Katherine está pegando flores amarelas do gramado. Ela pega duas de cada vez, e depois as solta no colo de Harry. Ele tinha uma coleção de quase doze, e sorria cada vez que ela vinha até ele.
Harry é uma pessoa completamente diferente quando sorri, tão brilhante, como se pudesse iluminar até mesmo os dias mais nublados.
— Então, estava pensando... — Natan começa, enquanto descansa a cabeça na mão, deitado de lado no gramado. Ele está puxando folhas da grama e brincando com elas. — Que tal sairmos beber numa noite dessas?
— Eu acho uma boa ideia. Só tem que ser no dia da minha folga.
— Ótimo! — Natan sorri pra mim. — Então acho que podemos ir para o The Globe.
Antes que eu possa dizer alguma coisa, Harry olha para nós com as sobrancelhas franzidas.
— Ela não vai para o The Globe.
— O que há de errado? — Natan pergunta. Harry olha para ele como se estivesse louco:
— É um bar, Natan! Cheio de velhos bêbados!
— Você está dizendo isso só porque lá não tem a cerveja que você gosta. — Natan rebate, depois revira os olhos e olha para mim. — Nós vamos para o The Globe. Você vai adorar o Greg.
— Quem é Greg? — pergunto.
— O bartender bêbado que é dono do lugar. Ele tem cheiro de cebola e salsicha, mas Natan acha que ele é gente boa. — Harry diz. Natan o encara com a testa franzida e argumenta:
— Ele tem boas histórias.
Harry suspira e volta sua atenção para Kath, que lhe entregou outra flor.
Estamos no Green Park para assistir à atuação de Jenny. Há muitas famílias acomodadas na grama. É um campo grande, rodeado de árvores e o clima está nublado, com o sol escondendo-se entre as nuvens. Quando a peça chega ao fim, eu espero Jenny terminar de dizer adeus aos seus amigos, antes de ir até ela.
— Você foi muito bem! — elogio ela.
— Sério? — sorri.
— Sério! Meus amigos vão concordar.
O rosto de Jeny torna-se triste quando ela olha atrás de mim. Viro-me e vejo Natan sorrindo para ela e Katherine acenando do colo de Harry.
— Onde está a mamãe? — Jenny pergunta. Forço um sorriso, tinha esquecido dessa pergunta.
— Ela realmente queria estar aqui, Jenny, muito mesmo. Mas algo importante surgiu no trabalho para ela resol-
Ela franze a testa, apenas por um momento.
— Natan viu tudo?
— Sim, ele viu.
Ela morde o lábio e corre até eles, animada.
— Lá está ela! — Natan grita. — O futuro do teatro britânico, Srta. Jenny Burton!
Jenny fica com as bochechas vermelhas de tão tímida, e pergunta:
— Você gostou?
— Se gostei? — Natan engasga. — Eu amei! Eu nunca vi Shakespeare tão bem feito!
Sorrio, e Harry revira os olhos.
— Sério? — pergunta Jenny. — Você já viu muito Shakespeare?
— Sim! Sou muito conhecido por se envolver no personagem. Sei todas as falas! — Natan dá de ombros. Harry zomba, colocando Katherine no chão, que estava se esperneando, provavelmente para pegar o último grupo de botões amarelos deixados no gramado.
— Qual é a sua peça favorita? — Jenny pergunta. Natan estala a língua, olha para mim e se ajoelha na minha frente, pega minhas mãos nas suas, sorri e diz, com sua voz teatral:
— O que é a luz que brilha através daquela janela? É o Oriente, e Julieta é o Sol.
Mordo os lábios, tentando evitar o largo sorriso enquanto Jenny ri ao meu lado.
— Natan Sanders, você é cheio de surpresas — digo. Ele sorri, levantando-se. Mais uma vez, Harry revira os olhos e resmunga:
— Por favor, não se deixem enganar por sua ignorância. Natan assistiu a versão de Leonardo DiCaprio muitas vezes. — Harry diz. Natan faz uma careta com o comentário e exclama:
— Não seja um ciumento porque você não é tão bom com as mulheres como eu sou!
— Sim, muito bom. — Harry bufa.
Natan decidiu ignorá-lo e que sorvete seria uma obrigação depois de um grande desempenho. Então ele pegou Katherine no colo e a levou em direção ao carrinho de sorvete, enquanto eu esperava com Jenny e Harry.
— Grace? — Jenny pergunta depois.
— Sim, docinho?
— Eu acho que ele precisa de uma namorada.
Harry olha para outro lado, e pressiona os lábios para não rir.
— Você acha? — pergunto. Ela assente.
— Sim, talvez você devesse sair com Natan.
Harry vira-se para nós, seu rosto vermelho por segurar o riso.
— Sim, Grace, talvez você devesse sair com Natan.
Dou um tapa em seu braço, e ele ri ainda mais.
Londres, Inglaterra Sábado, 15 de setembro de 2018 Harry vem me buscar em uma hora, e a minha longa conversa com Sara no telefone mal me deixou tempo suficiente para arrumar meu cabelo. Sara é a minha amiga brasileira, e converso com ela apenas sobre o meu dia a dia aqui. Ela não sabe das outras coisas. Inventei desculpas por ter demorado entrar em contato e ela esqueceu disso no momento que falei do meu encontro hoje. Para ela, Harry é só um cara que conheci em Londres, e que me fez esquecer com quem eu sonhava. Isso bastou para deixá-la feliz. Coloquei o vestido azul marinho que comprei da promoção na King Street. Depois de calçar meu único tênis all star, fui para o quarto de Hannah. Quando eu disse a ela sobre o jantar, ela me ofereceu o livre acesso ao seu closet. Ela estava sempre indo para eventos sociais, deixando-a na posse de alguns acessórios que eu só via através da vitrine no shopping. Me c
Assim que o show termina, Harry já está com seu celular na orelha. Ele liga e desliga duas vezes, e suspira, irritado. — O que foi? — pergunto e ele dá de ombros, coçando a parte de trás do pescoço. — O idiota, que abre a porta dos fundos, não está atendendo. Estamos presos aqui até que ele retorne, porque eu não vou sair pela entrada da frente com você. Franzo a testa. Por que ele está com raiva? — Posso ir primeiro. Pegar o seu carro e- Harry me interrompe, com o tom de voz firme: — Grace, nós não vamos sair pela frente. Pensei em perguntar por que ele estava sendo tão resistente. Quer dizer, os fotógrafos não estavam esperando por mim. Eu poderia entrar e sair sem que eles sequer levantem suas câmeras. Passei por situações piores na Tailândia, eu posso lidar com alguns fotógrafos. — Vamos lá — Harry diz, acenando com a cabeça para as portas do saguão. — Eu vou tentar ligar novamente. Você precis
— Eu não achei que seria esse tumulto... — Sim — Harry suspira novamente. — É assim que eles são o tempo todo, então, quando eu te pedir para fazer algo, me escute. Engulo em seco, concordando com a cabeça. — Não faça isso de novo — Harry diz depois de ligar o carro. Forço um sorriso e respondo: — Desculpe. Eu só... eu só queria ir embora. — Então você deveria ter me dito. Respiro fundo e pergunto: — Quem era ela? — Tiffany... eu costumava sair com ela, antes de... antes de tudo. — Ela era a sua namorada? Harry para no sinal vermelho e olha para mim. — Não. Nunca tive uma namorada antes de você... ela era alguém que eu chamava quando queria sexo — Harry responde. Fico em silêncio e olho para a janela. — O que elas disseram? —pergunta, ainda olhando para mim. — Quero dizer, o que fez você querer sair daquele jeito? — Isso não é importante — sussurro. — É importante para mim. <
Londres, Inglaterra Sábado, 15 de setembro de 2018 A porta do elevador está prestes a se fechar nas costas de Harry quando entro, e depois que ela se fecha, e antes que eu possa impedir minha loucura, aperto o botão de parar. — Grace, você está louca? — Harry pergunta. — Você realmente precisa que eu responda a essa pergunta? — Eu preciso lembrar que você tem pavor de pequenos lugares apertados? — Não, não tem necessidade — resmungo, olhado ao redor — estou muito ciente. — Grace — Harry diz, com gentileza. — E se nós permitirmos que o elevador se mova de novo, antes que você tenha uma pane mental? Afasto a ideia da minha cabeça. Tenho outras coisas em mente. — Me desculpe — digo. — Tudo bem — Harry diz, sem entender. — É só apertar o botão... — Não, não por isso. Pelo que eu disse antes. Sinto muito que eu tenha feito você se sentir como se não fosse sufici
Volto para casa de Hannah, com Harry me seguindo, somente para devolver o carro e então volto com Harry para o apartamento dele. Quando chego, vou direto deitar em sua cama enquanto ele vai ao banheiro. Faz semanas desde que eu dormi com ele, então sua cama é um conforto bem-vindo. Acho que vai ser sempre um conforto para mim. Eu ainda tenho problemas para dormir sozinha. Mesmo com as pílulas para dormir que comprei, minhas noites são inquietas e muitas vezes tenho flashes daquela casa quando eu fecho meus olhos. Os flashes não são quase tão ruins quanto os pesadelos, mas eles ainda são um lembrete constante da turbulência na minha vida. Depois que nos acomodamos para dormir, tenho dificuldade para manter meu cérebro desligado. Toda vez que fecho meus olhos, vejo Derek na minha frente. O homem que eu matei com um tiro na cabeça. Quanto mais eu tento e luto contra os pensamentos, mais vivos eles se tornam. Ele está bem aqui comigo, dentro da minha mente. Então a figur
Londres, Inglaterra Domingo, 16 de setembro de 2018 Na manhã seguinte, Harry me leva até a casa de Hannah. Agora ele está sentado em frente ao balcão, comendo os donuts que compramos no caminho, em um silêncio confortável. O episódio da madrugada foi quase esquecido, por enquanto. Sei que Harry vai me fazer ir para uma consulta com o terapeuta mais tarde. Eu estava me servindo uma xícara de café quando ouvi a porta da frente sendo aberta, e os passos que parecem de elefante pelo corredor. — Grace! — Jenny grita. — Grace, estamos em casa! Você sentiu nossa falta? Tia Ju me mostrou suas fotos no computador! Você se divertiu no show? Por que você deixou Harry tocar em você?! Você provavelmente tem piolhos agora! Você devia ir ao médico! As fotos que tiraram ontem já estão na internet? Abro um sorriso, e Harry faz uma careta, enquanto Jenny e Katherine invadem a cozinha. — Oh
Londres, Inglaterra Quarta-feira, 19 de setembro de 2018 Eu sabia que já era hora de eu me recompor e conseguir ajuda, porque tudo o que eu queria fazer era desaparecer. A primeira vez que fui ver a Dra. Thompson, foi o dia depois do meu ataque no apartamento do Harry. Nós decidimos que eu iria vê-la duas vezes por semana, na segunda e na quarta-feira. Durante a primeira sessão, lhe disse tudo o que tinha acontecido desde maio: Brasil, minha família, Hannah e as meninas, o sequestro, Harry e as mortes que vi ou causei. Contei tudo, sobre como foi minha infância e porque eu não procurei a terapia no início, quando os sonhos com Harry começaram a me tirar da realidade. A Dra. Thompson está me ajudando a ver que, o que Chase fez não foi culpa minha. Eu ainda abrigo a culpa sobre isso, mas não tanto quanto eu costumava fazer. Ela está me ajudando a aprender a tolerar as minhas emoçõ
Londres, Inglaterra Quinta-feira, 20 de setembro de 2018 Sr. Moo estava escondido embaixo do meu braço quando acordei, com uma confusão de lençóis tão enrolados em torno de mim que eu não conseguia me mover. A primeira coisa que notei ao abrir os olhos, foi que Katherine não estava aqui. Ela dormiu nos meus braços na noite passada. Nos meses em que eu estive em Londres, não houve uma manhã que eu acordei sem Jenny e Katherine batendo na minha porta. Então eu sei que nada de bom poderia vir de uma manhã em que acordei sozinha. Eu estava massageando meu pescoço quando comecei a descer as escadas. Dormir na cama de Katherine não me fez bem. Mesmo antes de ver o rastro de migalhas que está fazendo um caminho da cozinha até a sala, eu sabia de onde as risadinhas estavam vindo. É por isso que não fico surpresa quando vejo Jenny e Katherine em pé ao lado do sofá, com canetinhas hidrográficas em uma de suas mãos e coo