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Capítulo 158

Max Fos

Os documentos que pedi ao RH finalmente chegaram. Enquanto os analisava, algo mexeu profundamente comigo. Priscila. O tanto que ela trabalhou nesta empresa ao longo dos anos era impressionante. As horas extras, os projetos, as noites viradas... Tudo isso só reafirmava algo que eu já sabia: ela não era apenas mais uma funcionária. Ela era a espinha dorsal de tudo que construímos aqui.

E então me veio uma certeza que há dias vinha rondando minha mente: não podemos abrir a filial no Canadá. Não sem ela.

Decidi chamar meu pai para uma reunião urgente. Precisávamos conversar. Enquanto o esperava, continuei analisando os papéis. Algo chamou minha atenção: em 14 anos, Priscila só apresentou sete atestados médicos. Sete, em toda uma vida dedicada a esta empresa. Isso já era impressionante. Mas havia um atestado em particular que me deixou intrigado.

Trinta dias afastada.

A data... era daquela época. Eu estava fora, mas nós estávamos juntos. E ela nunca mencionou nada disso. Por quê?

Peguei o atestado para olhar mais de perto. Lá estava o código CID: 003. A curiosidade me corroeu. Abri o celular para pesquisar o significado, mas antes que pudesse digitar qualquer coisa, a porta do escritório se abriu com força. Meu pai entrou, com aquele olhar de autoridade que sempre carregava.

— O que aconteceu nesta empresa hoje? — ele perguntou, a voz grave preenchendo a sala.

Coloquei o celular de lado e respirei fundo.

— O Salles te ligou, não foi?

— Foi. Ele disse que você surtou e demitiu o Felipe. E ainda por justa causa.

— Foi exatamente o que eu fiz — respondi, direto. Peguei meu celular e abri as fotos que Felipe tinha enviado. Mostrei para ele. — Ele mandou essas fotos íntimas da Priscila. Ela saiu no domingo com o Liam, foram à praia, e ele usou isso como desculpa para expô-la.

Meu pai pegou o celular, analisando as imagens em silêncio. Vi o desapontamento crescer em seu rosto. Finalmente, ele falou:

— E o Salles? Não tomou nenhuma providência?

— Ah, tomou — respondi, com um riso seco e amargo. — Chamou a Priscila para reclamar. Disse que ela não deveria ter levado o Liam. Como se a culpa fosse dela.

Meu pai balançou a cabeça, incrédulo. Antes que ele pudesse dizer algo, continuei:

— Olha, pai, vou ser direto. Vou demitir a Priscila.

— O quê? — Ele franziu a testa, a irritação transparecendo. — Você está falando sério? Vai demitir a melhor funcionária dessa empresa por ciúmes? Tome vergonha na cara, Max!

— Não é ciúmes! — Eu me levantei, a frustração transbordando. — A Priscila recebeu uma proposta incrível. Uma chance de recomeçar. Eu não quero que ela fique aqui por minha causa. Ela já fez a escolha dela, eu sei disso. Mas, se ela pedir demissão, vai perder benefícios importantes. Então, vou facilitar as coisas para ela. Vou demiti-la com todos os direitos.

Meu pai me encarou por alguns instantes, tentando decifrar o que se passava em minha cabeça. Por fim, suspirou, cansado.

— Você só pode estar louco...

— Não, pai, eu não estou louco — rebati, firme. — Sei que sem a Priscila todo o investimento na filial do Canadá vai por água abaixo. Mas estou pensando nela.

— Max...

— Pai, a empresa deve ser prioridade, eu sei disso. Mas não acima da mãe da minha filha. Olhe isso aqui. — Joguei os documentos na mesa. — Olhe o tanto que essa mulher já fez por nós. O Felipe nem deveria ter sido cogitado. Ela sempre foi a escolha certa, mas esta empresa sempre diminuiu ela. E agora o senhor quer que eu diga para ela deixar passar a oportunidade dos sonhos dela pelo bem da empresa?

Eu respirei fundo, tentando controlar a raiva que pulsava dentro de mim.

— Sinceramente, a pergunta que eu deveria estar fazendo é: tem lugar para mim nesta sociedade? Porque esta empresa não tem nada a ver comigo e com os meus valores.

Meu pai me olhou, sério, mas também com algo mais no olhar. Um misto de surpresa e, talvez, compreensão. Mas ele não disse nada. O silêncio entre nós era ensurdecedor.

— Pai, já está na hora de parar de seguir o que os acionistas querem, a Priscila sempre foi a melhor funcionária e o salário dela não é proporcional, e quantas vezes eu falei que o tratamento com ela não era correto e o senhor não ouviu a Priscila trabalhou em um semestre mais que o próprio Salles em um ano A Priscila é responsável por mais de 68% dos nossos contratos e 50% deles só aceitam trabalhar com a Priscila, já o Felipe é responsável por 15% dos nossos contratos e nenhum que trabalha exclusivamente com ele está vendo o abismo que o separam?— falei e o meu pai estava chocado.

— O Salles sempre me apresentou outros números que o Felipe...

— O Salles sempre me apresentou outros números sobre o Felipe — meu pai começou, tentando justificar.

— Ele te apresentou números manipulados! — interrompi, com firmeza. — E eu posso provar. Aqui estão os relatórios reais, pai. — Peguei os documentos que estavam sobre a mesa e empurrei para ele. — Leia. Compare. O Felipe é incompetente e foi protegido pelo Salles durante anos. Enquanto isso, a Priscila carregava essa empresa nas costas.

Meu pai pegou os papéis, leio com antecedência. Meu pai fechou os documentos e me encarou por um longo momento. Então, para minha surpresa, ele abriu um sorriso discreto, algo que eu raramente via.

— Finalmente, Max. É a primeira vez que vejo você realmente se interessar por esta empresa. — Sua voz não carregava o tom crítico de antes, mas algo que parecia orgulho.

Eu o encarei, sem saber ao certo como responder. Ele sempre me acusava de ser desligado dos negócios, mais interessado em minhas viagens e na minha vida pessoal do que na responsabilidade de levar adiante o legado da família.

— Não é a empresa, pai — respondi, sincero. — É a Priscila.

Ele riu baixinho, balançando a cabeça.

— E talvez isso seja o que a empresa precisava para ganhar sua atenção.

— Pai, não pense que isso muda o fato de que houve erros graves aqui. E eu não estou aqui para perpetuar as falhas do passado.

— Nem eu deveria estar, filho. — Ele suspirou e se recostou na cadeira. — É fácil perder o foco quando se administra algo tão grande. E, às vezes, deixamos as pessoas erradas no controle.

Meu pai parecia mais humano naquele momento, parecia o meu pai, o avô babão. Havia algo em seu olhar que eu não via há anos no escritório: sinceridade.

Ele suspirou, cruzando as mãos sobre a mesa antes de me olhar novamente, dessa vez com seriedade.

— Vou lidar com o Salles. E, quanto à Priscila, eu mesmo vou garantir que ela receba o devido reconhecimento pelo que fez por esta empresa. Não podemos desfazer o que foi feito, mas podemos corrigir o rumo.

A firmeza em sua voz me surpreendeu. Por um momento, parecia que estávamos no mesmo time. Um silêncio breve pairou entre nós antes que ele acrescentasse:

— Sua mãe... Ela nunca aprovou essa proximidade sua com a Priscila. Sempre achou que você deveria se envolver com alguém "mais adequado", mas só virou o homem que é hoje graças a ela.

Franzi o cenho, tentando entender. — Minha mãe, no começo, gostava da Priscila...

Meu pai balançou a cabeça lentamente, como quem desmente algo com pesar. — Não, filho. Sua mãe sempre odiou a Priscila. Desde o dia em que fomos ao hospital, ela falou coisas horríveis sobre a garota e sempre reclamava de eu permitir que ela ficasse ainda mais presente na sua vida.

Engoli em seco. Aquilo me pegou de surpresa. Minha mãe sempre parecera gostar muito da Priscila. Sempre foi fofa com ela, acolhedora até. A lembrança de momentos calorosos entre elas fez meu estômago se revirar.

— Mas... Quando eu fui para os Estados Unidos, ela cuidou da Priscila... — argumentei, mais para convencer a mim mesmo do que qualquer outra coisa.

Meu pai inclinou-se para frente, como quem se preparava para uma revelação difícil. — Você tem certeza de que ela cuidou?

Suas palavras pairaram no ar como uma bomba prestes a explodir. Fiquei em silêncio, digerindo aquilo. Pela primeira vez, senti que meu pai estava me vendo como um homem, e não apenas como o filhinho que ele precisava proteger.

Eu me levantei, decidido. O peso de tudo parecia menor quando tomei aquela decisão.

— Então vamos corrigir isso, pai. Começando agora.

Um sorriso surgiu em seu rosto. Não era o sorriso calculado de um empresário que havia conquistado algo. Era o sorriso de um pai que finalmente via seu filho tomar as rédeas. Ele também se levantou, colocando a mão em meu ombro.

— Estou com você, Max.

Quando ele saiu para resolver o que precisava, senti o silêncio voltar, mas dessa vez não era opressor. Caminhei até minha mesa e abri a gaveta, pegando um porta-retrato. Nele, o sorriso radiante de Vick me encarava.

Há 15 anos, ela se foi. Quinze anos sem aquele riso contagiante, sem sua luz que fazia tudo parecer mais simples.

— Eu não te protegi... Mas não vou cometer o mesmo erro com as minhas meninas. — Minha voz soou baixa, quase um sussurro, enquanto eu acariciava a moldura com os dedos. — Ah, Vick... Eu sinto tanto a sua falta.

O tempo não apagou a dor, mas havia algo reconfortante em ver seu rosto. Aquele sorriso... Era o mesmo que me fazia lembrar da Nina. Minha filha sorria exatamente do mesmo jeitinho, com a mesma luz.

— Você ia ser uma tia muito boba com a Nina — murmurei, enquanto um sorriso melancólico surgia no meu rosto.

Quando coloquei o porta retrato na mesa eu vi o atestado da Priscila e peguei o meu celular e entrei no site de busca, e quando pesquisei CID 006

Quando li aborto não especificado o celular caiu da minha mão e a minha boca estava aberta.

O mundo parecia ter parado. Meu corpo inteiro ficou imóvel, congelado em uma mistura de choque e dor que eu não sabia como processar. O atestado ainda estava ali, inofensivo e amarelado pelo tempo, mas agora carregava um peso que eu não sabia se conseguiria suportar.

Aborto.

As palavras ecoavam na minha mente como um trovão incessante. Eu sabia que Priscila tinha seus segredos, mas nunca imaginei algo assim. Pior ainda, durante aquele período, nós estávamos juntos. Era meu filho...ou filha.

A possibilidade atravessou minha mente como uma lâmina afiada, cortando qualquer resquício de racionalidade que eu tentava manter. Minha respiração ficou pesada, meu coração martelando contra o peito. Ela estava grávida. E ela nunca me contou.

Por quê?

A dor veio em ondas, acompanhada de uma raiva que eu não sabia direcionar. Raiva de mim mesmo por não estar lá, por não perceber que algo estava errado. Raiva dela por esconder isso de mim. Raiva do mundo por ter permitido que ela enfrentasse aquilo sozinha.

Peguei o celular novamente, as mãos trêmulas. Olhei para o atestado mais uma vez, como se precisasse confirmar o que já sabia. CID 006. Aborto não especificado.

Por um momento, me vi de volta àquela época. Lembrei das mensagens dela que parecia está até mais fofa, mas do nada ela mudou até as chamadas que ela passou a ignorar, dos dias em que sua voz carregava um peso que eu não entendia. Quando ela se tornou tão fria.

Mas não percebi.

Meu olhar foi atraído de volta para o porta-retrato de Vick. Minha minha melhor amiga, que eu não pude proteger. Agora, a mesma culpa se agarrava a mim como uma sombra, só que desta vez era sobre Priscila... e o bebê que poderíamos ter tido.

Fechei os olhos, tentando organizar os pensamentos. Priscila sempre foi forte, teimosa, mas agora tudo fazia sentido: o silêncio, as barreiras que ela erguia entre nós, as vezes em que parecia fugir de qualquer possibilidade de reconexão. Ela carregava esse segredo o tempo todo. Sozinha.

Mas por quê? Não confiava em mim? Ou será que foi algo mais profundo? Algo que eu ainda não compreendia?

Peguei o celular novamente e, sem pensar duas vezes, disquei o número dela. O telefone chamou uma, duas, três vezes. Meu coração batia tão forte que parecia que iria sair pela boca. Quando a ligação caiu na caixa postal, joguei o celular na mesa, frustrado. Eu precisava falar com ela.

Levei as mãos ao rosto, tentando controlar a avalanche de emoções. As memórias de nós dois juntos invadiram minha mente: as noites de estudo na faculdade, os sorrisos trocados, os planos que fizemos, mesmo que nunca tivessem se concretizado.

E agora isso.

Levantei-me de repente, incapaz de ficar parado. Peguei o atestado e o guardei no bolso do paletó. Eu precisava de respostas. Precisava olhar nos olhos de Priscila e entender tudo. Por que ela não me contou? O que aconteceu de verdade? E... quem a fez passar por isso?

Porque, no fundo, eu sabia. Priscila não faria essa escolha sozinha, não sem motivos devastadores. Algo ou alguém a levou até essa decisão. E, de alguma forma, eu ia descobrir.

Peguei as chaves do carro e saí do escritório com um propósito claro. Eu não sabia como essa conversa terminaria, mas uma coisa era certa: eu não podia mais viver sem a verdade.

©©©©©©©©©©

Continua...

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