HENRIQUEO silêncio naquela manhã era diferente. Pesado, desconfortável. Clara e eu trocamos poucas palavras depois daquela conversa devastadora na madrugada. Mesmo com Nestor morto, não parecia que o fim do pesadelo havia chegado. Pelo contrário, era como se uma sombra pairasse sobre nós, silenciosa e implacável, trazendo à tona a realidade que eu tentava negar: eu estava perdendo Clara.Enquanto tomávamos café da manhã, Sofia brincava animada ao redor da mesa, suas risadas preenchendo o ambiente com uma leveza que contrastava com a tensão entre mim e Clara. Ela era a única coisa que nos mantinha conectados agora.Clara evitava me olhar diretamente, focada em sua xícara de café, e eu sentia que cada tentativa de me aproximar era uma barreira que ela erguia para se proteger. Ela estava exausta, e eu sabia que tudo isso era minha culpa. Eu a havia arrastado para esse ciclo interminável, prometendo segurança que nunca parecia chegar.— Você vai passar o dia fora hoje? — Clara finalmente
CLARAArrumar as malas foi a parte mais difícil. Cada peça de roupa dobrada parecia pesar mais do que a anterior. Eu estava fazendo isso pelo bem de Sofia, pelo meu próprio bem, mas nada disso tornava a decisão menos dolorosa. A ideia de sair, mesmo que apenas por um tempo, era como arrancar uma parte de mim.Eu sabia que Henrique estava arrasado. Eu podia sentir a tensão no ar desde a nossa conversa na noite passada. Ele tentava se manter distante, me dando o espaço que pedi, mas era evidente que ele estava sofrendo. E isso me partia o coração.A realidade, no entanto, era que eu precisava fazer isso. Acordar todas as manhãs com o medo de que algo acontecesse, de que Henrique saísse pela porta e nunca mais voltasse, estava me destruindo por dentro. E, acima de tudo, eu precisava proteger Sofia. Ela era o centro da minha vida, e eu queria que ela crescesse em um ambiente onde o medo não fosse constante.Peguei o último casaco do armário e coloquei na mala, fechando-a com um suspiro pe
HENRIQUESentei no carro por alguns minutos antes de ligar o motor. Eu estava parado no cruzamento entre duas vidas: a vida que eu tanto queria — ao lado de Clara e Sofia, construindo algo longe do submundo — e a vida da qual eu parecia nunca conseguir escapar. E agora Tito me chamava de volta.O telefone ainda vibrava com mais mensagens de Tito, insistente. Algo estava acontecendo. Talvez um novo problema que precisasse ser resolvido, talvez os resquícios de Nestor tentando ressurgir, ou talvez apenas negócios inacabados que o submundo se recusava a deixar para trás. Mas, seja o que fosse, eu sabia que, se atendesse a esse chamado, poderia perder Clara de vez.Olhei pela janela, as ruas vazias refletindo o vazio dentro de mim. Ela tinha ido embora, levando Sofia com ela, e eu não tinha feito nada para impedir. Talvez eu tivesse achado que seria temporário, mas agora, sentado ali, sentia que se eu desse um passo na direção errada, poderia ser definitivo.Respirei fundo e liguei o moto
HENRIQUEDepois que Clara desligou o telefone, eu fiquei parado, olhando para o celular na minha mão. As palavras dela ecoavam na minha cabeça: “Eu quero acreditar, mas não sei se consigo.” Aquilo me atingiu como uma facada. Clara estava me dizendo que ainda me amava, mas também que não sabia se poderia continuar vivendo com o medo constante que eu trazia para nossa vida.E eu sabia que ela estava certa.Passei a noite em claro, sentado no sofá, pensando em tudo o que eu havia feito para chegar até ali. Eu matei homens, tomei decisões que me afastaram das pessoas que eu amava, e agora estava sozinho. Cada escolha que fiz no submundo tinha um custo, e a última cobrança estava chegando. Eu estava perdendo Clara e Sofia.Olhei pela janela, vendo o sol começar a nascer, e senti o peso do mundo sobre mim. Eu precisava sair dessa vida. Precisava encontrar um jeito de proteger minha família sem mergulhar de volta no caos. Mas como fazer isso? Tito estava certo sobre uma coisa: se eu não enfr
HENRIQUEO silêncio do prédio parecia esmagador enquanto nos movíamos pelos corredores mal iluminados. Meus sentidos estavam à flor da pele, atentos a cada som, cada sombra que pudesse se mover. Tito estava logo atrás de mim, com seus homens prontos para o que viesse. Esse era o momento.O submundo tinha me puxado de volta uma última vez, mas depois disso, eu prometi que acabaria.Chegamos à porta do escritório onde os novos jogadores estavam operando. A luz fraca do lado de fora fazia o ambiente parecer mais sombrio, mais ameaçador. Tudo isso parecia um déjà vu. Já estive aqui tantas vezes antes, em tantas situações semelhantes. Mas dessa vez, algo dentro de mim estava diferente. Eu não queria estar ali. Eu só queria estar com Clara e Sofia, longe de tudo isso.Tito parou ao meu lado, me lançando um olhar de confirmação. Era agora ou nunca.— Pronto para acabar com isso? — ele perguntou, a voz grave, mas confiante.Eu apenas assenti, minha mão firme na arma. Eu não tinha escolha. Pre
CLARAQuando ouvi a voz de Henrique ao telefone dizendo que estava tudo resolvido, um alívio imediato percorreu meu corpo, mas foi rapidamente substituído pela dúvida. Quantas vezes ele já tinha prometido que tudo ficaria bem, que ele estava fora disso para sempre? E ainda assim, a sombra do submundo continuava a rondar nossa vida.Eu respirei fundo, tentando processar o que ele havia acabado de dizer.— Acabou de verdade, Henrique? — perguntei, com a voz carregada de incerteza. Eu precisava que ele fosse honesto, agora mais do que nunca.— Sim, Clara, acabou, — ele respondeu, com um tom firme, mas eu podia sentir o peso de suas palavras. — Eu fiz o que precisava fazer para garantir que vocês ficassem seguras. Franco está morto. Não há mais ninguém.Fiquei em silêncio por alguns segundos, tentando deixar aquelas palavras se assentarem. Franco estava morto. Mais uma vez, Henrique havia tirado uma vida para nos proteger. Mas será que era o fim de verdade?— Você matou outro homem, Henri
HENRIQUENos dias seguintes, tudo parecia um borrão. O silêncio da casa era opressor. O vazio deixado por Clara e Sofia me sufocava. Eu me levantei cedo todas as manhãs, tentando fazer algo produtivo, mas sempre me via andando de um lado para o outro, sem direção. Sem elas, nada fazia sentido.O submundo, que uma vez havia preenchido minha vida de adrenalina e propósito, agora parecia mais uma maldição do que nunca. Eu estava livre, finalmente livre. Mas a que custo? Eu havia matado, manipulado, traído, tudo para proteger Clara e Sofia, e agora, estava sozinho.O telefone estava sempre ao meu lado, mas não havia nenhuma mensagem de Clara. Eu sabia que ela precisava de tempo, e tentava me convencer de que o tempo era tudo o que ela precisava para perceber que eu tinha mudado. Mas será que ela voltaria?O medo de perdê-la de vez era insuportável.Tito havia me ligado algumas vezes, apenas para “checar” como eu estava, mas a verdade é que eu sabia o que ele queria. O submundo não deixava
CLARAAquele momento na cafeteria, olhando para Henrique enquanto ele segurava minha mão, trouxe de volta uma onda de sentimentos que eu vinha tentando controlar. Eu ainda o amava. Sempre o amaria. Mas também havia medo, o mesmo medo que me acompanhava há anos, desde que o submundo entrou em nossas vidas. Será que ele realmente havia mudado?Eu queria acreditar, mas meu coração já havia sido partido antes. Cada vez que ele voltava para o submundo, para aquela vida, era como se o chão desaparecesse debaixo dos meus pés. Agora, ele estava me prometendo que era diferente. Que estava trabalhando com Eduardo, longe de qualquer coisa ilegal. Mas promessas eram fáceis de fazer.Henrique me olhou com uma mistura de esperança e vulnerabilidade, e isso me tocou. Ele realmente parecia estar tentando, e talvez, pela primeira vez em muito tempo, eu estivesse disposta a dar a ele o benefício da dúvida. Mas eu precisava de mais do que palavras. Eu precisava ver ação.— Henrique, — comecei, minha voz