Capítulo 6 - Corrida para a "liberdade"

— Você leu meu diário, sua...! — gritei.

     — Eu tinha que saber a verdade. E agora você não tem mais como esconder. Sei de tudo. Você ficou para mim transparente como a água agora.

     Sentei em minha cama, fechei os olhos por alguns segundos, soltei um suspiro e perguntei:

     — Que parte do meu diário você leu pra chegar nessa conclusão?

     — “... Eu queria tanto pôr as mãos naquele... garoto de olhos lindos!” — disse ela, tentando imitar minha voz de forma inútil.

     — Tudo bem, eu admito. Agora só uma coisa: eu não gosto do jeito que você pensa. Apenas tenho uma... — Eu estava tentando achar a palavra certa. — Quedinha.

     — Tá, sei. “Quedinha”.

     — Para de implicar comigo. Só preciso saber de mais uma coisa: você leu meu diário todo?

     — Pra sua sorte não li.

     Um alívio se espalhou em meu corpo. As vezes tenho que reconhecer quando a sorte começa a querer estar do meu lado.

     Aliviada por Betânia desistir de insistir no assunto, me deitei na cama e comecei a anotar no meu diário minha noite inesquecível com o Abridor de Malas. Sem dúvida era algo que precisava ser anotado para que eu nunca pudesse esquecer das coisas que aconteceram.

     Quando terminei de anotar tudo quase em detalhes e me lembrando de cada coisa que aconteceu entre nós, percebi que Betânia estava vindo em minha direção com uma expressão neutra no rosto. Aquilo não era uma coisa natural dela, mesmo só a conhecendo há três dias.

     — Hora de eu me atualizar sobre as informações. — Antes mesmo que eu tivesse tempo de reação, ela tomou o diário de minhas mãos e se afastou rapidamente de mim. Então era isso que ela queria. Eu sabia que por trás de sua expressão estranha haveria algo a mais.

     ★Dica 26 = Se você faz a mesma coisa que eu. Não conte aos seus amigos ou eles podem querer ler.★

     — Betânia, me devolva! — minha voz saiu firme.

     Ela nem pareceu me ouvir. Tudo o que fez foi começar a ler em voz alta algumas partes do que eu havia anotado:

     — “Uma coisa que tenho de confessar, diário: eu não imaginava que ele me puxaria pra tão perto. Quando ele estava olhando pra mim e eu olhava diretamente pros olhos dele, confesso que fiquei... digamos, vidrada. Essa foi diferente da primeira vez. Agora eu pude observar com mais calma. Sem que a raiva que eu tinha pela manhã pudesse me atrapalhar. [...] A luz da lua deixava aqueles olhos ainda mais lindos. Ele falava comigo, mas eu estava muito vidrada e nem ouvia nada. Se eu pudesse, ficaria a noite toda olhando aqueles olhos perfeitos. Talvez minha boca esteja um pouco aberta ou meus olhos nem conseguem mais piscar; eles não querem perder nem que for um milésimo de segundos encarando aqueles olhos. Se eu acho isso normal? Não sei, diário. Eu ficaria muito grata se ele me desse um..."

     — Pode parar de falar, por favor? — Toda aquela brincadeira idiota dela me irritava cada vez mais.

     — Espera. Tem mais uma parte que eu gostei: “... Nós estávamos de mãos dadas...”. Que lindo amiga. Não sabia que estava tão apaixonada.

     — Cala a boca! E me devolva! Isso é particular! — Peguei meu diário da mão dela. Não queria que ela lesse mais coisas além disso.

     — Estou muito surpresa. Não acredito que você queria que ele te desse um beijo.

     — Eu não escrevi isso!

     — Escreveu sim e eu consigo me lembrar muito bem: “[...] Eu ficaria muito grata se ele me desse um...”. Beijo! Se encaixa direitinho.

     — Nada a ver. Isso não tem nada a ver. Pare de inventar coisas.

     — Espera. Deixa eu só ver mais uma coisa. — Ela novamente pegou meu diário das minhas mãos.

     — Dá pra parar de roubar meu diário!

     — “[...] Eu comecei a tirar minha blusa, ficando só de sutiã [...]”. Credo, sua safada.

     Acabou. Lá se foi um dos últimos segredos do que aconteceu ontem à noite. Eu gostaria que ontem ficasse apenas entre mim e o Abridor de Malas, mas acabei estragando tudo, deixando tão facilmente a Betânia descobrir. Espero que ela desista a partir de agora.

     — Para de ler, droga! — gritei e senti que estava começando a corar.

     — Calma, amiga. Não precisa ficar vermelhinha por causa dele.

     — Não estou vermelhinha! — Bati o pé no chão. Tudo aquilo já estava passando dos limites. Ela não tem o simples direito de saber das minhas coisas pessoais.

     — Diga por si mesma. Parece uma pimenta.

     — Me deixe em paz! E o que você leu, não é o que pensa. Não rolou nada demais ontem.

     — Claro que é o que penso! Espera. Não acredito... — Ela deixou meu diário cair no chão. Parecia chocada com algo. — Você quebrou a regra do colégio. Saiu do dormitório a noite, e pior: dormiu com um garoto.

     — Não tive outra escolha — Peguei meu diário do chão. — Não tive outra escolha, mesmo. Te juro. E, se quer saber, não fizemos sexo.

     — Você é louca de fazer uma coisa dessas? Se tivessem feito algo... desse nível, já estariam expulsos. Não posso acreditar que quebrou duas regras ao mesmo tempo, Alessandra. — Agora ela parecia chateada.

     — Já te disse, Betânia: não tive outra escolha.

     — Sabe o que você é? Uma safada! Você sabe que o garoto tem namorada e mesmo assim fica tentando conquistá-lo!

     — Eu não fico tentando conquistar ninguém! E você não deveria duvidar de mim!

     — Mas como? Você mesma escreveu! Leia o seu diário! Você quebrou duas das maiores regras desse colégio!

     Um nó surgiu em minha garganta. Ela tinha razão. O que eu fiz foi errado e eu merecia algum tipo de punição. Porém, fiz isso pensando no que poderia ter acontecido a minha blusa. Na verdade, acho que não foi isso que me moveu para ir atrás dela, mas sim, o quão curiosa eu estava.

     — Vai me denunciar? — perguntei engolindo em seco.

     — O que acha que eu devia fazer? Sentar e fingir que nada aconteceu? É claro que vou te denunciar, mas não por ter quebrado a regra. — Ela balançou a cabeça, sentou na cama e começou a chorar.

     — O que foi? — Eu não fazia a mínima idéia do que estava acontecendo com ela. Talvez seja apenas mais um transtorno bipolar. Ou talvez ela possa estar falando sério. Ainda não sei diferenciar quando é sua doença ou quando é ela mesma.

     — É só que... eu não quero machucar minha amiga — Amiga? Do que será que ela está falando?

     — Que amiga?

     — Carol. Não quero machucá-la.

     — Mas o que ela tem a ver com as regras?

     — Ela é a namorada do garoto que você tem uma “quedinha”. Ela já foi minha melhor amiga, porém, por causa daquele idiota, nossa amizade acabou.

     — O que ele fez?

     — Você não sabe, mas ele já namorou comigo. Isso aconteceu antes da Carol chegar no colégio. Assim que ela chegou, viramos grandes amigas. Depois que ela conheceu meu namorado, ela só ficava falando que ele era lindo. E um dia, eu encontrei os dois se beijando no meu quarto. Aquilo me destruiu. Foi ai que a nossa amizade acabou. Mesmo assim, tenho medo de magoá-la. Quero te denunciar, pra você não roubar o namorado dela. E não deixar ela sofrer como eu sofri! — Ela jogou um vaso de porcelana que quase me acertou.

     Duas perguntas me vieram instantaneamente na minha mente: primeiro eu gostaria de saber da onde ela tirou aquele vaso. Segundo, fiquei com uma grande vontade de perguntar se aquele garoto beijava bem.

     Na verdade, não sei se acredito muito no que ela disse. É normal que alguns idiotas traiam as namoradas quando tem vontade, mesmo assim, essa de que o Abridor de Malas que traiu a Betânia não consegue entrar na minha cabeça.

     — Betânia, fica calma. Eu entendo — menti. Não entendo e não quero me esforçar para entender.

     — Não entende! — Ela jogou outro vaso. Sim, ela tem toda razão em dizer que não entendo.

     Quando ela atirou o segundo, percebi que havia remédios em cima da cama dela e lembrei que ela poderia estar tendo um ataque exatamente naquele momento.

     — Já tomou o remédio hoje?

     — Não tomei e não vou tomar! — gritou ela.

     Vou ser sincera, diário: nesse momento, a Betânia está me assustando. Nunca precisei lidar com pessoas bipolares, mas agora estou vendo o quão assustador e estranho é. Só espero não passar por isso todos os dias daqui pra frente.

     Agora tenho uma missão impossível em minhas mãos que é fazer com que a Betânia tome o remédio.

     Eu fui correndo por trás dela e a derrubei no chão. Você não sabia, diário, mas eu sei lutar. Aprendi apenas por curiosidade quando tinha dez anos. Hoje vejo que é muito útil, principalmente em pessoas bipolares.

     ★Dica 27 = É importante uma menina saber lutar. Assim, poderá se defender em várias ocasiões.★

     Por sorte, consegui fazer com que ela tomasse o remédio. Rapidamente, ela ficou calma, entretanto, me disse que estava falando sério que iria me denunciar por causa da “amiga” dela. Diário, acho isso injusto. Ela me deve uma por salvar a vida dela e fazer com que ela tomasse o remédio — na verdade, eu que iria morrer se ela não o tomasse. Achei que ela deveria ter, pelo menos, ter tido compaixão de mim. Eu sei que se meter com um garoto que todos — Betânia — dizem “compromissado” é errado, entretanto... ao lado dele me sinto diferente. Sinto como se ele já fosse meu melhor amigo, mesmo feito tudo o que fez.

     Quando eu menos esperava, a diretora apareceu no meu quarto. Seu rosto estava sem expressão alguma. No dia em que ela anunciou que eu estaria de castigo, ela estava com raiva e eu achava que aquele era seu lado assustador. Acabei de perceber que eu estava enganada.

     — Alessandra? — chamou ela com voz neutra.

     — Sim, diretora.

     — Por favor vá a minha sala, imediatamente. Temos um assunto importante para tratar.

     Sem dizer uma palavra, eu fui caminhando ao lado daquela coisa emforma de diretora. As vezes fico me perguntando se dentro dela existe um coração. Há momentos que ela demonstra ser uma pessoa totalmente fria.

Em pouco tempo, já estávamos na sala dela. Por incrível que pareça, o Abridor de Malas estava lá. Quando entramos, ele virou a cabeça instintivamente na nossa direção, o que me fez ter uma rápida troca de olhares com ele. Pelo que percebi, ele não sabia muito o por quê de nós dois estarmos aqui. Já eu, imagino o motivo: alguém deve ter nos denunciado pela noite de ontem.

     O Abridor de Malas se encontrava sentado em uma cadeira de frente para a mesa da diretora. Ao seu lado, havia uma cadeira vazia. Apenas sento-me ali.

     — Vocês sabem por que estão aqui? — perguntou ela sentada em sua cadeira, olhando para nós.

     — Não — nós dois respondemos juntos. Gostei disso.

     — Vou ir direto ao ponto: eu recebi a informação que os dois quebraram duas das regras principais do colégio — agora sua voz era instável.

      Como ela sabe? Quem será que nos entregou? Enquanto fugíamos, não notei ninguém que tivesse nos visto. Não acho que tenha sido a Betânia, porque na hora em que ela soube de ontem, nós estávamos juntas e não teve como ela vir aqui contar alguma coisa. Carol estava dormindo e olhei para trás várias vezes e ela não estava nos seguindo. Os vigias noturnos estavam longe demais e estava escuro demais para que eles nos vissem. Ainda não sei o que pode ter acontecido para que ela soubesse disso.

     — A primeira que os dois quebraram foi de ambos saírem do dormitório a noite. A segunda foi de dormirem juntos — houve uma pausa. — Alguma explicação?

     — Eu não tenho explicação, mas tenho uma pergunta. Serve? — falei levantando a mão.

     — Diga.

     — Como a senhora sabe? — Eu sei que não tem como esconder que eu realmente fui a culpada, ainda sim, tentei manter a voz mais normal possível.

     — Pelo colégio existem câmeras de segurança. Os vigias noturnos, que são muito úteis, acharam seu tênis e isso nos deu uma ótima pista.

     — A senhora não pode provar que eram meus.

     — Ontem, você foi uma dos poucos alunos que usam esse tipo de tênis. E, como eu disse, temos câmeras de segurança 24 horas funcionando e em cores. Foi ainda mais fácil identificá-la já que a tínhamos filmado quando pisou no colégio.

     — E como a senhora sabe que ele estava comigo? — Balancei a cabeça em direção ao Abridor de Malas.

     Eu sei, eu sei, diário: eu não deveria estar tentando salvar a pele dele por tudo que ele fez desde que cheguei, mas achei que era a coisa certa. Gosto quando as pessoas me devem uma, mesmo que eu ache que seja difícil que ele cumpra. Só espero que ele se lembre de mim quando eu estiver precisando.

     — Já o pegamos várias vezes fazendo a mesma coisa. — Ela pareceu rir. — Ele foi o mais fácil de adivinhar. Só não esperava que dessa vez teve outro motivo para ele ser pego.

     — Qual era o motivo mais comum? — perguntei. Eu sabia que não deveria querer saber da vida dele, entretanto, senti a necessidade de ter essa informação.

     — Ele sempre era pego tentando ir ao quarto da aluna Carolina. Que, como todos sabem, é a atual namorada dele.

     Imediatamente senti uma dor no peito. Eu deveria ter deixado isso passar. Não deveria ter perguntado. Por que eu fui abrir a boca? Aliás, por que estou sentindo dor? Quer dizer, conheço ele há apenas três dias. Como já posso estar com uma queda desse nível?

     ★Dica 28 = Não faça perguntas sobre alguns segredos. Apenas deixe com que eles sumam.★

     — Irei marcar uma reunião com a mãe dos dois. Me aguardem que volto já.

     Ela saiu da sala e nos deixou sozinhos.

     — Eu disse que nos pegariam — falou ele.

     — Não importa. Preciso sair daqui. Eu já vou estar encrencada mesmo. Não custa adiar um pouco.

     Ele pareceu não entender muito aonde eu queria chegar.

     Comecei a tirar a blusa e olhei de soslaio para o Abridor de Malas. Ele ainda parecia confuso e ficou ainda mais quando percebeu que eu realmente iria tirar a minha blusa. Tentei imaginar no que ele estaria pensando nesse momento: “por que essa retardada está tirando a blusa?”.  Até me veio uma resposta a seu suposto pensamento: porque sou doente, talvez? Ah, não sei, apenas me deu vontade.

     — O que está fazendo, garota? — perguntou ele finalmente, como se tivesse acabado de sair de um choque.

     — Você não disse que correr sem camisa é mais fácil? É isso que estou fazendo. Tá afim de vir comigo?

     — Eu não sei se isso é uma boa idéia. E se formos pegos?

     — Iremos ser pegos. — Dou de ombros. — Achei que não se importaria já que faz coisas piores a noite só pra encontrar a namorada.

     — É diferente...

     Dou de ombros mais uma vez e digo:

     — Que seja, não ligo se farei isso sozinha.

     Coloquei minha blusa no ombro e andei em passos curtos, esperando que ele mudasse de idéia. Mesmo assim, ele não falou nada enquanto eu fazia de tudo para demorar. Abri a janela e agradeci pela sala dela ser no primeiro andar.

     — Você vai vir ou não? — Ele estava olhando atentamente pra mim. Imagino que esteja tendo um conflito mental se ele irá ou não me acompanhar.

     No canto do seu rosto, começo a ver um sorriso brotar pouco a pouco.

     — Vou porque parece divertido. — Ele tirou a camisa o que me causou um pouco de falta de ar. Só não reparei nos detalhes de seu abdômen porque enquanto tirava sua camisa, continuava olhando pra mim.

     ♥Recado para a Betânia = Oi, sua linda! Caso você leia meu diário de novo, peço para que você ignore totalmente que gosto de ver o Abridor de Malas sem camisa.♥

     Puxei ele pelo braço e nós dois pulamos a janela em busca de uma corrida para a liberdade, que resultaria em outro castigo mais tarde.

     ★Dica 29 = Se você quer fazer o que eu fiz, faça isso com uma blusa apropriada. Não tire a blusa. (A menos que queira levar uma gritaria extra no seu ouvido).★

     Para as pessoas ao redor, creio que a visão de nós dois não era tão estranha:

     > Uma menina e um menino;

     > Correndo por um colégio;

     > A menina sem blusa e o menino sem camisa;

     Não estava muito estranho. Pensando bem, acho que essa foi a coisa mais normal que me aconteceu desde que cheguei. Até acho que as pessoas ao redor agora nos achem normais. Mentira, duvido muito disso.

     Percebi várias pessoas olhando pra gente com cara tipo “o que esses idiotas estão fazendo?”. Não posso julgá-los porque se eu estivesse no lugar deles, pensaria a mesma coisa.

     No meio do caminho, demos de cara com a diretora. As pessoas que nos assistiam logo saíram de perto. Agora, a diretora parecia estar de péssimo humor. Não sei se era por nossa culpa, mas imagino que fosse. Acho que não é todos os dias que dois adolescentes retardados saem correndo pelo campus.

     A diretora nos guiou de maneira silenciosamente desconfortável até sua sala. E adivinha quem estava lá, diário? Quer saber, acho que está fácil demais até para você. Isso mesmo, quem estava lá era minha “querida” mãezinha, sentada em uma das cadeiras me olhando com um olhar de reprovação, ao lado de outra senhora com olhos verdes muito belos. Não tenho dúvida que aquela é a mãe do Abridor de Malas.

     — Nem preciso dizer muito sobre o que os dois acabaram de fazer. Não é mesmo mães?

     As duas continuaram imóveis, olhando cada uma para seus filhos.

     — Oi, mamãe — falei quebrando o silêncio. Fiz isso porque não queria que esse silêncio perturbador continuasse. Sabe, diário, não sou muito de me comunicar com minha mãe.

     O Abridor de Malas permaneceu calado, apenas trocando olhares com sua mãe. Sua mãe mantinha a postura rígida. Seu olhar era frio. Me parece que a vida a castigou muito. Seus cabelos eram exatamente negros iguais ao do Abridor de Malas, porém, aqui e ali, percebia-se fios grisalhos. Seu rosto era praticamente livre de rugas, o que lhe fazia ter uma aparência muito jovem. Acho que ela está na casa dos quarenta ou pelo menos está chegando lá.

     A diretora sentou em sua cadeira. Nossas mães desviaram seus olhares dos nossos e passaram a olhar a diretora. Eu e o Abridor de Malas continuamos quietos, cada um de um lado da porta.

     — Quero informar as duas que os filhos de ambas quebraram duas das principais regras do colégio. A primeira foi de terem saído do dormitório durante a noite. A segunda foi por dormirem juntos. Creio que as senhoras já sabem o quão grave é essa situação, não só para vocês, mas para o colégio.

     As duas permaneceram caladas até que minha mãe se levantou da cadeira, veio em minha direção e disse:

     — Ficou louca, menina? O que você tem na cabeça para ter feito isso? Acha que sou idiota, por acaso? — Ela começou a puxar minha orelha com força.

     Não acho que essa seja a melhor maneira de me punir. Quer dizer, ela está me tratando como criança. Não sou uma bebê pra ter que aguentar a dor de seus dedos na minha orelha. Sou adolescente e tenho direito de fazer o que eu quero. Ela não pode me impedir, independentemente do que eu faça.

     — Se você quiser que eu me explique, largue minha orelha primeiro — fiz a proposta, esperando que ela aceitasse. Minha orelha deve estar totalmente vermelha e quase ficando roxa. Tive que me conter ao máximo pra não soltar nenhuma de minhas lágrimas que se juntaram aos montes nos meus olhos.

     Pra minha sorte, ela soltou, mesmo assim, percebi que raiva queimava em seus olhos.

     — Agora se explique. — O que mais me assustou agora foi a forma com que ela projetou sua voz. A voz calma, porém, assustadora.

     — Não posso e não quero.

     Não posso dizer os motivos que tenho e não quero que você os saiba, completei mentalmente. Me fingir de coitadinha e jogar a culpa toda em cima do Abridor de Malas até passou pela minha cabeça, ainda assim, achei que seria inútil fazer isso a essa altura. Fomos pegos por câmeras, a diretora tem provas o suficiente para provar que era eu, pensei.

     — Você pode e deve. Você sabe como as coisas funcionam. — Ela me empurrou com uma força mediana, entretanto, se mostrou forte o suficiente para me fazer cair e bater a cabeça na parede.

     Talvez você não saiba, diário, mas aquela foi a primeira vez em anos que fui agredida mais uma vez por minha mãe. A última vez que isso me aconteceu, foi quando minha meia-irmã morreu.

     Não resisti, fiquei em posição fetal e comecei a chorar.

     ★Dica 30 = Quando sua mãe pedir pra você explicar uma situação complicada, responda imediatamente.★

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