Londres, Inglaterra
Sábado, 15 de setembro de 2018
Harry vem me buscar em uma hora, e a minha longa conversa com Sara no telefone mal me deixou tempo suficiente para arrumar meu cabelo.
Sara é a minha amiga brasileira, e converso com ela apenas sobre o meu dia a dia aqui. Ela não sabe das outras coisas. Inventei desculpas por ter demorado entrar em contato e ela esqueceu disso no momento que falei do meu encontro hoje. Para ela, Harry é só um cara que conheci em Londres, e que me fez esquecer com quem eu sonhava. Isso bastou para deixá-la feliz.
Coloquei o vestido azul marinho que comprei da promoção na King Street. Depois de calçar meu único tênis all star, fui para o quarto de Hannah. Quando eu disse a ela sobre o jantar, ela me ofereceu o livre acesso ao seu closet. Ela estava sempre indo para eventos sociais, deixando-a na posse de alguns acessórios que eu só via através da vitrine no shopping. Me conformei com um pequeno par de brincos, que eu tinha certeza que custava mais do que eu ganho em um mês.
Estou com muitas expectativas para esta noite. Espero que Harry esteja tão animado quanto eu. Nós conversamos pouco desde ontem, apenas algumas mensagens de texto, mas não consegui decifrar se ele estava animado. Ou ansioso. Ou nervoso.
Será que só eu estou me sentindo assim?
Eu estava retocando o batom pela última vez, quando a campainha tocou lá embaixo.
— Graaciieee, Harry está aqui! — O grito de Jenny é tão estridente, que me faz estremecer. Suspiro ao olhar para o espelho. Aliso a saia do meu vestido, verificando se não ficou nenhum amassado.
Então começo a descer as escadas, mas paro quando o vejo. Harry está encostado contra a parede do corredor de entrada, os braços cruzados e sorrindo para Katherine. Ela está demonstrando como ir da primeira para a segunda posição. É engraçado que ela nunca se importa com isso durante a aula de ballet, mas assim que ela fica na frente dele, é como se ela fosse uma bailarina exemplar.
— Gracie, você está tão bonita! — Jenny jorrou, correndo feito uma louca na minha direção. Eu sorri enquanto descia as escadas. Com o canto do meu olho, eu vi Harry endireitar-se para me olhar.
Hannah veio gingando da cozinha.
— Ela não está bonita, Harry? — Jenny sorri para ele. Harry tosse, surpreso.
— Uh — ele gagueja e engole em seco. Me olha fixamente. — Sim, ela está.
Antes que eu possa dizer qualquer coisa, Hannah levanta uma sobrancelha, revira os olhos e b**e no peito de Harry com as costas da mão. Harry solta um pequeno oof e esfrega o local onde ela bateu. Dou risada.
— Vamos — diz, e estende a mão para mim.
Eu só consegui fazer uma despedida rápida para as meninas e Hannah, antes de Harry me puxar porta afora. Elas irão passar a noite com a vovó Anny e a tia Judith, para que Hannah possa ter um bom repouso, já que não estarei aqui para distrair as meninas.
Com o tráfego intenso na avenida, era difícil perder de vista o outdoor gigante no Barbican Theatre. Ele vai me levar para assistir a Orquestra Sinfônica de Londres! Meu sorriso se desfaz no mesmo momento em que Harry faz uma curva à direita, para o lado contrário. Não vamos para a orquestra? Ele disse que seria uma surpresa, mas realmente achei que fosse isso.
— Amor, eu acho que você devia ter entrado por ali... — comento ao apontar para a entrada do teatro. Harry não olha para mim. Ele ajusta sua mão no volante e responde:
— Temos que dar a volta e entrar pelos fundos.
— Por quê? — levanto uma sobrancelha.
Ele molha os lábios e suspira.
— Porque há fotógrafos na frente.
— Ah.
Eu quase me esqueci sobre as especulações de que o filho de um dos empresários mais cobiçados do país está de volta na cidade. Eu também não sabia que a família dele é muito conhecida por aqui, no ramo empresarial. George não é conhecido pelo o que ele faz, e sim pelas posses que possui. E Harry é considerado filho dele. O filho que estava mochilando por aí durante cinco anos. O fato é que Harry ainda não havia me falado isso.
— Eu entendo — forço um sorriso. — Você não quer ser visto comigo.
O que eu sou para essa sociedade?
A garota que fisgou o garoto rico da família Sanders? Interesseira?
Ele balança a cabeça, negando, mas não olha para mim. Mais uma vez, ele reajusta o aperto no volante e suspira. Esse não é o Harry que conheci nos meus sonhos. O Harry dos meus sonhos é divertido e nunca ficava de mau humor. Ele está tão irritado agora que nem sequer olha para mim. O que será que está havendo?
— Não é isso — Harry afirma, quebrando o silêncio. Mas antes que eu pudesse ter a chance de perguntar o que ele quis dizer com isso, ele para o carro no beco atrás do teatro.
Harry desata o cinto de segurança, abre a porta do carro e sai. Ele parece nervoso. Muito nervoso. Quando ele abre a porta para mim, ele está com o telefone celular na orelha, murmurando “nós estamos aqui”, então desliga. Harry mal tinha colocado seu telefone no bolso da frente da calça, quando a porta lateral se abre, e um homem aparece para nos acompanhar. Harry pega minha mão, fazendo-me segui-lo até o pequeno lance de escadas. Quando chegamos ao topo, o homem afasta-se para nos deixar entrar.
— Sr. Smith.
Harry assentiu em resposta. Seguimos por um longo corredor. Nossos lugares eram no meio da primeira fila, entre um casal de meia idade e duas mulheres, ambas com crachás e câmeras fotográficas. Jornalistas, presumi. Sentei-me ao lado delas, enquanto Harry se sentou à minha esquerda.
Assim que o show termina, Harry já está com seu celular na orelha. Ele liga e desliga duas vezes, e suspira, irritado. — O que foi? — pergunto e ele dá de ombros, coçando a parte de trás do pescoço. — O idiota, que abre a porta dos fundos, não está atendendo. Estamos presos aqui até que ele retorne, porque eu não vou sair pela entrada da frente com você. Franzo a testa. Por que ele está com raiva? — Posso ir primeiro. Pegar o seu carro e- Harry me interrompe, com o tom de voz firme: — Grace, nós não vamos sair pela frente. Pensei em perguntar por que ele estava sendo tão resistente. Quer dizer, os fotógrafos não estavam esperando por mim. Eu poderia entrar e sair sem que eles sequer levantem suas câmeras. Passei por situações piores na Tailândia, eu posso lidar com alguns fotógrafos. — Vamos lá — Harry diz, acenando com a cabeça para as portas do saguão. — Eu vou tentar ligar novamente. Você precis
— Eu não achei que seria esse tumulto... — Sim — Harry suspira novamente. — É assim que eles são o tempo todo, então, quando eu te pedir para fazer algo, me escute. Engulo em seco, concordando com a cabeça. — Não faça isso de novo — Harry diz depois de ligar o carro. Forço um sorriso e respondo: — Desculpe. Eu só... eu só queria ir embora. — Então você deveria ter me dito. Respiro fundo e pergunto: — Quem era ela? — Tiffany... eu costumava sair com ela, antes de... antes de tudo. — Ela era a sua namorada? Harry para no sinal vermelho e olha para mim. — Não. Nunca tive uma namorada antes de você... ela era alguém que eu chamava quando queria sexo — Harry responde. Fico em silêncio e olho para a janela. — O que elas disseram? —pergunta, ainda olhando para mim. — Quero dizer, o que fez você querer sair daquele jeito? — Isso não é importante — sussurro. — É importante para mim. <
Londres, Inglaterra Sábado, 15 de setembro de 2018 A porta do elevador está prestes a se fechar nas costas de Harry quando entro, e depois que ela se fecha, e antes que eu possa impedir minha loucura, aperto o botão de parar. — Grace, você está louca? — Harry pergunta. — Você realmente precisa que eu responda a essa pergunta? — Eu preciso lembrar que você tem pavor de pequenos lugares apertados? — Não, não tem necessidade — resmungo, olhado ao redor — estou muito ciente. — Grace — Harry diz, com gentileza. — E se nós permitirmos que o elevador se mova de novo, antes que você tenha uma pane mental? Afasto a ideia da minha cabeça. Tenho outras coisas em mente. — Me desculpe — digo. — Tudo bem — Harry diz, sem entender. — É só apertar o botão... — Não, não por isso. Pelo que eu disse antes. Sinto muito que eu tenha feito você se sentir como se não fosse sufici
Volto para casa de Hannah, com Harry me seguindo, somente para devolver o carro e então volto com Harry para o apartamento dele. Quando chego, vou direto deitar em sua cama enquanto ele vai ao banheiro. Faz semanas desde que eu dormi com ele, então sua cama é um conforto bem-vindo. Acho que vai ser sempre um conforto para mim. Eu ainda tenho problemas para dormir sozinha. Mesmo com as pílulas para dormir que comprei, minhas noites são inquietas e muitas vezes tenho flashes daquela casa quando eu fecho meus olhos. Os flashes não são quase tão ruins quanto os pesadelos, mas eles ainda são um lembrete constante da turbulência na minha vida. Depois que nos acomodamos para dormir, tenho dificuldade para manter meu cérebro desligado. Toda vez que fecho meus olhos, vejo Derek na minha frente. O homem que eu matei com um tiro na cabeça. Quanto mais eu tento e luto contra os pensamentos, mais vivos eles se tornam. Ele está bem aqui comigo, dentro da minha mente. Então a figur
Londres, Inglaterra Domingo, 16 de setembro de 2018 Na manhã seguinte, Harry me leva até a casa de Hannah. Agora ele está sentado em frente ao balcão, comendo os donuts que compramos no caminho, em um silêncio confortável. O episódio da madrugada foi quase esquecido, por enquanto. Sei que Harry vai me fazer ir para uma consulta com o terapeuta mais tarde. Eu estava me servindo uma xícara de café quando ouvi a porta da frente sendo aberta, e os passos que parecem de elefante pelo corredor. — Grace! — Jenny grita. — Grace, estamos em casa! Você sentiu nossa falta? Tia Ju me mostrou suas fotos no computador! Você se divertiu no show? Por que você deixou Harry tocar em você?! Você provavelmente tem piolhos agora! Você devia ir ao médico! As fotos que tiraram ontem já estão na internet? Abro um sorriso, e Harry faz uma careta, enquanto Jenny e Katherine invadem a cozinha. — Oh
Londres, Inglaterra Quarta-feira, 19 de setembro de 2018 Eu sabia que já era hora de eu me recompor e conseguir ajuda, porque tudo o que eu queria fazer era desaparecer. A primeira vez que fui ver a Dra. Thompson, foi o dia depois do meu ataque no apartamento do Harry. Nós decidimos que eu iria vê-la duas vezes por semana, na segunda e na quarta-feira. Durante a primeira sessão, lhe disse tudo o que tinha acontecido desde maio: Brasil, minha família, Hannah e as meninas, o sequestro, Harry e as mortes que vi ou causei. Contei tudo, sobre como foi minha infância e porque eu não procurei a terapia no início, quando os sonhos com Harry começaram a me tirar da realidade. A Dra. Thompson está me ajudando a ver que, o que Chase fez não foi culpa minha. Eu ainda abrigo a culpa sobre isso, mas não tanto quanto eu costumava fazer. Ela está me ajudando a aprender a tolerar as minhas emoçõ
Londres, Inglaterra Quinta-feira, 20 de setembro de 2018 Sr. Moo estava escondido embaixo do meu braço quando acordei, com uma confusão de lençóis tão enrolados em torno de mim que eu não conseguia me mover. A primeira coisa que notei ao abrir os olhos, foi que Katherine não estava aqui. Ela dormiu nos meus braços na noite passada. Nos meses em que eu estive em Londres, não houve uma manhã que eu acordei sem Jenny e Katherine batendo na minha porta. Então eu sei que nada de bom poderia vir de uma manhã em que acordei sozinha. Eu estava massageando meu pescoço quando comecei a descer as escadas. Dormir na cama de Katherine não me fez bem. Mesmo antes de ver o rastro de migalhas que está fazendo um caminho da cozinha até a sala, eu sabia de onde as risadinhas estavam vindo. É por isso que não fico surpresa quando vejo Jenny e Katherine em pé ao lado do sofá, com canetinhas hidrográficas em uma de suas mãos e coo
Londres, Inglaterra Sexta-feira, 21 de setembro de 2018 Gabriel queria fazer aulas de judô. — Eu gosto disso — Gabe sussurra. — Mas a mamãe não quer... — Gabriel, você precisa falar com ela... — Mas eu estou falando, Gracie — ele suspira. Se eu estivesse vendo-o agora, ele provavelmente jogou a cabeça contra o travesseiro tão forte, que a cabeceira da cama bateu contra a parede. — Você só tem dez anos! A única coisa que você precisa focar é em suas notas na escola. Você ainda tem muito tempo pela frente... Sei que ele não tem certeza sobre as coisas, mas isso é normal. Havia tanta pressão sobre o seu futuro que é natural que ele mude o foco das coisas. — Olha, eu sei que minhas notas não são tão boas, mas eu queria... — Queria o quê? — Não sei... Eu só quero ser feliz. Fecho meus olhos. Se eu não p