pelo qual passava desde o divórcio. Talvez a história dele me desse argumentos para escrever. A vida real já tem argumentos suficientes para milhares de livros. Cada pessoa tem uma história pessoal e única para contar ao mundo. Talvez ali, perto dele, eu pudesse contar uma história de amor. Mesmo que não fosse minha. Algum dia eu queria ser amada a ponto de ser suficiente. A ponto de bastar. Afinal é tudo que a sociedade nos ensina a buscar, mesmo que para isso a gente sacrifique nosso autoamor. Eu precisava muito aprender a me bastar e por isso tinha em mente de que devia usar e ser usada sem jamais me apaixonar de novo.

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