Alexandre encarou o médico por alguns segundos, não estava entendendo o que o homem de jaleco branco estava tentando lhe dizer. Ou melhor, não queria aceitar.
— Minha filha está morrendo?
Ele perguntou sério, como se o médico tivesse dito a coisa mais absurda do mundo e talvez tivesse, Merida era sua menininha de cinco anos, mal tinha acabado de vir ao mundo, tinha tanta coisa para viver ainda, ele ia levá-la para a Disney, claro quando lhe sobrasse tempo, pensando bem, depois que tudo isso passasse, ele com certeza ia dar um jeito de levá-la aonde quisesse, menos para o túmulo. Não, isso nunca.
— Sua filha perdeu muito sangue e não temos um doador compatível, já comentei sobre isso. Não temos muito tempo. Estou dizendo isso para que você se prepare.
— Eu não vou me preparar para enterrar minha filha. Ela só tem cinco anos.
Ele esbravejou.
— Sinto muito. — O médico falou no automático, claro que sentia muito por aquilo, mas todos os dias tinha que dar essas notícias, então para ele era como se houvesse um botão no seu sistema. Suas emoções já não entravam em jogo há muito tempo.
— Está nas mãos de Deus!
Disse e saiu no quarto. Alexandre olhou para a cama azul, a filha estava ligada a tubos, desacordada, quieta... Uma lágrima escorreu em sua face. Aquela era Merida e ela nunca ficava quieta.
Alexandre saiu do quarto um pouco, no corredor ficou perdido, estava tremendo, se sentia tão sozinho, não queria estar passando por aquilo. Ele odiava isso.
Enxergou uma placa escrito "capela" e caminhou até lá, entrou e se ajoelhou em frente a imagem de Jesus.
Queria rezar, mas tudo o que saía eram lágrimas, ele não conseguia controlar a emoção.
Tudo tinha mudado drasticamente desde o dia do acidente de Merida, a menina sempre foi ligada no 220 e cair da escada tinha sido resultado de suas brincadeiras.
Merida caiu em cima da mesinha de vidro, ele odiava aquela mesinha, mas não teve tempo de jogar no lixo desde a morte de Sandy, ela gostava e por isso ele a manteve em casa.
Se ele soubesse que aquilo ia acontecer...
Sentia-se tão culpado.
Já fazia alguns dias que Merida estava naquele hospital, precisava de sangue, pois os vidros da mesinha haviam lhe machucado muito quando se quebrou embaixo dela.
O grande problema era que não havia sangue do tipo dela no banco de doações, ele não podia doar, ninguém da sua família podia. A mãe estava morta e a família dela não mantinha contato com ele, o consideravam culpados pela morte de Sandy na hora do parto.
Ela teve complicações e quando lhe perguntaram quem queria que salvasse, sim ele escolheu Merida e sabia que Sandy não o condenava por isso.
Ele não estava preparado para perde-la também agora.
Colocou a cabeça entre as mãos, a mente estava em um turbilhão, sentia medo e pavor, doía tanto, ele não se via perdendo aquela baixinha, Deus não poderia permitir isso, ela era tão inocente, tinha tanta coisa para viver ainda, não ele não aceitava.
— Por favor, não leva a minha filha. Por favor? Eu estou te implorando... Não tira ela de mim.
Ele pediu aos prantos, sem conseguir conter todas as lágrimas que saíram de dentro de seus olhos claros, havia um pressão no seu peito e doía demais, ele sentia vontade de se render àquela dor, mas por sua ruivinha ele tinha que ser forte.
Joana encostou a cabeça contra o concreto e sentiu o focinho molhado do filhotinho, ela sorriu e acariciou o pelo sujo de Mousse, ela sabia que o pobre cãozinho estava com fome e ela também estava, tinha tentado conseguir algo de manhã, mas tinha sido expulsa de uma lanchonete após um babaca ter tentado agarra-la e ela lhe acertado um soco no nariz.
— Ei menina... - Um mendigo caminhou devagar até ela, era um senhorzinho muito gentil que gostava muito de Joana e já a protegera na rua, ele não era muito velho, tinha o cabelo todo desgrenhado, vestia trapos e chamava-se Farrapim, o nome verdadeiro, ele nunca disse a ninguém, ria das pessoas quando questionado. — Acho que você vai gostar desse salgado. — Ele passou um pacotinho marrom para ela. — Consegui ali do lado...
— Não posso aceitar Farrapim, é seu.
— Não se nega nada menina, pega e divide com o filhotinho.
Ela pegou o pacotinho e sorriu para ele. Joana era uma moça de 26 anos, seu cabelo era da cor do fogo, seus olhos castanhos e mesmo tão suja e em farrapos era linda. Joana era garota de interior e só morava na rua porque não conseguia arrumar emprego e seu orgulho não deixava que voltasse para a casa dos pais depois de dizer a eles que conseguiria tudo o que eles sempre zombaram, seus sonhos eram uma besteira para todos eles e ela havia se cansado disso.
Quando uma editora famosa aceitou sua história e ofereceu para publicar, Joana fez de tudo para conseguir isso e o livro de fantasia era o início do seu sucesso, ela estava animada e esperançosa. Tudo deu errado, seu sonho foi roubado.
Surpresa e confusa com o golpe, Joana não soube o que fazer na hora e de repente o que lhe restava era um papelão e o desejo de recomeçar.
— Obrigada Farrapim.
Ela abriu o pacote e dividiu o salgado com o filhotinho.
O mendigo sentou-se próximo a ela.
— Olha o que eu vi, gostei do rosa, você sabe ler?
Ele passou para ela um cartãozinho personalizado com rosa e flores, na foto pequena a foto de uma menina linda, com cabelos cacheados, volumoso e alaranjados.
— É bonitinho, o papel, porque o que está escrito aqui é... Complicado.
— Leia para mim por favor? Eu não tive tempo de aprender.
Ele coçou a barba suja e ela leu em voz alta.
"Uma princesa valente necessita urgentemente de doação de sangue tipo B, quem tiver o mesmo sangue ou tipo O, compareça ao hospital Santa Belém da Cruz. Ajude a salvar a vida dela. Deus o abençoe!"
— Ela vai ficar bem.
Ele falou como se tivesse certeza disso.
— Ela é filha de um engenheiro. — Farrapim comentou. — Ele é um rapaz legal, sempre me dá trocados e ele é jovem.
Joana o encarou sem entender porque ele comentava aquilo com ela, ele por outro lado falava como se fosse para si.
— Na vida menina, tudo está entrelaçado, tudo acontece como tem que acontecer e tudo há um motivo, uma razão para algo maior.
Ela assentiu e se levantou quando ele se afastou dela.
— Você cuida do Mouse? Vou fazer uma coisa. Não demoro.
— Cuido sim.
O mendigo respondeu e observou a ruiva se afastar, sorriu por suas palavras terem feito o que deveriam fazer.
Joana caminhou determinada, enquanto ia, sua mente viajava e enchia o seu coração de esperança.
Semanas antes...Joana encarou a palavra fim no final da página e sorriu, acabava de terminar a história de fantasia que lhe daria tudo o que sempre sonhou.Sonhava em se tornar uma grande escritora, queria que o mundo todo lesse as histórias que gritavam em sua mente como se estivessem presas e precisassem ser libertas.A ruiva era amante das letras, amava escrever, inventar histórias e seu maior desejo era que seu trabalho e talento fossem reconhecidos.A obra literária foi enviada para uma editora, a maior da cidade vizinha onde ela morava, não demorou muito para receber uma proposta, ela mal se aguentou de tanta felicidade, ela foi a única, porque ninguém em sua casa a apoiava.Ela, os pais e a irmã mais velha moravam em um sítio, para eles, ser escritora estava longe de ser algo grandioso, ela nunca se importou com a opinião deles.Joana acreditava em si mesma
Joana ainda estava muito confusa, salvou a vida da garota e agora tinha um emprego.Farrapim tinha razão, tudo se ajeita e ela estava desconfiada por tudo parecer tão fácil.Ela não gostava de coisas assim, o velho ditado rondava em sua cabeça, “ felicidade de pobre dura pouco” e ela estava cansada de tanta decepção.Alexandre tinha deixado seu quarto quando o médico avisou que a filha dele tinha acordado, Joana até se levantou para ir junto, mas o doutor a fez deitar-se novamente quando suas pernas fraquejaram e ela foi obrigada a voltar a se deitar.Estava ali e não podia sair, nunca gostou de hospitais.A porta se abriu e ela olhou curiosa em direção a ela.Uma mulher, não muito velha, muito bem vestida caminhou até a cama. Tinha um sorriso doce e adorável.— Oi, meu bem.— Quem é a senhora?— Meu no
Joana acordou com Mousse lambendo seu rosto e abanando o rabinho enquanto fazia sapateado com as patinhas em cima do rosto dela.Ela riu e coçou os olhos.— Ai, garoto, se controla.O afastou um pouco e sentou-se na cama macia.Olhou ao redor lembrando de onde estava, na casa da menina ruiva, no quarto que o pai dela disse que ela podia ficar.Ele tinha voltado ao hospital enquanto ela arrumou as poucas mudas de roupas que tinha levado e não perdido enquanto ficou na rua e as roupas que Antonela lhe deu.Depois disso caiu no sono, então não sabia que horas eram ao certo, mas pela maneira como se sentia, o sono fora longo e pela janela podia ver que o sol estava se pondo.Quando a barriga roncou pegou Mousse no colo e saiu do quarto.Desceu a grande escada e encontrou a cozinha.Colocou o cãozinho no chão e abriu a
— Você já conhece a Joaninha?Merida cutucou Rafael, o fotógrafo era um rapaz bonito de uns vinte e oito anos, tinha olhos azuis e sorriso gentil. A garota o adorava.— Já fomos apresentados.Ele respondeu sorrindo em direção a moça, admirado com a beleza dela. — Ela salvou minha vida e agora está cuidando de mim.Merida abraçou Joana pela cintura e a moça sorriu encantada.— Você merece uma amiga assim Merida.Rafael comentou e Joana sorriu sem graça.Fabíola se aproximou da irmã enquanto Raissa observava a ruiva com o fotógrafo.— E este olhar Rai? Ciúmes?— Do que está falando?— Ora, Rafael. Você sempre deixou claro que ama o fotógrafo e agora ele está lá babando pela ruiva.— Fabíola pelo amor de Deus, você não tem nem noção do que diz. Quem está morrend
Lorena levantou-se da cadeira da sala de Silvia.— Ele o que? Como puderam? Que traição é essa?— Traição? Lorena, não lançamos um rosto novo há tempos.— Eu basto, já disse.— Do que tem medo? Que ela roube seu lugar? Achei que você fosse mais segura de si. Sempre me pareceu isso.Silvia a provocou.— Eu sou segura de mim.Silvia arrumou-se em sua cadeira e encarou a modelo em sua frente.— Olha Lorena, não adianta você vir aqui latir para mim, o dono da revista é o senhor Douglas e se ele quer a ruiva, você não pode impedir.Lorena assentiu engolindo em seco tudo o que ela disse. Não adiantava discutir, Silvia era a editora chefe da revista, ali era maior que Lorena e se quisesse ferrar com sua vida, ela conseguiria.Por isso Lorena manteve a boca fechada, mas na cabeça, sua mente já maquinava com planos para reve
Alexandre abriu os olhos e diante dele estava um lindo rosto adormecido de forma serena e doce, os cabelos vermelhos bagunçados espalhados pelo rosto, sentia tanta vontade de tocar, tirar os fios do rosto dela e acariciar cada cantinho, se conteve, não tinha o direito de fazer isso.Joana abriu os olhos, sorriu de canto ao encarar os olhos verdes dele, era como acordar e ao mesmo tempo estar sonhando.— Mas o que é isso?A voz estrondosa interrompeu seu sonho, Alexandre sentou-se no colchão e Joana também, meio zonza.— O que é isso?A voz perguntou outra vez e Joana identificou Katiuska. Parecia brava e perplexa.Merida apareceu correndo da cozinha.— Por quê vocês dois está dormindo aqui? E juntos?— Ontem o papai saiu com a Fabíola e nós, Joaninha, eu e o Mousse, acampamos na sala. O papai dormiu aqui quando chegou.— Ah, e a men
Joana tomou banho e trocou de roupa no banheiro mesmo. O que Katiuska havia lhe dito e o acontecido, quando Alexandre, entrou em seu quarto e a pegou só de toalha. A deixava meio ressabiada, mesmo que ele não fosse capaz de fazer de novo, pelo menos, ela achava que não, mesmo assim, ela resolveu se vestir no banheiro e não correr o risco.Também não queria acabar dando a ideia de que gostaria de provoca-lo ou seduzi-lo. A acusação de Katiuska tinha lhe deixado furiosa.Quando terminou desceu as escadas com Mousse atrás dela, o cãozinho estava crescendo, ela podia notar, desceu as escadas e o ajudou a fazer isso, Merida ainda dormia, a moça se encostou no sofá e a observou.— Achei que tivesse dormido.Ela deu um pulo assustada, não havia notado Alexandre sentado no outro sofá.— Te assustei?— É que não te vi aí.Ele sorriu, estava com um livro no colo e óculos de g
Na segunda à tarde quando foi até a revista para fazer as fotos, Joana ficou sabendo que as portas da revista iriam fechar por um tempo, pois o dono passara muito mal durante a noite anterior e estava internado entre a vida e a morte.Depois dessa notícia, a única coisa que lhe restou a fazer foi voltar para a casa e esperar o horário de ir pegar Merida na escola.Sem a oportunidade de fazer as fotos, ela via seu livro se esvaindo pelos seus dedos novamente.Estava fora de cogitação pedir dinheiro emprestado para Alexandre mesmo trabalhando para ele e muito menos minar uma caridade, que Katiuska não tinha e deixava bem claro.Teria que ter paciência e esperar mais um pouco.“Tudo se ajeita”, ouviu a voz de Farrapim em pensamento e lembrar daquela conversa com Alexandre sobre o mendigo ser um anjo, a fazia sentir uma esperança reconfortante.Algo que ela não estava acostum