Me intrigando por você

Matteo

Diante da movimentação, eu e o outro guarda presente na sala abrimos a porta, segurando-as abertas até que todo o grupo tivesse deixado a sala, cada pai ralhando com seu próprio filho.

Lancei um último olhar para a figura feminina que se equilibrava bem em cima daqueles saltos, destacando suas pernas expostas pelo curto vestido.

Nós aguardamos até que eles estivessem fora de nossas vistas para fechar as portas, nos permitindo relaxar um pouco agora que não tinha ninguém no corredor.

— Bertozzi, certo? — o homem, que parecia ser um pouco mais velho que eu, estendeu a mão.

Eu a apertei sem hesitar, ainda estava conhecendo a equipe do palácio, já que havia começado apenas na noite anterior, antes eu estava recebendo o treinamento necessário para lidar com a Monarquia daquele pequeno país.

— Tobias Bauer, bem vindo ao palácio, você pode notar que entretenimento gratuito não falta em nossa pequena corte — ele ironizou.

— Esse tipo de coisa acontece com frequência? — eu franzi o cenho.

— Esse grupo arrumar confusão e acabar aqui? No mínimo uma vez por mês. Eles sabem que a rainha não fará nada enquanto tudo estiver por baixo dos panos, então se aproveitam — o homem murmurou, como se desaprovasse aquela atitude.

Preferi não expressar nenhuma opinião naquele momento, eu não conhecia ainda todas as questões daquele país para poder opinar.

— Se você tiver sorte, não precisará fazer a segurança de nenhum deles.

Pensei por um segundo naquele comentário, eu esperava ter sorte, porque depois de tudo o que passei em minha vida militar, eu gostaria de um pouco de paz em minha rotina, e a segurança de um pequeno país entre o norte da Itália e a Suíça parecia ser perfeita para meu recomeço. 

Tobias e eu nos separamos alguns minutos depois quando ele me deixou em meu posto para atender um chamado de Leon Bohman, o chefe da guarda real. 

Meu turno não demorou para acabar, já que eu tinha passado a noite em serviço. Após retirar o uniforme de trabalho, me despedi dos meus colegas, saindo pelo portão de serviço do palácio. Caminhei de maneira displicente através das ruas charmosas daquele lugar.

O que mais me chamou a atenção naquele curioso país foi que apesar da gritante desigualdade social existente entre a Elite e os outros cidadãos, não existia miséria ali. Todos pareciam satisfeitos com suas vidas, quer fossem repletas de luxo ou apenas confortáveis.

Me afastei do palácio em direção à cidade, caminhando pela estrada de movimento razoável. Tudo ali parecia funcionar bem,  um bom reflexo da Suíça, sua vizinha. Sendo o terceiro menor país do mundo, perdendo apenas para o Vaticano e Mônaco, St Bartholdi, cuidava bem de seu status de destino turístico. 

Quase qualquer ponto da cidade parecia um perfeito cenário montado para um filme, e enquanto eu descia a estrada real até o centro da cidade, eu observava cada detalhe.

Os postes de luz que pareciam pertencer a uma época passada estavam milimetricamente posicionados intercalados com pequenas árvores ou canteiros de flores, as ruas adjacentes era estreitas de paralelepípedo, com baixos prédios de arquitetura romancista, destacando os alpes suíços que se erguiam em volta do país.

Sai da via principal, me embrenhando nas estreitas vielas pitorescas, onde um turista facilmente poderia se perder, descendo uma escadaria antes de chegar a entrada do estreito prédio onde eu alugava um Studio de vinte e cinco metros quadrados. 

Acendi a luz, observando as paredes verdes claras de um ambiente simples, coloquei a carteira e minhas chaves no balcão da cozinha, me jogando no sofá tomando coragem para tomar um banho.

Aquela rotina era cansativa, mas com certeza era melhor do que acabar envolvido em alguma guerra sem sentido, e com o dinheiro que eu ganharia aqui, eu poderia ajudar minha família que continuou em Rieti, talvez com o tempo, pudesse convencê-las a se juntar a mim.

Me levantei por fim e fui para o chuveiro, aproveitando para dormir algumas horas.

No dia seguinte, havia sido colocado para fazer ronda nos jardins externos que ficavam atrás do pátio central do palácio. Mas passava das sete da manhã e o clima estava instável, a temperatura não passava de dez graus e uma névoa me rodeava, impedindo que eu tivesse uma visão clara do meu entorno. 

Parei em um ponto onde um pequeno bosque se iniciava nos limites da propriedade, do outro lado do bosque ficava um dos muitos campos de lavanda que, segundo relatos que ouvi desde que cheguei, perfumam todas as ruas com o aroma inconfundível durante o verão, quando as flores começam a desabrochar.

A lavanda cultivada em St Bartholdi era famosa por sua cor delicada e aroma intenso, por um momento, permiti meu olhar se prender no vulto das árvores do bosque escondidas sob a névoa. Foi quando o som de passos chamou minha atenção, fazendo com que me virasse depressa, arrumando minha postura, pronto para saudar outro guarda.

Mas para minha surpresa, quem surgiu correndo em meu campo de visão foi Anna  Lechner. Ela vestia um conjunto justo, tênis e tinha prendido o cabelo em um rabo de cavalo, e diminuiu seu ritmo assim que me viu.

— Hey, bom dia. você é o guarda de ontem — ela sorriu, parando de uma vez.

Por um momento eu não soube como reagir, confesso que ontem passei bastante tempo admirando sua beleza, mas durante meu treinamento ficou explícito que não deveríamos dirigir a palavra a nenhum membro da corte.

— Srtª Lechner, a senhorita precisa de algo? — eu fiz uma pequena reverência.

— Não preciso de nada, mas você é novo aqui e eu não tive oportunidade de falar com você ontem. Como você se lembra, eu estava encrencada — ela ironizou, me fazendo sorrir internamente, apesar da confusão tomar conta de minha mente.

Por que ela está interagindo tanto comigo? Ninguém se importou, ou sequer pareceu notar que eu era novo ontem.

— Tudo bem, essa é a parte onde você se apresenta, e eu retribuo e falo que foi um prazer conhecê-lo e espero que você goste do seu novo trabalho — ela me incentivou.

— Meu nome é Matteo Bertozzi, senhorita Lechner.

Minha intenção inicial era fazer mais uma reverência, mas ela foi mais rápida em estender sua mão.

— Anna Madeline Lechner, mas acho que você já sabe disso com o tanto que a Rainha gritou comigo ontem — ela sorriu quando envolvi sua mão com a minha, sentindo a sua pele delicada e macia sob a minha.

Dessa vez, não pude evitar um discreto sorriso diante de seu comentário, apesar de não compreender sua intenção.

— Senhorita Lechner, é parte do meu trabalho saber o seu nome — eu garanti.

— Então considere parte do seu trabalho saber que eu odeio que me chamem de Anna ou senhorita Lechner, só fazem isso quando eu estou encrencada, como ontem — ela piscou para mim, me fazendo perceber que ainda segurava sua mão — Me chame de Maddie.

Eu soltei imediatamente, reassumindo a postura profissional que eu deixei vacilar por um momento.

— A senhorita vai correr no bosque? — eu queria continuar falando com ela, mas sabia que aquele tipo de interação poderia colocar em risco meu emprego, então tentei seguir por uma linha mais profissional.

— Não, hoje não. A neblina está muito intensa, eu vou continuar correndo aqui no jardim, se não for te incomodar — ela inclinou um pouco a cabeça para o lado, sorrindo abertamente.

Uma pequena risada escapou de meus lábios antes que eu pudesse notar.

— Eu disse algo engraçado? 

— De maneira alguma, senhorita Lechner. Tenha uma boa corrida. Estarei aqui se precisar de algo — eu neguei, decidindo encerrar de vez aquilo antes que eu me colocasse em uma situação difícil.

Anna estreitou os olhos, e por fim, se afastou um pouco, aceitando minha decisão.

 — Certo, foi um prazer conhecê-lo, Matteo. Te vejo na próxima volta — ela gracejou antes de retomar seu caminho.

Eu observei sua silhueta desaparecer na névoa conforme ela se afastava.

Se na primeira vez que a vi eu me senti atraído por sua beleza, agora eu me senti intrigado por sua personalidade. Sim, eu ainda a considerava muito bonita, mesmo estando tão diferente do nosso primeiro encontro, mas algo dizia em meu interior que tinha mais sobre aquela mulher do que eu esperava, e eu não sabia se seria uma boa ideia me aproximar tanto.

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