Capítulo 3

Grace

Solto Harry assim que ouço passos descendo as escadas. Jenny me dá um olhar estranho e olha para Harry, franze as sobrancelhas e vai para a cozinha. Lembrei que ela me disse que gosta de garotos loiros e de olhos azuis. Antes que eu pergunte para Harry se Natan veio, ouço uma voz familiar:

— Senti sua falta, amiga favorita! — Natan grita e me puxa para um abraço apertado.

— Natan! — exclamo. — Onde está Angela?

— Ela ainda está em Nova York... — Natan me responde enquanto entramos. — Mas ela estará aqui em algumas semanas.

Entrelaço meus dedos com Harry e os acompanho até a sala. Vou até a cozinha, para servi-los com alguma bebida ou alguma coisa e Natan me segue, dizendo que está com muita fome para esperar na sala, enquanto Harry fica admirando os quadros de Hannah e as muitas fotos espalhadas pelas paredes.

Quando chego ao balcão, sinto um puxão na minha mão. Olho para baixo e Jenny está tentando esconder-se atrás de mim, longe de ser a garota ousada que eu tinha conhecido.

— Não seja tímida. Ele não morde — comento. Natan sorri. Ergo as sobrancelhas e coloco minha mão ao redor dela. — Natan, esta é Jenny. — Eu a empurro para frente, e ela solta um suspiro insatisfeito. — Jenny, diga olá para Natan. 

Ela lhe dá um rápido aceno, mas permanece do meu lado.

— Eu acho que você pode fazer melhor do que isso, Jenny. Você estava me dizendo uns dias atrás que ele é o seu tipo favorito: loiro e de olhos azuis.

Grace! — Ela diz entre dentes, e seu rosto fica vermelho como um tomate.

— Eu sou o seu favorito? — Natan sorri. — Os outros meninos vão morrer de inveja.

Jenny ficou mais à vontade com Natan depois que ele empurrou dois canudos em seu nariz e começou a fazer ruídos estranhos. Kath achou hilário.

— Você quer vir para a minha primeira atuação de teatro amanhã? — Jenny está segurando minha mão, olhando para Natan, que está na porta, pronto para ir. Faço uma careta e olho para ela:

— Jenny... Natan é muito ocupado.

— Na verdade, eu não estou muito ocupado no momento. Nós ganhamos uma pausa de alguns dias antes de voltar para rotina do trabalho. Não me importaria de ir a um teatro. Faz tempo que não assisto um.

Eu nunca tinha visto Jenny sorrir tão largo em todo esse tempo que a conheço. Então peço para ela dizer um boa noite de despedida e subir para seu quarto, porque já está na hora de dormir. Ela grita um tchau e sobe as escadas correndo.

Dou risada e volto minha atenção para eles. Natan se vira para Harry e lhe dá um tapa no ombro.

— Te espero no carro. Até amanhã, Grace.

— Tchau, Natan!

— Então... — Harry sorri. — Que tal irmos jantar em algum lugar amanhã?

— Amanhã é sexta, não posso. Hannah vai precisar de mim, e Jenny vai receber as amigas dela aqui para uma noite do pijama — respondo. Ele assente com a cabeça, comprimindo os lábios.

— Tudo bem, vamos no sábado então. 

— Sim, vamos sábado — respondo. Harry me beija com carinho, depois me dá um beijo na testa. 

— Te vejo amanhã, linda.

— Até amanhã — lhe dou um beijo no rosto.

Londres, Inglaterra

Sexta-feira, 14 de setembro de 2018

Reajusto meu telefone para apoiá-lo melhor entre meu rosto e meu ombro enquanto eu tento cozinhar o almoço. Não dá certo.

— Aguenta aí, mãe. Só um segundo — digo, e coloco o celular no viva voz em cima do balcão.

— Você sabe que eu odeio viva voz. Grace, me tira do viva voz.

— Eu sou a única aqui, mãe. Ninguém pode ouvir você e eu preciso das duas mãos agora.

Pelo menos você está cozinhando e não comendo besteiras todas as noites. Você ganhou peso? Você precisa ganhar peso minha filha, aquele lugar deve ter te deixado desnutrida e você não quer me contar. 

Reviro os olhos. Ela não consegue acreditar que estou bem. Fisicamente, pelo menos. Só ganhei algumas cicatrizes. Ela não precisa saber que tenho pesadelos quase todas as noites com as pessoas que conheci e que foram assassinadas brutalmente.

Ela não precisa saber que ainda acordo gritando e apavorada. Que, lentamente, depois de muitos dias perdidos, eu voltei à vida. Tento seguir o conselho de Hannah, em colocar meus pensamentos no papel, apesar de ela insistir que eu marque uma consulta com um terapeuta.

Ao invés disso, digo à minha mãe que tenho um encontro amanhã. Ela ainda não sabe que conheci Harry naquele lugar. Para ela, ele é um britânico lindo que encontrei enquanto levava Jenny aos treinos de futebol.

Um dia vou dizer-lhe como eu sobrevivi, apesar de tudo. Eu vou dizer-lhe que quando acordo nas manhãs, parece impossível sentir prazer em qualquer coisa, porque eu tenho medo que isso possa ser tirado de mim. É quando eu faço uma lista na minha cabeça de cada ato de bondade que eu vi alguém fazer. É quando me lembro do amor que sentem por mim. Quando lembro que minha família está segura e bem. Quando lembro que tenho Harry na minha vida. 

— Na verdade, eu perdi alguns quilos, mãe.

Espero que não sejam muitos — resmunga.

Dou risada.

— Mãe, você sempre reclama...

Apenas sinto sua falta. Quando você vai voltar para casa? Você não vai esperar até o Natal, não é? O que você está cozinhando? Alguma coisa gostosa?

Adiciono brócolis, cenoura e água no óleo de canola quente e depois os giro em torno da frigideira.

— Eu também sinto a sua falta. E eu não sei. Vou olhar a agenda da Hannah... frango e legumes refogados, e eu espero que esteja ótimo.

Você temperou o frango antes? Você sabe que tem que temperar primeiro? Deixar marinar.

— Sim, mãe. O frango está temperado aqui em cima do balcão ao meu lado.

Você acrescentou algo a mais?

— Não, mãe — sorrio.

Por que você está comendo nesse horário?

— Esqueceu o fuso horário, mãe? É a hora do almoço aqui.

Ah, sim, eu esqueci. O que você vai fazer hoje? Elas não estão te mantendo muito ocupada no trabalho, estão?

— Vamos assistir ao teatro da Jenny no parque mais tarde. Harry e Natan vão nos acompanhar. E eu estou me mantendo ocupada. Gosto assim e você sabe disso. Preciso manter a mente ocupada.

Você não está saindo sozinha à noite, está?

— Claro que sim — reviro os olhos. Ela sabe que nunca mais irei sair por essas ruas sozinha depois que o sol se pôr. Não é seguro. 

Grace! Não revire os olhos para mim!

Solto uma gargalhada, porque minha mãe me diverte, mesmo quando me repreende, e me sinto bem. Parece que eu não ria há muito tempo.

Grace? — Ela diz, com a voz preocupada.

— Estou aqui.

Está com saudades de casa?

— Só de vocês. Diga ao Gab que disse um oi.

Filho? Gabriel! Grace está dizendo oi.

Eu pude ouvir Gab de algum lugar na casa.

Oi Gracie! Sinto sua falta, bobona!

Minha garganta aperta e lágrimas ameaçam cair. Meu irmãozinho está feliz. As coisas estão voltando ao normal e isso me faz sorrir.

Tive que dar comprimidos antigases para ele esta semana. — Minha mãe diz. Eu podia ouvir a expressão divertida na voz dela e eu rio novamente.

— Sinto muita falta de vocês.

Também sentimos saudades, filha.

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