Priscila BarcellaDepois que a filha da Marta foi embora, subi para o meu quarto, sentindo o peso daquela cena ainda grudado em mim. Assim que entrei, fui direto para o banheiro. Enchi a banheira com água quente e mergulhei, deixando que a tensão do confronto se dissolvesse aos poucos.A água quente relaxava meu corpo, mas minha mente não parava. Marta. A forma como abaixava a cabeça, como aceitava tudo sem se defender, me atormentava. Ela era forte—eu sabia disso—mas aquele fardo emocional parecia estar esmagando-a, pouco a pouco.Não entendia como alguém podia ter a sorte de ter uma mãe como Marta e simplesmente não dar valor. Ela era generosa, amorosa, sempre colocando os outros à frente de si mesma. E, mesmo assim, para a própria filha, nunca parecia suficiente.Suspirei, afundando um pouco mais na água. Marta nunca desistiria dela. Porque mães têm esse coração teimoso, que continua amando, mesmo quando quem está do outro lado não merece.E talvez fosse por isso que Liam amava do
Max Fos Fiquei com as minhas filhas até a hora em que o Marcelo chegou da escola. Hoje, ele parecia mais animado do que o normal.— Tio! — Ele gritou assim que entrou, os olhos brilhando, o corpo pulando sutilmente no mesmo lugar, como se a energia precisasse sair de algum jeito.Sorri, já acostumado com essa recepção calorosa.— Oi, amigão. Como foi a escola hoje? — perguntei, mantendo o tom de voz leve, sem pressa, sabendo que ele gostava de responder no seu próprio ritmo.Ele mexeu os dedos no ar, como se estivesse contando algo invisível, antes de falar:— Foi muito divertido! Eu fiz uma amiga. A Ayumi. — Ele pausou, franzindo levemente a testa, organizando os pensamentos antes de continuar. — Ela gosta de EA Sports FC 25! E disse que eu posso jogar na casa dela!O entusiasmo na voz dele era contagiante, mas o que mais me chamou atenção foi o jeito como seus olhos brilhavam. Ele olhava para a estante de jogos, os dedos se mexendo no ar, como se estivesse revivendo a conversa com
Max Fos Saí de casa com o peito ardendo, a raiva pulsando tão forte que parecia um tambor incessante dentro de mim. Minhas mãos tremiam ao girar a chave na ignição, e o carro rugiu como se respondesse à tempestade dentro de mim. O ar parecia denso, pesado, como se o próprio mundo conspirasse para me sufocar.A imagem de Marina — não, ela não merecia mais que eu a chamasse de mãe — invadia minha mente como um fantasma que eu nunca conseguiria exorcizar. Seu sorriso sempre tranquilo, seu olhar afetuoso, seu toque delicado… tudo agora se revelava uma farsa grotesca, um teatro bem ensaiado para esconder a monstruosidade que pulsava por trás de cada palavra mansa.Eu confiava nela.Eu a amava.E ela matou minha filha.Ela destruiu um pedaço de mim antes mesmo de eu saber que existia.A lembrança desse crime me atravessava como uma lâmina quente, queimando até os ossos. O celular tremia na minha mão enquanto eu bloqueava cada cartão ao qual ela tinha acesso. Cada clique era uma sentença, c
Priscila Barcella Era mais um dia normal. Como sempre, acordo às 6:23 da manhã, levo aproximadamente 20 minutos para me arrumar e escolho roupas que transmitam o quanto sou poderosa.Saio do meu quarto preparada para enfrentar o mundo machista das torres de metal.Assim que chego no andar inferior, vejo a minha governanta terminando de organizar o meu café da manhã na mesa da sala de jantar, junto com duas funcionárias. Gosto das coisas sempre perfeitamente alinhadas, e ela me conhece muito bem.Antes de chegar à mesa, olho pela grande janela de vidro da minha cobertura, de onde posso ver a enorme cidade cinza. Assim como lá fora, dentro do meu apartamento a decoração é toda em tons frios, pois tenho um amor pelo tom cinza e não queria nada convidativo.Quem gosta e tem peso morto é a minha irmã. Eu nunca a entendi, a Barcella sempre se contentou com pouco. Diferente de mim, ela não foi para a faculdade e muito menos quis sair daquele lugar no meio do nada. Na primeira oportunidade q
Priscila Barcella Depois de um voo de três horas e meia, aluguei um carro e dirigi por mais cinco horas, finalmente chegando em um pequeno povoado do município de Santo Antônio dos Milagres. A estrada era de terra e parecia que o tempo naquele lugar passava em câmera lenta e pouquíssimas coisas tinham mudado em 16 anos. As casas eram simples e a única diferença era nos fios de energia e novas construções, mas mesmo assim parecia existir apenas uma rua e uma praça como novidade.Fui devagar pela estrada de terra batida até chegar na casinha onde crescemos. Pouquíssimas coisas tinham mudado, mas a única diferença era que, além do reboco, a pequena casa estava pintada de branco, que já estava amarelada, com dois quartos. Apesar de ser bem diferente da minha cobertura, estar naquele lugar me causava arrepios, como se as paredes pudessem falar ou apenas de ver sentir os arrepios pelo meu corpo me pedindo para fugir daquele lugar.A casa estava cheia, e respirei fundo antes de sair do carr
Priscila Barcella — O que eu faço com o bebê? — perguntei a mim mesma, sem saber o que fazer. Assim que entrei no quarto, coloquei-a na cama e a cercou de travesseiros, pois precisava tomar um banho. Fui para o banheiro e deixei a água tirar o suor e, junto com ele, as lágrimas. Eu precisava manter uma postura firme, mas minha irmã era toda a família que eu tinha. Enquanto começava a me ensaboar, ouvi um chorinho que se intensificava a cada minuto. Sem saber o que fazer, parei o banho, coloquei uma toalha rapidamente e peguei o bebê no colo, mesmo ainda estando molhada. — Eu não sou a mamãe — falei quando ela tentou pegar meus seios desesperadamente. Ela estava com fome e eu não tinha o que ela queria. Mesmo sendo uma e meia da manhã, decidi ligar para Natália, minha única amiga que sempre me ajudava. Embora não nos víssemos muito desde que ela se casou, teve filhos e se mudou para o litoral, ela sempre arranjava tempo para se envolver na minha vida, principalmente na parte am
Priscila Barcella Natália teve que ir para casa às cinco da manhã para uma reunião em Campinas. A Nina chorou quase o tempo todo. Com um conta-gotas, conseguimos que ela comesse um pouco, mas era muito complicado. De acordo com Natália, ela estava com sono. Como não sabia o que fazer, a Nina tentava a todo custo pegar meu seio e desistia. Ela só dormiu no meu peito. Eu dei para ela ver que não havia nada lá, mas não imaginei que ela usaria isso como chupeta. Era uma sensação tão estranha e dolorosa. Tive que escolher entre a dor de cabeça causada pelo choro incessante ou a dor física, e o simples fato de ela ter parado de chorar já era um avanço.Eu acabei não dormindo, mas como não podia faltar a reunião de hoje, fui me arrumar para ir à empresa. Coloquei a Nina na cama mesmo ela choramingando. Desci com a bebê no colo e a Josefa estava na cozinha. Pelo som do forró, sabia que ela estava cozinhando. Justamente hoje era o dia de folga da moça da limpeza, e a minha cozinheira já tinha
Priscila Barcella Não consegui falar nada, nem consegui tirá-la de perto de mim. Eu estava assustada, o bebê chorava ainda mais alto e eu a peguei no colo com medo de ela também ter se machucado. Os paramédicos fizeram os primeiros socorros, colocaram-na na maca e eu estava em choque ao vê-la naquele estado. A bebê parou de chorar e quando olhei, ela estava sugando o meu seio, mas não tinha chegado no bico do peito porque estava vestida. Apenas começou a me babar e acho que ouviu o meu coração. Neste mesmo minuto, Josefa abriu os olhos e estava com uma expressão de dor. — Meu braço está doendo — ela falou com a voz rouca. — Vamos levá-la para o hospital — um dos socorristas falou, olhando para mim. — Você não deveria ter deixado sua mãe sozinha com seus filhos — ela continuou, e pude ver o julgamento em seu olhar. E quem ela pensa que é para se meter na minha vida? — Eu trabalho aqui — Josefa tentou se explicar como se quisesse me defender. — Não fale, Josefa, sei que você está