Priscila AlmeidaO silêncio naquele esconderijo era quase insuportável, quebrado apenas pelo som distante de carros e os sussurros ocasionais que vinham do rádio velho sobre a mesa. O local estava precariamente montado, as paredes sujas e descascadas e o cheiro de mofo impregnava o ar. O cativeiro estava longe de ser ideal, mas era o que tínhamos no momento, e pelo menos me mantinha escondida, longe das investigações que certamente estavam acontecendo. Eu observava Ana Fernanda sentada em um colchão velho e gasto, suas pernas encolhidas contra o corpo enquanto ela me olhava com aqueles olhos de medo. Era engraçado, de certo modo. A garota era corajosa, eu tinha que admitir, mas sua coragem só a levaria até certo ponto. No fim das contas, ela ainda era uma criança, e crianças são fáceis de quebrar.— Vai ficar me olhando com essa cara de pidona até quando? — Perguntei, revirando os olhos e me levantando da cadeira de ferro em que estava sentada. — Tá com fome, né?Ana Fernanda não di
Anthonella Fagundes Lancaster O sol da manhã iluminava o chão de mármore da sala, mas a luz parecia incapaz de aquecer meu coração. Uma semana. Era difícil acreditar que já se passaram sete dias desde que a nossa vida virou de cabeça para baixo. Joyce estava sentada ao meu lado no sofá, me oferecendo um sorriso reconfortante enquanto segurava minha mão. Seu apoio constante, mesmo quando ela própria estava lidando com as preocupações do filho, era uma bênção que eu nunca poderia agradecer o suficiente. — Vai ficar tudo bem, Anthonella — ela disse suavemente, dando um leve apertão em minha mão. — As coisas sempre se ajeitam, mesmo que pareçam impossíveis agora. Eu queria acreditar nela. Deus sabe que eu precisava acreditar. Mas o vazio no meu peito e o peso nas minhas costas não me deixavam esquecer que nossa família estava quebrada de um jeito que eu não sabia se poderíamos consertar. Minha mente estava cheia de preocupações, especialmente com Maria Fernanda. Nos últimos dias, ela
Priscila Almeida O som abafado dos meus saltos ecoava pela sala escura enquanto me aproximava lentamente da mesa onde Ana Fernanda estava. Ela estava sentada, visivelmente abatida, os olhos semicerrados de exaustão. O cabelo desgrenhado caía ao redor do rosto, enquanto ela tentava manter uma postura firme, embora o seu corpo, fraco e cansado, a traísse. A tensão na sala era quase palpável, e eu me deliciava com cada segundo daquilo.— O que foi, querida? — perguntei, minha voz carregada de um sarcasmo venenoso, enquanto cruzava os braços e me aproximava da mesa. — Está com fome?Ana Fernanda me lançou um olhar feroz, mas não disse nada. Sua mandíbula estava travada, e eu podia ver como ela tentava manter a dignidade, mesmo diante da tortura que eu estava impondo.— Ah, claro — continuei, fingindo compreensão exagerada. — Imagino que esteja, afinal, faz quanto tempo desde que você comeu algo decente?Ri baixinho ao ver seu desconforto aumentar. A satisfação que aquilo me proporcionav
Maria Fernanda Fagundes Lancaster Eu estava exausta. Após semanas de fisioterapia intensiva, cada sessão parecia mais dolorosa que a anterior. Mas a determinação de me recuperar completamente me impulsionava a continuar, mesmo quando o cansaço ameaçava me derrubar. O cheiro estéril da clínica já era familiar, assim como os sons abafados de conversas e passos apressados. Assim que terminei o último exercício, agradeci ao fisioterapeuta e saí para o ar fresco, que me envolveu como um abraço reconfortante. O sol estava alto, mas não aquecia o frio inquietante que se instalava dentro de mim, minha irmã ainda estava desaparecida e os meus pais faziam de tudo para encontrá-la. Enquanto caminhava em direção ao carro, percebi uma presença estranha, algo que não combinava com a familiaridade do ambiente. Um homem de boné e jaqueta estava próximo à saída. Ele parecia casual, mas os olhos escondidos pelas sombras do boné estavam fixos em mim. Quando nossos olhares se cruzaram por um breve mom
Anthonella Fagundes LancasterFicar em casa era sufocante, como se uma presença física pressionasse meus ombros, afundando meu coração ainda mais em um abismo de desespero. Fazia quase uma semana desde que Ana Fernanda fora sequestrada, e o peso do tempo sem notícias tornava tudo insuportável. As perguntas constantes dos repórteres, a polícia dentro de casa, tudo isso me deixava à beira de um colapso. Olhei para Jhonathan, que estava sentado ao meu lado, mas com os olhos perdidos no infinito, provavelmente tão cansado quanto eu.— Não aguento mais isso — desabafei, minha voz saindo num sussurro rouco. — Esses repórteres, a polícia, detetives... Todos dentro da nossa casa e, ainda assim, quase uma semana sem qualquer notícia da nossa filha! Isso não está certo, Jhonathan. Algo precisa ser feito!Ele me olhou com tristeza, suspirando profundamente antes de responder:— Estamos fazendo o possível, Anthonella. A polícia e os detetives estão trabalhando sem parar, mas...— Mas não parece o
Maria Fernanda Fagundes Lancaster Acordei com a cabeça latejando, e tudo ao meu redor estava enevoado. Pisquei algumas vezes, tentando ajustar minha visão, mas o frio do chão úmido e a escuridão do lugar tornavam tudo mais difícil. Ao tentar mexer os braços, senti a resistência das cordas, apertadas demais em torno dos meus pulsos. Eu estava amarrada. O pânico cresceu no meu peito enquanto tentava me soltar, mas era inútil. Tentei forçar os braços, mexer os pés, qualquer coisa que pudesse me ajudar a escapar, mas as amarras eram fortes, e o mais frustrante era o silêncio ao meu redor. Foi então que ouvi um soluço abafado, fraco, vindo de algum ponto próximo. Meu coração disparou de vez. — Aninha? — Minha voz saiu rouca, quebrada pela ansiedade. — Ana Fernanda, é você? — MaFê? — A voz dela soou baixa, quase irreconhecível de tanto choro. — MaFê, me ajuda! Me virei o mais rápido que pude na direção de sua voz. Meu corpo todo estava dolorido, mas eu precisava ver minha irmã. Quando
Maria Fernanda Fagundes Lancaster O tempo parecia ter parado naquele lugar frio e escuro. Sem janelas ou relógios, eu não fazia ideia do que acontecia lá fora. Só sabia que a noite havia sido interminável e que a manhã se arrastava lentamente. O silêncio era interrompido apenas pela respiração suave de Ana Fernanda, que dormia de cansaço, e pelos meus próprios pensamentos, sempre me lembrando do perigo iminente.Minha preocupação só aumentava. O tempo estava passando, e eu não tinha ideia de quanto mais conseguiríamos aguentar. Ana estava visivelmente mais fraca, e eu temia que ela não tivesse forças para continuar sem comida.O som pesado de passos ecoou pelo corredor. Era Priscila.A porta rangeu, revelando sua figura odiosa. Seus olhos brilhavam com malícia, como sempre. Em uma das mãos, ela segurava uma bandeja com algo que parecia comestível à distância. O cheiro forte e enjoativo tomou o ambiente, e só de olhar, meu estômago já se revirava.— Hora do banquete, queridas. — Ela s
Maria Fernanda Fagundes LancasterJá se passaram dois dias e mal conseguia sentir minhas pernas de tanto cansaço e tensão, principalmente a perna direita, que havia sido operada recentemente e ainda estava em recuperação. Mas não havia tempo para fraquezas agora. Cada segundo contava. O som do carro de Priscila se afastando ainda ecoava na minha cabeça como um aviso. Se havia uma chance de salvar Ana Fernanda, era agora. Respirei fundo, tentando ignorar o medo que me consumia. Precisava ser forte. Por ela.Levantei devagar, tomando cuidado para não fazer barulho. Devido ao nosso "bom comportamento", a bruxa não havia nos amarrado, o que me dava uma chance de analisar o local. Fui até o banheiro. O ambiente estava escuro, mal iluminado pela luz fraca que entrava pela fresta da janela, mas o suficiente para me dar uma visão clara do que precisava fazer. A janela era pequena, muito pequena para mim, mas talvez... talvez Ana Fernanda conseguisse passar.Aproximei-me mais, analisando o tam