Owen estava exaurido da dupla jornada. Ele e Thomas tinham que cuidar da casa, das crianças e ainda cuidar do rancho. Estava se aproximando o dia em que teriam que levar o gado em comitiva e embarcá-lo no trem de carga, e ele não tinha ideia de como faria isso, não podia deixar as crianças ainda. Maude estava se recuperando bem, mas ainda não havia aceitado a responsabilidade.
Lentamente ela começou a sair do quarto e a comer com eles, passava algum tempo brincando com Melanie, que a ensinou a pegar ovos no galinheiro. As duas ajudavam a distrair a bebê Alex para que eles pudessem ir ao campo juntos, ele e Thomas vinham se revezando a meses nessa tarefa, para não descuidar da bebê.
A moça era calada, falava apenas o necessário, mas ele não a culpava por não confiar em ninguém, depois do que o próprio marido havia lhe feito. Desde o dia que ela havia concordado que ele cozinhava mal, as coisas haviam ficado mais leves entre eles. Thomas cozinhava, e ela se oferecia sempre para lavar a louça das refeições. Na verdade, Owen deu-se conta que ela era uma mulher de posses, lhe ofereceu um emprego, mas não tinha ideia se ela sabia cozinhar ou cuidar de uma casa. Devido a sua posição social, era bem provável que tudo ficasse a cargo de empregados. De qualquer forma, não podia ser exigente, se ela quisesse ficar ali teria que aprender. E Deus ajudasse que ela quisesse, a situação dele já beirava o desespero.
Owen tinha negócios que não podia mais adiar, vender o gado era primordial para conseguir recursos que trocaria por armas, as que eles tinham, já estavam ficando obsoletas. O movimento estava a postos, apenas esperando as ordens do Alfa, a data estipulada para a próxima ação já havia sido muito adiada, devido à morte de sua esposa. Chegavam notícias de seus aliados, havia uma reserva que precisava urgentemente de uma intervenção deles.
O ambiente era totalmente insalubre, e os indígenas viviam subjugados e maltratados. Ela ficava a uma semana de distância, e seriam necessários pelo menos 30 homens para garantir que os militares se rendessem. Os homens já estavam prontos e de sobreaviso, apenas esperando o restante das armas e a ordem para se direcionar ao lugar combinado. Viajavam em grupos muito pequenos, cada um de seu local de moradia para não levantar suspeitas, e em dias alternados. Combinavam um dia específico e hora para o ataque, quando o momento chegava, todos já conheciam o plano e apenas o executavam. As reuniões eram feitas por células do movimento e ninguém conhecia a identidade dos líderes, para garantir a segurança de suas famílias. Eles eram o Koda, os indígenas subjugados em reservas os viam como aliados misteriosos. Nos últimos dez anos, um grupo de homens vestidos de preto, com o cabelo e o rosto cobertos com o que pareciam turbantes, iam de reserva em reserva os libertando e garantindo que conseguissem fugir em segurança. Doavam recursos, sementes e alimentos para que assim eles pudessem reconstruir suas aldeias em algum lugar distante.
Depois das primeiras reservas atacadas, esse nome, Koda, se alastrou como fogo entre os nativos que os tinham como salvadores, e os fez ficar na mira do governo e das forças armadas. O trabalho era duradouro, pois como além de libertá-los eles garantiam sua subsistência até os próprios conseguirem fazer por conta própria, era bem mais complicado manter o sigilo de todas essas transações. Até então estavam tendo sucesso, ninguém havia sido capturado ou descoberta sua identidade.
O próprio Owen havia sido um soldado em sua tenra juventude, era, como muitos outros, responsável por manter a ordem nas reservas, mas aquele foi um período em que ele viu coisas assombrosas. A vida naquele lugar estava longe de ser digna para os nativos, passavam por maus tratos e trabalho forçado. Havia muita violência, estupros por parte dos soldados, era uma terra em que quem fazia a lei era o exército. Aquilo tudo havia enojado Owen, desde o primeiro momento. Ele ficou apenas o período para que não tivesse uma dispensa desonrosa, e conseguisse aprender mais sobre como elas funcionavam. Assim que pôde, saiu com a desculpa de assumir a fazenda da família e casou-se. Depois de um tempo, procurou um antigo colega, que como ele também abominava os métodos do governo. Esse homem conhecia outros mais, assim uma coisa foi levando a outra e eles montaram a organização e começaram a atuar. Não aceitavam nenhum novo integrante, que não fosse de absoluta confiança e este teria que passar por um intenso treinamento de combate e estratégia. Cada recruta só conhecia o rosto de quem o recrutou, assim eles mantinham o anonimato.
Por esse motivo, Owen precisava muito que Maude ficasse. Essa causa era a segunda coisa mais importante de sua vida, ficando apenas abaixo da sua responsabilidade para com seus filhos. O momento era crucial, pois eles estavam seguindo uma pista que apontava que não eram grupos indígenas responsáveis por uma série de assaltos e assassinatos que vinham acontecendo nas estradas. Alguém estava se aproveitando da fama deles para cometer os crimes. Segundo eles haviam investigado, era um grupo criminoso bem organizado, que inclusive se caracterizava como nativos, com direito a perucas e tudo. O plano, na verdade era genial, assim os assaltantes passavam despercebidos em qualquer lugar e os nativos continuavam a ser caçados.
Sua fazenda era muito próspera, e se não fosse os recursos destinados à causa, Owen já poderia ser um homem rico. Tinha uma cabeça boa para os negócios e não tinha medo do trabalho pesado. Contudo, ele conseguia manter uma vida confortável para sua família. O nome Koda significava aliados, e era exatamente assim que eles se sentiam, como aliados dos nativos, provavelmente os únicos que eles teriam contra o governo que buscava exterminá-los. Ele e Thomas percorriam o campo a cavalo, quando pararam em uma sombra para beber água o amigo falou.
— Você sabe que precisa falar com ela outra vez, estamos ficando sem tempo Owen.
— Eu sei, prometi não pressionar, mas, precisamos embarcar aquele gado no trem.
— Sim, e depois a viagem. Vai levar pelo menos duas semanas e meia entre ir, fazer o serviço e voltar. Isso contando que tudo dê certo.
Owen tirou o chapéu da cabeça e escorou-se na árvore que lhes dava sombra.
— Fico preocupada em deixá-los por tanto tempo.
— Estarão tão seguros com ela, como com qualquer outra que você tivesse se casado. Ela é uma pessoa boa, e cuida bem das meninas. A fazenda é segura ficarão vários homens para cuidar de tudo, eles estão bem instruídos de fazer a segurança. Sempre deu certo Owen.
— Eu sei, mas antes eles ficavam com a mãe.
— Nós dois sabemos que ela não era um exemplo de maternidade afetuosa. Você precisa da Maude, vai ter que confiar nela, e fazê-la confiar em você.
— Sim, hoje eu vou falar com ela para definir a situação. Espero que já tenha dado tempo dela se apegar nas crianças, e que queira ficar.
— Claro que sim, meu amigo, aqueles diabinhos são irresistíveis.
Disse Thomas, já indo em direção ao cavalo, para eles seguirem com a lida no campo.
Maude estava lavando a louça do jantar quando Owen foi falar com ela, quando o viu se aproximar ela mesma iniciou o assunto.— Eu sei que precisa de uma resposta, e eu já tenho uma para te dar. Aceito ficar por um tempo, como sua empregada. Depois definimos um pagamento justo. Eu não tenho muita experiência cuidando eu mesma de uma casa, mas acredito que conheço o básico. Mas você sabe que é bastante serviço para uma pessoa só, você mesmo e o Thomas se dividem nas tarefas. Ela disse, de costas para ele, sem parar de lavar os pratos. Ele estava tão aliviado que sentia vontade de beijá-la, achou melhor apenas agradecer.— Muito obrigada Maude. Você não tem ideia de como me deixa aliviado. Não se preocupe, eu preciso de alguém de confiança para ficar responsável por tudo e pelas crianças, mas posso contratar outra pessoa para ajudar nas tarefas de casa. Eu terei que me ausentar constantemente, e a vezes passar semanas fora, os empregados são de confiança e farão o trabalho da fazenda, m
Owen a levou até o lado de fora e se direcionou para as acomodações dos animais. No caminho começou a explicar. — Cuidar das galinhas e recolher os ovos você já sabe. Quanto aos cuidados dos outros animais e o leite da vaca você não precisa se preocupar, vou sempre deixar algum dos homens encarregado de te levar na primeira hora da manhã. Se faltar algum mantimento, peça para um deles ir à cidade buscar. Você vai ter que controlar a dispensa e os alimentos que dispomos. — Tudo bem, eu consigo fazer isso. — Agora vamos até onde o Thomas cultiva os vegetais. Eles se dirigiram a horta, que ficava cercada e tinha a porteira. — Você conhece alguma coisa de vegetais e temperos? Deitar-se na cama do Owen estava sendo um misto de sensações. A bebe dormia tranquila a seu lado, após ter tomado uma mamadeira. Maude se virava de um lado para o outro, mas não conseguia conciliar o sono. O quarto dele era simples, a grande cama de casal, um armário e uma cômoda que ficavam lado a lado na parede oposta da cama. O chão era de assoalho como o resto da casa, e as paredes eram brancas e lisas. Havia um espelho que ficava pendurado na parede acima da cômoda, e uma poltrona em um canto. O ambiente era limpo e organizado, antes mesmo dela assumir os cuidados com a casa. Ele era um homem que gostava de manter tudo em ordem. Apesar de trabalhar arduamente todos os dias, estava sempre limpo e de roupas limpas se não estivesse na lida. Até a espessa barba era bem cuidada. Ela não costuma ficar muito próxima a ele, mas percebeu que os travesseiros e roupas de cama tinham o cheiro que exalava qCapítulo 8- Suave feitiço.
Durante o jantar eles narraram a viagem e as aventuras que ocorreram, as crianças escutavam havidas pelos relatos, viam o pai e o tio como verdadeiros heróis. Ela escutava em silêncio, achando graça quando Thomas exagerava na história para prender a atenção dos meninos. Até que Owen se dirigiu a ela.— Maude, essa noite você dorme com a Mel, como antes. Mas amanhã nós providenciaremos a cama para o quarto de costura, e você vai poder se instalar lá definitivamente. E eu vou até a cidade colocar anúncio procurando por uma ajudante.— Obrigada, senhor Owen.— Por favor, use apenas Owen. Eu me sinto com cinquenta anos ao invés dos meus trinta quando me chama assim.
Quando chegaram até a mulher caída, Owen a pegou nos braços e se dirigiu a parte de dentro da casa. Thomas já vinha correndo em seu encontro, buscando entender o que estava acontecendo. Maude seguia na frente, abrindo as portas da casa e do quarto dela para que Owen depositasse a mulher na outra cama de solteiro que havia no cômodo. Explicou novamente para os dois homens como a haviam encontrado e tudo que ela havia falado.— Ela não disse muito, mas fala nossa língua. Só disse buscar por água, e que ouviu o barulho do rio.— Aparentemente não está ferida, mas deve estar fraca, sem comer ou beber água por sabe-se lá quanto tempo. Vamos dar-lhe água, comida e deixá-la descansar. Não sabemos de quem se trata, então todo cuidado é pouco. Maude tenta manter os olhos nas crianças o máximo que conseguir, e Thomas, peço que por essa noite durma aqui na sala, até ela recuperar a consciência e sabermos o que esperar, eu ficaria mais tranquilo.Disse Owen muito sério, visivelmente temeroso pela
Os dias de trabalho na fazenda passaram tranquilos. Owen e Thomas se preparavam em segredo para atacar a reserva em que Magena vivia, enquanto ela se recuperava de sua debilidade. Depois de três dias, ela conseguia parar em pé sem ter vertigens, estava bem alimentada, e já desempenhava algumas tarefas simples. A reserva possuía rebanhos de gado e criações de aves, por isso, ela conhecia grande parte do trabalho, só precisou se adaptar à forma como as coisas eram feitas ali. Em uma das primeiras vezes que foi ao galinheiro, ela escorregou, caindo e quebrando os ovos que carregava.— O senhor Owen certamente me castigará, por muito menos que isso eu já fui açoitada.Maude, que estava mexendo uma panela de doce, pousou a mão que tinha livre sobre a dela, na tentativa de acalmá-la. — Não se preocupe Magena, eu realmente acredito que ele não seja esse tipo de homem. — E existe outro tipo de homem? Um do tipo que não bate e não violenta uma mulher, por diversão?Magena perguntou com olho
Apesar do cansaço do dia, Owen teve dificuldade em conciliar o sono a noite. Na manhã seguinte teria que ir bem cedo até a cidade, falar com o pastor da igreja. A mensagem que ele mandou não abria brechas para recusas. O conteúdo da carta era passível de interpretação, solicitava a presença dele na igreja para tratar de boatos que corriam pela cidade, e ameaçavam a moral e os bons costumes de SunCity.Porém, ele tinha quase certeza que tinha algo a ver com empregar e abrigar em sua casa, duas mulheres solteiras. Aquela era uma cidade pequena, afinal, as notícias se alastram como fogo na palha. Quando chegou à igreja no dia seguinte, suas suspeitas foram confirmadas.— É bom ver que atendeu rapidamente o meu convite senhor Grant. Estava ansioso para fala
Owen levou o dia todo escolhendo o momento ideal para abordar o assunto com Maude, e esse melhor momento simplesmente não apareceu. Mal conseguiu se concentrar no trabalho, e seu humor não estava dos melhores. No fim da tarde, Thomas foi questioná-lo, pois já não tinha mais explicações a dar aos peões sobre o mau gênio do chefe. Owen estava observando a doma, escorado na cerca do curral, quando o amigo se aproximou.— Acho melhor você colocar para fora ou tratar de resolver o que o está incomodando, porque ninguém aguenta mais Grant.— Você não faz ideia do quanto eu estou encrencado Thomas. O pastor me chamou para uma conversinha esta manhã, para falar que a cidade está escandalizada por eu ter duas mulheres solteiras na minha casa.— Eu pensei que isso mais cedo ou mais tarde poderia acontecer, cidades pequenas são um antro de fofocas e falatórios. Quais as opções que lhe foram dadas meu amigo?— Adivinhe? Ou me caso com Maude, ou elas terão que ir embora, sob uma forte ameaça de bo