Uma breve contemplação

Maddie

Mais tarde, estávamos todos acomodados nos sofás, descansando um pouco. Fred já tinha se despedido da sua mais nova amiga, e voltado a nossa companhia depois de sumir por um bom tempo.

— Nós deveríamos fazer isso mais vezes — Phillip suspirou bebericando seu coquetel não alcoólico, já que ele que estava dirigindo.

Normalmente nós contávamos com um motorista particular e uma pequena equipe de seguranças quando saíamos do país, principalmente na companhia de Fred, mas naquela ocasião, conseguimos despistar a todos. 

— Vocês já se prepararam para o tamanho do sermão que vão receber quando voltarmos? — David perguntou despreocupado.

— Apenas nós? — eu o provoquei.

— Eu moro sozinho, ninguém pode afirmar que eu não passei a noite em casa — ele apontou.

— Meu pai pensa que vou passar a semana com a minha mãe — Lyna completou.

— Contanto que ninguém saiba que estávamos com vocês, ficaremos bem — David zombou.

Lyna e David , diferente do restante do nosso grupo, eram filhos de funcionários do palácio. De modo geral, nós sabíamos que a rainha Johannah desencorajava e até mesmo desaprovava qualquer interação desnecessária entre funcionários e os membros da corte, enfatizando que deveríamos manter nosso nível social.

O preconceito estava tão enraizado em nossa cultura, que todos achavam que aquilo era apenas o modo como as coisas deveriam ser em um mundo funcional, e todos, tanto a elite quanto os funcionários, pareciam seguir aquelas regras à risca sem se incomodar em tentar mudá-las.

Mas nosso grupo não dava a menor importância para aquela regra, nossa amizade com os dois vinha desde a infância, apesar de manter as aparências enquanto estávamos em público, sabendo que a corda sempre estoura para o lado mais fraco.

E nós não gostaríamos que nossos amigos ou seus familiares fossem prejudicados por nossa culpa.

— Eu aposto que a vossa alteza será quem tem mais chamadas perdidas — Alexander desdenhou, apontando Fred.

Nós trocamos um olhar divertido antes de cada um ir em busca do próprio aparelho celular.

— Eu aposto que a Maddie ganha — David avisou.

— Eu tenho 32 chamadas perdidas do meu pai e 25 da minha mãe — eu apontei.

— Eu tenho 15 chamadas perdidas do meu avô, e 10 mensagens de texto da minha tia… ela ameaça me esganar em todas elas — Alex declarou com desinteresse.

— Vamos lá são 13 chamadas perdidas do meu pai, 24 da minha mãe, 35 da assistente da minha tia e 37 do seu pai — Fred apontou para Lyna, que era filha do chefe de segurança do palácio.

— Ahh meu Deus, devem estar pedindo a cabeça dele por você ter sumido — Lyna ironizou.

Foi quando, para nossa surpresa, Phillip começou a listar suas chamadas perdidas.

— Eu tenho 42 chamadas perdidas dos Lechner, 15 dos Weisman, 36 dos Brandstatter, 40 da assistente da Rainha, 33 da equipe de segurança e 60 da minha irmã — ele ergueu o rosto com um pequeno sorriso — acho que ganhei.

Nós ficamos em silêncio por alguns segundos antes de cair em uma crise de risos. 

— Meu Deus, vão pedir nossas cabeças em uma bandeja por sequestrar o príncipe — eu zombei, me levantando.

— Meu pai não me ligou, mas eu tenho certeza que ele estará me esperando em casa, torcendo para ninguém perceber que eu estava com vocês mais uma vez — Sophie ironizou.

— Eu já sei que serei esfolado vivo pela minha tia — Alexander deu de ombros — e talvez se meus pais estivessem aqui, eles mesmos fariam isso.

Os pais de Alex decidiram viver em outro país, cortando laços com a família, inclusive com o filho, que na época estava apenas com oito anos de idade. O motivo dessa atitude é um verdadeiro tabu entre todos, ninguém toca no assunto, apenas fingem que nunca aconteceu.

— Poderia ser pior, vocês poderiam ter conseguido tirar a princesinha Brenner do palácio — David gracejou, arrancando uma nova onda de risos de todos.

Nós não estávamos levando tão a sério o que fizemos, até porque não era a primeira vez, mas no fundo da minha mente entorpecida pelo álcool, eu sabia que estaria encrencada quando voltasse para casa.

— Faremos isso da próxima vez — eu propus.

Louise e Phillip ficaram órfãos ainda na adolescência, a rainha Johannah decidiu adotar os dois irmãos e criá-los como seus pupilos, tendo uma preferência especial por Louise, que acabava mais protegida até mesmo que o próprio príncipe, herdeiro do trono.

— É melhor a gente ir embora e tentar chegar antes do nascer do Sol, eu vou avisar alguém que estamos vivos — Phillip se colocou de pé.

 E foi o que fizemos, Alexander, Fred e David aproveitaram para dormir um pouco durante a viagem de duas horas de volta para casa, enquanto Lyna, Sophie e eu aproveitamos para conversar.

— Eu tô falando, toda a equipe de segurança foi reforçada, mas vocês precisam ver esse novo guarda real — Lyna fofocou.

— Ahh eu já vi o cara, ele estava no palácio Ontem, parece ser um pouco mais velho que a gente, mas é bem mais novo que os outros — Phillip se intrometeu na conversa.

— E ele é bonito? — Sophie quis saber.

— Bom, se ele não fosse um guarda, eu me preocuparia, mas não oferece risco nenhum pra gente — ele deu de ombros.

Se ele não fosse um guarda? Eu revirei os olhos diante daquela frase.

— Isso foi a coisa mais idiota que você já disse — eu o avisei.

— Bom, para minha sorte, ele é só um guarda — Lyna ironizou.

— Com o que aconteceu hoje, talvez meu pai decida que eu preciso de um segurança particular — Sophie sonhou.

— Com o que aconteceu hoje, é mais fácil a rainha decidir nos trancar com as irmãs da catedral St Monica — eu devolvi, recebendo um olhar chocado em troca.

— Eu posso te visitar se isso acontecer, Maddie — Phillip me lançou um rápido olhar pelo retrovisor, me arrancando uma careta.

Nós éramos amigos, e eu o tinha como um irmão mais velho, mas aquele sentimento não era recíproco, e ele tentava sempre conseguir algo comigo.

— Phillip, se não rolou nada nos seus últimos cinco anos de tentativa, eu posso te garantir que não vai rolar nunca — eu avisei — Aliás, você deveria se concentrar em encontrar uma esposa, antes que a Rainha escolha por você.

Durante todos esses anos, Phillip foi preparado para assumir o título de Marquês deixado por seu pai, mas para isso, ele teria que se casar e a rainha já estava ficando impaciente com a demora na escolha de sua esposa.

— Ela pode escolher você — ele devolveu.

— Eu? Phillip, a rainha escolheria a mãe perfeita para os futuros bebês Brenner, eu pareço com alguém que tem um pingo de instinto maternal? — eu devolvi com ambas as sobrancelhas erguidas, recebendo uma gargalhada em troca.

Os primeiros raios de sol banhavam o SUV de sete lugares que ocupavamos quando passamos pelo posto de fronteira de St Bartholdi.

— David, acorde, nós temos que descer — Lyna chamou o amigo, poucos minutos depois, quando paramos o carro o mais próximo possível da cidade para que os dois desembarcassem sem levantar suspeitas.

Phillip voltou a dirigir em silêncio, até que Sophie o quebrou.

— Você acha que estão zangados? 

— Você e o Weisman têm sorte de ficar direto na casa de vocês, eu e a Maddie não teremos essa opção — ele sorriu.

Tanto Phillip quanto Fred e eu vivíamos no complexo do palácio com nossas famílias. Meu pai era o Conde de Lins e conselheiro real, e se esforçava para estar sempre disponível para a rainha, a qualquer hora.

Eu vi meus pais saírem de nossa casa assim contornamos a estrada do palácio e entramos no pátio interno estacionando o carro ali, mas antes de qualquer coisa, um guarda até então desconhecido para mim, se aproximou, abrindo a porta para que nós desembarcassemos. 

Ele estendeu a mão, me ajudando a descer do veículo, ele me avaliou completamente antes que seu olhar se prendesse em meu rosto. Seus olhos de um verde pálido eram intensos e cada traço do seu rosto era bem desenhado, fazendo meu coração acelerar um pouco nos míseros segundos que mantivemos aquele contato visual enquanto ele me ajudava, e por um segundo, eu desejei levar minha mão até seu rosto para sentir a textura de sua barba bem cuidada, mas minha contemplação foi interrompida pela voz furiosa da minha mãe.

— O que em nome de Deus você está vestindo, Anna Madeline? 

Aquela pergunta fez com que eu me lembrasse do curto vestido preto que contornava cada curva minha com perfeição e as botas de salto alto iam até um pouco acima dos meus joelhos. 

— Isso foi comigo, eu sou a Anna Madeline — eu expliquei ao rapaz, e em algum lugar da minha mente ainda atordoada pelo álcool, aquele comentário fez sentido.

— Maddie, vá se trocar agora — meu pai ordenou.

Eu comecei a me afastar, mas antes que eu conseguisse dar mais de três passos, o rapaz nos chamou.

— Sr Lechner, eu sinto muito, mas eu recebi ordens expressas para escoltá-los imediatamente até a presença da vossa majestade — o guarda declarou com uma reverência graciosa.

Foi quando suas palavras fizeram sentido em minha mente, me fazendo arregalar os olhos ao perceber que eu iria encontrar a rainha vestida daquela maneira.

— Maddie, eu vou matar você quando voltarmos para casa — meu pai murmurou seguindo o rapaz.

Eu fechei os olhos por um segundo, tentando imaginar o quanto eu estaria encrencada depois de tudo, e algo me dizia que era muito.

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