Capítulo 1

Melissa

Três meses depois.

Meus dias são miseráveis. O trabalho é péssimo, e acabo pedindo minhas férias antecipadamente; preciso ficar em casa e sofrer sozinha. No escritório, a todo instante alguém vem perguntar se estou bem. O que acontece é que saio da minha mesa para chorar no banheiro, e não é um choro educado! São soluços entrecortados e altos, com olhos inchados e nariz vermelho.

Isolei-me do mundo. Minhas amigas vêm aqui em casa, mas eu não atendo sempre; é exatamente isso que faço até aliviar a dor. Depois de alguns dias, decido sair um pouco para aliviar os colegas da obrigação de se preocuparem. Mesmo que alguns zombem e digam que descobrir uma traição, não é o fim do universo. Nos olhos dos outros, é refresco, isso sim!

Aquele descarado é noivo de outra mulher, e não é qualquer uma. A beldade é filha de um procurador importante no país, ou seja, extremamente influente e linda. Sei disso porque passei longos dias como uma stalker nas redes sociais dela, olhando suas fotos com modelitos incríveis. Ela tem bom gosto, admito, exceto para homens.

Foram dois meses em uma BFF — bela fossa federal — me entupindo de doces, massas e vinho, muito vinho! Não consigo acreditar que foram 6 anos da minha vida com aquele idiota, e agora, para somar a isso, 3 meses de sofrimento, sobrepeso, vício em séries sombrias e um ódio mortal dos homens! Tá, a última parte não é tão intensa assim.

Depois do episódio na loja de vestidos, recebi inúmeras mensagens de desculpas do Bernardo. Acabo perdendo a paciência e o bloqueio. Entretanto, perco as contas de quantas vezes bloqueio e desbloqueio. Esse buraco no peito não fechará com desculpas... infelizmente, ainda sinto algo por ele.

Minhas amigas estão me enchendo o saco. Não saio para lugar algum, estou enterrada viva em meu apartamento, ouvindo aquele bom e velho sertanejo no maior estilo sofrência. Isso me faz receber uma intimação da minha cardiologista, que disse que eu preciso vê-la ou ela virá ao meu apartamento, que, aliás, está mais caótico do que nunca.

Decido ir para a consulta. Olho o relógio e saio correndo, pois estou atrasada. Tomo um banho e me arrumo rapidamente. Peço um carro pelo app e sigo para o consultório.

Chego a tempo. Como já tenho cadastro, entro rapidamente.

— Bom dia, Melissa. Entre e sente-se, por favor! — a médica diz sem me olhar.

— Bom dia, doutora! — Me sento à sua frente na cadeira branca e confortável do consultório.

É pequeno, porém aconchegante. As paredes tem tom de cinza-claro e há apenas uma mesa de vidro, com um notebook e alguns móveis de arquivo modernos, mas simples.

— Trouxe os exames que pedi? — ela pergunta, digitando em seu notebook sem parar.

Eu sempre me pergunto se médicos realmente escrevem alguma coisa em nossa ficha, porque todas as vezes que temos consulta eles perguntam tudo de novo! Tenho quase certeza de que ficam fofocando, falando sobre os seus pacientes nas redes sociais.

— Sim, estão aqui — respondo, entregando o envelope.

Ela abre e começa a ler.

A doutora Carla é uma mulher nos seus quarenta e poucos anos, muito bem-casada e bonita; parece uma modelo oriental. Seus cabelos negros são enormes e lisos, e seus olhos puxados e escuros. Ela tem descendência japonesa e dois filhos que não sei de onde saíram, pois ela é magra e esbelta, não parecendo ter engravidado alguma vez na vida.

— Melissa, suba na balança, por favor? — ela pede, sem me encarar, ainda lendo os exames.

Essa é a parte que eu mais detesto: a balança! Em toda consulta, a gente precisa subir na balança. Até no oftalmologista tem que subir na bendita... Tiro os meus sapatos e encaro de frente minha inimiga mortal desde o fim do meu noivado fracassado. 

Aquela coisa marca 94,5 kg. Carla me matará agora, não tenho dúvidas. Ela se aproxima da balança, vê o peso e, sem falar nada, volta a se sentar e a digitar. Pego meus sapatos e me sento, sentindo uma vergonha estranha, pois meu rosto está quente.

— Melissa, você engordou mais quatro quilos! Seu colesterol LDL está nas alturas, sua glicose está gritando roxa de desespero. Onde você vai parar? — ela condena, séria. — Você tem apenas 1,56 de altura e pesando assim...

— 1,59 — corrigi, interrompendo o sermão.

— O quê? — Carla franze a testa.

— Tenho 1,59, e você disse 56.

— Você tem 1,56 — ela declara seguramente.

— 59 — retruco. Por que ela queria roubar meus míseros três centímetros?

— 56 — Carla rebate, sem paciência.

— 59!

— Que seja, Mel, não pode ganhar quatro quilos por mês! Seu colesterol é maior do que o meu, do Lee e dos meus dois filhos juntos, e olha que eles curtem um fast food! — ela continua o massacre, e eu afundo na cadeira.

Aliás, esta é uma revelação surpreendente, dado o fato de ela ser cardiologista e Lee, seu marido, pediatra. Carla é minha médica há vários anos, e acabamos nos tornando amigas. Isso é um problema, pois a intimidade dificulta as coisas. Haja paciência para ouvir tanta sinceridade.

— Eu sei, Carla, mas olha, eu não consigo parar de comer, eu sinto fome, ok? E não como nada demais, juro; apenas o básico: arroz, feijão, essas coisas. Nem massas eu como… — menti descaradamente.

Eu basicamente me escondo na comida.

— Mel, de fato, não é nada demais se comer pouco; e se bem me lembro, você come demais — ela continua, fazendo um gesto de montanha, como se meu prato fosse a Chapada Diamantina. 

— Você sabe que não me importo com o fato de ser gorda, eu me amo assim e pronto! — me irrito, apesar de saber que não se trata disso, não com ela.

— Escute, Melissa, não se trata de aparência, o caso aqui é sua saúde física e mental. Sei que se aceita e você é linda, muito linda mesmo, para falar a verdade, o caso é que não, você não está bem. Depois que o idiota do Bernardo terminou o noivado, você se deixou levar não cuidando de sua alimentação e saúde — sua voz é cheia de ternura, porém firme.

— Eu sei, me desculpe. — Sinto uma lágrima correr por meu rosto.

— Não se desculpe, não suporto vê-la assim, vou te encaminhar a uma nutricionista amiga minha, não se preocupe, Vanessa vai lhe tratar bem — ela se apressa em responder quando levanto a minha sobrancelha ao ouvir a palavra nutricionista. 

Minha última experiência com uma não foi das melhores. Lembro que fiquei com tanto ódio daquela mulher que quase voei nela quando me chamou de obesa e desleixada. Ela não sabe o que passo.

— Estou bem — falo sem acreditar muito.

Não tenho problema em estar acima do peso, o problema está no cansaço ao fazer caminhadas leves, encontrar roupas, amarrar meus tênis, pegar carona em carro cheio, as piadinhas idiotas… um colesterol alto aqui é glicose estratosférica ali. Essa é a parte ruim.

— Não está, Melissa, e acho que farei um encaminhamento para um psicólogo, o filho do doutor Alberto é psicólogo e pode te ajudar com isso, ouvi dizer que tem experiência em casos de ansiedade e possivelmente é uma das coisas que está te afetando.

— Eu.não.estou.louca! — reclamo e ela ri.

 Eu sei que psicólogo não tem nada a ver com psiquiatra, porém eu não tenho o que dizer.

— Olha, no próximo mês, eu quero quatro quilos a menos ou não vou mais a atender — Carla diz com o semblante duro. — Não quero participar do estrago que está fazendo consigo mesma, aqui estão todas as recomendações, procure o Felipe e a Vanessa.

— Não pode me obrigar, Carla, você sabe tudo o que passei e continuo passando. — Meus olhos ardem.

— Mel, eu sei, sim, não quero te obrigar, mas como sua médica e amiga, sei que precisa de ajuda. Faz o seguinte… — Ela começa a digitar furiosamente de novo.

— Que tanto vocês digitam, hein? — pergunto e ela sorri.

— Segredo médico! — Dá uma piscadinha.

Sei…

— Prontinho, marquei uma consulta experimental com o Felipe, amanhã às 17 horas, se não sentir confiança, veremos outro. Mas sério, Melissa, quero ver você tentar. Chega de se boicotar por conta do idiota do Bernardo.

Sinto uma pontada no peito ao ouvir o nome do meu ex-noivo ridículo. No final das contas, Carla tem razão, não doerá tentar.

— Tá bom, me envie o endereço — peço, vencida.

— É no mesmo prédio que você trabalha, o consultório dele fica no nono andar, sala 912. Contudo, enviarei só por precaução.

— Que ótimo! — carrego no sarcasmo.

— Quero ver se vai dizer isso quando voltar da consulta — provoca com um sorrisinho condescendente.

— O que quer dizer? — levanto a sobrancelha.

— Você vai ver, agora se manda que tenho pacientes me aguardando, sou sua amiga, não exclusiva! — Ela, e sua fofura de sempre.

— Nossa… também te amo, credo! — Me levanto e cato as minhas coisas. — Até sexta.

Toda sexta fazíamos um happy hour com outros amigos, era de lei, mesmo que não fossem todos, sempre nos encontrávamos. E o pessoal resolveu retomar por mim.

— Até, e Melissa? — ela me chama quando eu estou na porta. — Por favor, se esforce, é para o seu bem, eu te amo! — A preocupação em seus pequenos olhos é genuína.

Apenas confirmo com a cabeça e saio.

Pego o metrô de volta para casa e está vazio, graças a Deus. Eu moro na Tijuca desde sempre, o lugar é bom demais. Herdei o apartamento da minha avó, que me criou junto com meu irmão mais velho, Tatu, Tadeu Augusto, na verdade. Quando era mais nova, o chamava de Tatu e o apelido ficou até hoje. Ficamos com a vovó depois que nossos pais faleceram em um acidente automobilístico, eu era bebê e eles foram ao mercado quando um carro desgovernado atingiu o deles em cheio. Trágico, principalmente se levarmos em conta que o motorista estava trêbado e hoje passeia livremente pelo mundo enquanto fiquei sem as pessoas mais importantes da minha vida. 

Chego em casa e tomo um banho bem demorado, como não tenho nada para fazer, sento em frente à tv, e peço um yakisoba, é quase light não é? Tem acelgas e cenouras, ou seja, vegetais. Começo a zapear no streaming, tem tantas opções que perco mais tempo escolhendo e adicionando à minha lista, do que assistindo, o que me faz ver que acabei de jantar sem assistir nada!

Decido ir dormir mais cedo, já que amanhã será um dia cheio e ainda tenho umavisita ao psicólogo… como se eu precisasse!

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