As semanas se passaram e Alice passou a ter mais cuidado, agora que estava sendo medicada as frequências de suas visitas ao hospital haviam diminuído um pouco. Ela não esqueceu da história de Celeste e de sua ideia de tirar a limpo e tentar decifrar o que era e o que não era real, porém teve cautela quanto a isso. Não queria dar nenhuma desculpa para uma possível internação.
No início de novembro havia perdido peso, se recusava a comer muitas coisas com medo de estarem com algum medicamento ou mesmo com algum veneno. Pensava que se a tia a medicava escondida, podia muito bem resolver a envenenar e se livrar de um estorvo, podendo viver bem com os filhos.
Se lembrava constantemente dos pais, e uma ou duas vezes Amélia a pegou chorando, abraçando os
No dia 2 de novembro, Tia Rosário vestiu as crianças com roupas de luto. Nunca havia pretendido deixar Alice sozinha em casa durante aquele dia.Quando saíram viram que a rua estava em festa, e não de luto como suas roupas sugeriam. Dona Ana passou e acenou com uma caveira detalhadamente desenhada no rosto.— Por que não estamos coloridos também?— Cada um celebra da maneira que achar melhor. Eu, particularmente, me sinto mais triste do que feliz no dia de hoje. Mas não desrespeito a tradição de ninguém.— Eu preferia uma roupa colorida — disse Maurício, que foi aprovado por Amélia.
Não se estenderam muito mais tempo no cemitério, Rosário ficou um pouco mais com os pais e chamou as crianças para irem embora.Agilmente, Maurício achou um lenço vermelho retirado pelo vento de alguma oferenda e cobriu as coisas que Alice havia deixado dentro de sua cesta para dividir com os outros mortos.Voltaram para casa e fizeram uma oração em família por todos os parentes.— A dona Ana vai nos oferecer alguns comes e bebes hoje. Lavem as mãos, daqui a pouco vamos até a casa dela.— Não devíamos vestir algo mais colorido? — perguntou Amélia.— Só se v
Como esperado, Rosário foi seguida por várias pessoas até o cemitério dos loucos. Todos queriam ver como era um surto, todos queriam ver o que aconteceria. Chegaram no portão e entraram atrás de Rosário, que suava e tremia de tanta preocupação. Ia a frente daquela multidão de urubus curiosos a procura de uma história para conversarem mais tarde. Maurício a seguia. Apontou para o exato local que Alice estava, e Rosário se sentiu aliviada por ela ainda está ali e não ter fugido, mais logo depois virou para o lado e vomitou.Alice estava cavando a areia negra e lamacenta do cemitério com as próprias mãos, e parecia ter encontrado alguma coisa.As pessoas eram enterradas de qualquer jeito ali, algumas até sem
— Quanto tempo faz que estou aqui?— Olá, Alice. Meu nome é Mariana, sou psicóloga. Como está se sentindo?— Onde estou?— Você está no hospital, deu entrada no processo de internação há três dias.— Três dias!?— Sim, você foi medicada muitas vezes e também dormiu. Mas agora está tudo bem.— Minha família...— Sua tia esteve aqui todos os dias nos horários de visita. Ela concordou que o melhor para você
O dia 15 de julho de 1962 foi o último dia da vida dos passageiros do voo A75064, que partiu da Cidade do México rumo a Boston pouco antes do nascer do sol.Vinte e cinco minutos após a decolagem foi feita uma tentativa de pouso, mas antes de chegar ao solo uma das turbinas da aeronave explodiu, deixando ao todo 88 mortos e nenhum sobrevivente. Muitos corpos foram mutilados, carbonizados e a maioria não foi encontrado ou reconhecido, inclusive os corpos de Fabián e Rossana Rivera, pais de uma garotinha de 11 anos.A guarda de Alice Rivera foi passada para o parente mais próximo. Sua tia de 46 anos que morava no interior do México, na pequena cidade de Esperanza.Viúva, e com dois filhos para criar, tia Rosário n
— Por que ela não fala, mãe?— Crianças, precisamos conversar.Quando Alice entrou na nova casa foi bombardeada com perguntas pelo primo mais novo, algumas delas especialmente dolorosas. Sem sentir raiva, tristeza ou qualquer sentimento pelo menino, Alice pegou suas malas e rumou para o novo quarto, arrumando tudo automaticamente e sem prestar atenção nas diferenças daquela pequena casa para o seu lar na capital. Na verdade ela não sentia nada fazia um tempo, apenas um vazio e uma vontade constante de morrer.Nem os primos nem a tia entendiam o que Alice sentia, ou deixava de sentir, especialmente os primos, que enxergavam apenas outra criança para fazer companhia nas brincadeiras. Depois de tudo, por&eacut
Uma semana após achegada de Alice havia se passado, as crianças já tinham se acostumado com a presença dela, mas tia Rosário estava perturbada com o fato dela ainda não ter falado nada.Todas as suas tentativas de conversa ou de fazer Alice sair de casa falhavam. Amélia tinha perdido um pouco do medo que sentia pela menina, mas achava desconfortável o fato de ter que dividir o quarto com alguém que mal respirava.— Vamos levar a Alice para conhecer a cidade hoje. Só nos duas.— Ela não vai querer ir.— Falei com um médico sobre ela e ele disse que ela pode estar passando por estresse pós traumático ou alguma
Dois dias se passaram desde que Alice falou pela primeira vez. De vez em quando ela dizia uma coisa ou outra, o que já era um grande avanço. Mas ainda passava a maior parte do tempo calada.Amélia tinha parado de se empenhar muito em fazer amizade com ela, visto que tia Rosário estava satisfeita ao ouvir Alice perguntar sobre o jantar. O que incomodava tia Rosário naquele momento era o fato das aulas estarem prestes a começar. Ela tinha protegido bem a sobrinha das fofocas da cidade até o momento, mas na escola seria muito mais difícil.A primeira pessoa com quem Alice tinha falado após todo o trauma que passou fora Amélia, por isso tia Rosário ainda confiava que algo de bom poderia sair da amizade das duas. Ela era professora a mais de quinze anos e sabia que