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Capítulo 2 - O casamento

As pessoas já estavam apinhadas no jardim, eu podia visualizar a tenda branca  montada no ponto central, ao lado da fonte da fortuna que fora colocada lá por minha avó, ah se ela estivesse viva para ver o que o sobrenome que ela e meu avô tanto amavam virou.

Eu desci as escadas sem me importar com o fato de que eu era a noiva, mas aquilo não agradou minha mãe que caminhou até mim, segurou o meu braço como se fosse um gavião e me levou para a biblioteca.

- Você ficou louca menina? Espere até o seu pai vir te buscar aqui dentro, ninguém pode ver a noiva. 

Eu ri com a inocência dela - Você acha que o demônio Vicenzzo vai se importar de me ver apenas no altar? Ele nem deve ter chegado, eu não vou ficar presa aqui feito um bicho!

- Enzo já chegou, ele vai fazer a entrada em poucos minutos, pelo menos uma vez na vida, não estrague tudo Maria Catarina! 

Eu me sentei, eu era voto vencido e não fazia sentido que eu gastasse a minha energia discutindo com minha mãe, talvez eu devesse guardar energia para me proteger do meu próprio marido. 

Não demorou muito até o meu pai entrar pela sala, nervoso, como se estivesse realmente casando uma filha por amor, como nos romances que ele lia incansávelmente até eu finalmente adormecer. 

- Catarina, você está tão linda! - Ele disse segurando a minha mão, mas o meu nível de ódio estava tão lá no alto que eu só consegui me soltar dele e dizer:

- Vamos acabar logo com isso!

Foi como um pesadelo, toda aquela caminhada até a m*****a tenda estava me causando náuseas, foi como um apagão e quando eu finalmente dei por mim, lá estava eu, ouvindo a marcha nupcial que chegava a me doer os ouvidos, o som das pessoas se levantando acelerava o meu coração e quem me esperava na ponta do altar me causava crises de desespero. Mas isso aconteceu internamente, dentro do meu eu, não dividi o meu nervosismo ou desespero com ninguém, me mantive fria e altiva enquanto caminhava até o altar.

Vi o rosto de Lourdes na multidão e fiquei um pouco mais calma.

Na ponta estava, talvez, o homem mais bonito que eu já tinha visto. Eu ouvi falar dele, de suas histórias brutais, do peso de seu sobrenome e tudo o que aquilo significaria até o final da minha vida. Mas em nenhuma história ou fofoca de empregados alguém tinha citado que ele era na verdade... Lindo.

Os cabelos castanhos estavam penteados para trás, a barba bem feita lhe dava um charme mais do que especial, enquanto eu ia me aproximando pude olhar em seus olhos castanhos claros, quase verdes, flamejantes olhando diretamente para mim. Meu pai me entregou a ele e apertou a sua mão, mas ele não olhou para o meu pai nem por um segundo, manteve seus olhos focados em mim diretamente, como um predador olha para uma caça. 

O padre começou a realizar a cerimônia e eu não conseguia me concentrar no que ele estava dizendo, Enzo não parou de me olhar nem por um segundo enquanto isso. Quando nos viramos ele segurou as minhas mãos de um jeito firme e proferiu votos que com certeza alguém tinha escrito para ele. Sem nenhuma emoção eu proferi os meus, depois de exaustivas horas de treinamente para não errar nem as vírgulas das respirações, como ordenou aos berros minha mãe durante o processo. 

- Se alguém tiver algo a dizer que impeça esse matrimônio fale agora ou cale-se para sempre - Disse o padre olhando para a multidão, eu me permiti olhar também.

E então, em meio a multidão havia uma mulher loira, alta, com olhos de um azul profundo cheios de lágrimas, ela se destacava para mim na multidão por estar usando um vestido de chiffon, preto e com um decote profundo, como se estivesse de luto por um grande amor. Esperei pacientemente que ela dissesse alguma coisa afinal, sonhei com o momento que veria alguma humanidade em alguém daquela comunidade. 

Mas com a quantidade de pessoas armadas no local, ela escolheu o silêncio, e quem poderia culpá-la por isso? Se minha vida dependesse disso eu também me calaria, se nem o amor de meus pais foi capaz de me proteger, eu não poderia jogar essa responsabilidade para uma estranha.

O silêncio sepulcral deixava a situação um tanto desconfortável, parecia ter durado horas e horas. 

- Com o poder investido em mim por Deus e pelo Vaticano, e os declaro marido e mulher! Pode beijar a noiva...

Enzo se virou para mim e me puxou pela cintura, um calor inexplicável subiu pelo meu corpo enquanto eu sentia as mãos dele em mim, os olhos dele era indecifráveis, me davam medo, eram lindos e misteriosos, sua boca nunca esboçava um sorriso mas me dava vontade de encostar, só um pouco, só para sentir o seu sabor. Era como uma miragem e sua beleza confundia até a mulher mais beata daquele recinto. Ele se inclinou e me beijou docemente, fez o meu coração acelerar e minha mente fraquejar durante os três segundos em que manteve a boca colada a minha. Eu fechei os olhos para ao menos me aproveitar daquela situação, pelo menos um pouco, pelo menos no altar consegui viver algum fato dos meus sonhos. 

Esqueci que vivia um pesadelo dentro daqueles poucos segundos.

- VAMOS - disse ele altivo, aquele momento se esvaiu tão rápido do meu pensamento com o tom de voz dele que eu respirei fundo de puro terror. 

- Tem toda a festa ainda Enzo... - Eu falei entredentes - Não é assim que sua gente faz? Usa festas de casamentos, batizados e comemorações para decidir quem vão castigar e matar a seguir?

- Seu pai me avisou que sua língua era o seu mal, e aqui está, bem diante dos meus olhos. Não é mais a minha gente, você esquece? Você acabou de se tornar minha!

Caminhamos em meios aos nossos xingamentos pelo meio do corredor, com um sorriso falso no rosto eu o encarei, enquanto ele mantinha o seu olhar impassível. 

- Eu jamais serei sua Enzo Vicenzzo.

- O papel diz outra coisa Maria Catarina! Eu te comprei, paguei por você e você é minha.

- Você pode sim me possuir por causa de um pedaço de papel? Pense sobre isso só um pouco! - Eu disse olhando em seus olhos assim que saímos da capela, caminhei tão rápido em outra direção que ele não pode me segurar pelo braço, eu só se recusou a fazer uma cena no meio de toda aquela gente. 

Os coqueteis estavam sendo servidos, as taças de camarão também e toda aquela pompa que minha mãe planejou para finalmente ascender socialmente estava acontecendo e tudo o que eu queria era correr dali para o meu quarto e chorar, e eu tentei fazer isso, mas fui impedida no meio do caminho.

- Ei, você... - Disse o homem leve e despreocupado andando em minha direção - Espera um pouco, Maria Catarina...

- Obrigada.

- Obrigada pelo que? - Ele disse confuso

- Vai me dar os parabéns pelo casamento, eu já me antecipei e respondi... Obrigada. 

 Voltei a caminhar torcendo para ninguém me parar novamente, mas ele era insistente.

- Não ia te cumprimentar pelo casamento com o idiota do meu irmão, eu sou Marco Vicenzzo... - O meu corpo ficou gelado, eu não podia ter falado assim com um membro daquela família. Eles cobravam suas dívidas e eu era só uma vaca sendo abatida. 

- Me desculpa, são as emoções do dia... Eu não deveria tê-lo tratado assim.

- Não precisa fingir para mim princesa, eu não sou exatamente o membro mais honorável dessa família de brutamontes, você teve a péssima sorte de se casar com o principal. 

- Isso é sorte? - Falei baixando a cabeça e mantendo a minha voz tão baixa quanto o possível. 

- Você é a rainha do castelo agora, bom, a princesa... A megera que eu chamo de mãe ainda não morreu, mas de qualquer forma você é a mulher do homem mais importante da Itália, qualquer garota aqui nesse jardim morreria para ter esse título.

- Bom, eu não! 

- Tudo bem, eu estou exagerando. Você vai descobrir com o tempo que Enzo foi obrigado a ser assim por tanto tempo que ele só não consegue diferenciar quando deve ser firme de quando não. Mas não se preocupe, a brutalidade é com nossos inimigos, não com garotas indefesas. 

- Nenhum homem que compra um casamento é honrado e foi o que ele fez. E me diga, Marco, quem são esses inimigos todos? São reais ou vocês inventam para conseguir derramar sangue inocente sem que se sintam culpados o suficiente para dormir a noite? 

- Você vai descobrir, carregando esse sobrenome, que nossa cabeça está sempre á prêmio princesa. Nada é tão simples quanto você pensa, absolutamente tudo gira em torno dos  nossos inimigos e das próximas articulações para derramar o nosso sangue. 

Senti uma mão em minha cintura, e pelo toque, sabia exatamente quem era. 

- O que tanto fala com minha mulher irmão? - Disse a voz gutural atrás de mim.

- Só estou batendo um papo com minha cunhada, absolutamente linda, você fez uma ótima compra Enzo. 

Enzo pareceu ficar mais nervoso e o clima ficou mais pesado, ele segurou o braço do irmão e sussurrou com certa violência em seus ouvidos:

- Fique longe dela seu cretino! Ou nem nossa mãe será capaz de me impedir de arrancar sua pele!

Quando finalmente o soltou, saiu me arrastando pelo jardim.

- O QUE FOI ISSO? ELE É SEU IRMÃO!

- Fique longe do Marco, essa é uma ordem Catarina. 

- Por que eu deveria ficar longe dele Enzo?

- Eu definitivamente não sou obrigado a te explicar nada, pode simplesmente me ouvir, seu pai não falou para você confiar em mim? 

Aquilo me atingiu, mas os olhos dele focados em mim me atingiram ainda mais. 

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