- Eu quero a minha casa, só quero voltar para casa, será que é tão difícil entender isso?
Logo, dois pares de asa se acenderam novamente, e com eles mais dois e mais dois e outros; e tudo voltou a ficar claro. Levantei a cabeça e observei a miniatura de fada que dançava na minha frente. Uma, mais gordinha, preveniu aquela que estava mais próxima.
- Não se aproxime tanto! Ela pode te atacar!
A fada pequena se afastou um pouco... Olhei para ela e enxuguei as lágrimas.
- Não vou machucá-las, eu juro.
Ela me observou: seus olhos eram tão pequenos que eu mal podia vê-los.
- Não vai nos machucar!
Quando disse isso, todas as outras, que ainda estavam se escondendo, apareceram e a luz ficou ainda mais forte.
- Quem é você e por que está chorando, menina?
Olhei para ela e enxuguei os olhos.
- Estou perdida, vim mais cedo para esse lugar, não sei como, e não sei como voltar para casa. Quero minha avó...
Todas se olharam e se aproximaram de mim, entendendo minha angústia.
- Não sabemos o que é ter uma avó, mas imaginamos que deve ser muito triste para você estar em um lugar estranho.
Não sabiam o que era ter uma avó? Então fadas não tinham família? Isso era estranho, se não tinham a ninguém, não se sentiam solitárias?
Uma delas riu, como se pudesse ouvir tudo o que eu tinha pensado, e certamente podia.
- Temos umas as outras, não é como uma linhagem sanguínea como a de vocês humanos, mas é uma família, por que tem amor nela.
Talvez essa fosse a melhor definição de família que eu já tinha ouvido, família era onde tinha amor, então de fato... Eu tinha uma família, pois meus avós me amavam muito, mesmo não tendo meu sangue, a saudade apertou e só me senti ainda pior.
Houve um barulho forte, e todas se apagaram, escondendo-se nos arbustos.
- Anna! Anna! Está aí?
Era a voz de Kaarl, porém, eu não tinha certeza se queria vê-lo ou encontrá-lo. Meus braços estavam duros de frio e eu não aguentaria muito mais tempo se tivesse que dormir fora de uma casa. O castelo era quentinho, porém, eu não sabia se podia confiar naquelas pessoas. Kaarl já tinha mentido para mim uma vez.
A fada maior abriu suas asas e apareceu na imensidão.
- É a voz do Príncipe, apareçam fadas! É seguro!
Novamente, tudo voltou a ficar claro, meus olhos nunca se acostumariam com aquela claridade, mas provavelmente não se acostumariam a conviver com fadas e com flores falantes também.
Kaarl surgiu entre as sombras, montado em um cavalo negro, e para quem gosta de contos de fada, ele não trazia nenhuma armadura reluzente com ele, ou uma espada ou qualquer coisa que demonstrasse sua coragem e bravura, apenas ele um cavalo e a roupa de gala que certamente ele não tinha tido tempo de trocar.
A fada maior aproximou-se dele, colocando-se entre nós, e jogou um pó brilhante em seu rosto.
- O que está fazendo Fleur? Sou eu, seu Príncipe!
Ela fez uma cara estranha e se afastou um pouco.
- Sim, agora eu sei, só queria me certificar. Ficamos sabendo que estava lacrado, queria ter certeza de que não era alguém se passando por você para nos enganar.
- Sim estava, mas ela... – apontou para mim – Me soltou, sou livre agora!
A fada olhou para mim apavorada e se afastou imediatamente. Depois, olhou para as outras e todas se curvaram, fazendo reverência.
- É ela então a dona dessa energia! Estávamos comemorando a chegada dessa energia, então ela é a responsável, estamos salvas! Viva!
Todas começaram a dançar em sintonia com a música que algumas cantavam. Pisquei algumas vezes me sentindo perdida e me levantei então do chão. Kaarl me segurou pelo pulso.
- O que está fazendo?
- Me certificando que não vai voltar a sair correndo.
Olhei para ele e puxei o braço novamente.
A fada maior aproximou-se de nós.
- Sou Fleur, desculpe se não me apresentei como deveria, sou a rainha das fadas. Escondemo-nos na floresta e dificilmente aparecemos para os humanos, porém, confiamos que está aqui para nos salvar e que não nos fará mal algum!
- Salvar? Do que estão falando? Não estou aqui para salvar ninguém!
Ouvi um cochicho entre todas elas, que se afastaram parecendo assustadas. Kaarl colocou-se entre nós.
- Fiquem calmas, não é isso que Anna quer dizer, ela está um pouco confusa ainda, não sabe de toda a história. Mas, se me permitirem, contarei tudo a ela mais tarde. Não se preocupem, o segredo de vocês está seguro conosco! Ninguém saberá o esconderijo de vocês!
Todas pareceram entender, menos eu, claro, a última a saber de tudo.
- Vamos, Anna?
Olhei para ele sem saber se eu queria voltar e tranquei o pé.
- Não, não vou voltar para aquela festa de gente estranha. Minha família deve estar preocupada comigo, quero voltar para casa.
- Anna, assim que saiu mandei que servissem o melhor vinho que tínhamos. Todos estão felizes e animados, não vão nem perceber que voltou. Podemos também entrar pelos fundos, se quiser, e eles nem a verão voltar. Amanhã, quando o sol nascer, vou ajudá-la a voltar, eu prometo.
- Já mentiu para mim uma vez, como posso saber que não está mentindo novamente?
- Não menti, omiti. Está com tanta raiva assim por saber que eu sou um príncipe? Achei que isso me daria algumas vantagens!
Olhei para ele e cruzei os braços, tremendo de frio.
- Tudo bem, mas é só porque eu estou com muito frio e com fome; e terá que entrar pelos fundos, não quero ver aquelas pessoas estranhas.
- Seu pedido é uma ordem! – disse ele, curvando-se e beijando minha mão. Fiquei sem jeito quando ele sorriu para mim, ele não deveria brincar assim comigo.
– Agora, deixe-me aquecê-la - disse ele tirando o casaco e colocando sobre meus ombros.
O casaco estava muito mais quente que o normal e senti meu corpo amolecer como quando a gente entra embaixo de um chuveiro com água quente.
- Que gostoso.
Abracei o casaco. Kaarl balançou a cabeça e sorriu. Depois, ajudou-me a subir no cavalo e partimos. Eu nunca tinha andado a cavalo, aquilo era sem dúvidas estranho, mas eu também nunca tinha conhecido um príncipe e visto fadas, ou conversado com uma flor.
Sem saber ao certo como me equilibrar, passei os braços ao redor de sua cintura. Kaarl, no entanto, ficou tenso e se esquivou.
- Você pode segurar na cela.
Só então percebi que havia um lugar na cela onde eu podia deixar as mãos. Ele não parecia gostar muito de contatos físicos, isso fez com que eu me afastasse.
- Tudo bem.
Lembra-se da sensação do chuveiro de água quente? Pois é, ficou gelada instantaneamente e eu endureci.
- O cavalo de um príncipe não deveria ser branco, como nos filmes da Disney? - Não sei o que é esse negócio de filme ou de Disney, mas quanto ao cavalo, eu gosto muito desse. É um animal fiel e benevolente, ele me esperou durante os 60 anos que estive preso, por anos não permitiu que ninguém montasse nele, agora que voltei ele me recebeu como da primeira vez. - Mas isso é impossível! Um cavalo não vive mais do que 30 anos! Como poderia ser o seu cavalo? - Entenda uma coisa Anna, em Taika, tudo é possível, aqui animais não são apenas simples animais há magia. Lá vinha aquela história de magia de novo, será que em dado momento ele voltaria a dizer que eu era uma bruxa? Por que se ele voltasse eu provavelmente saltaria do cavalo e não olharia mais na cara dele. Apoiei minha cabeça no ombro dele e inspirei o cheiro gostoso que vinha daquela pele. Mais um pouquinho e eu poderia tocar em seu pescoço, aquele pescoço... Ele mexeu os ombros ficando des
- Certo, eu prometi lhe contar tudo e vou lhe contar... – Ele fez uma pausa e se levantou. – Há muitos anos, ninguém sabe ao certo quantos, uma mulher dominada pela raiva e pelo ódio lançou uma maldição contra o povo de Taika, está maldição pôs todos para dormir por cerca de 100 anos. - Como em a bela adormecida? - O que? Certo era melhor eu me calar, aquilo não era um conto de fadas, fiz um sinal para que ele prosseguisse por vezes ele me olhava estranho esperando eu soltar mais uma coisa sem sentido. - Essa maldição parecia ter sido quebrada com a chegada de Gerttu, uma descendente de Rasmus que fez todos acordarem. - Descendente de Rasmus? Então minha família tem haver com a maldição? - Isso, a maldição foi lançada devido ao um ódio que a rainha tinha da própria família, a ideia era amaldiçoar todos da família, porém um bebe foi salvo por um súdito e levado a outro mundo. - E é esse bebe quem voltou? - Não exatamente
Quando saímos do quarto, Aila ainda ria para mim. Hermes e Kaarl vinham no corredor e Kaarl me olhou de alto a baixo. - Que roupas são essas? Aila se encolheu, Hermes interveio. - Não sei senhor, deixei lindos vestidos para ela hoje mais cedo! - Eu não os quis! – disse dando um passo à frente – Inclusive os dei para Aila, ela, porém, não os aceitou. Como não tinha o que vestir, fez a gentileza de me emprestar um vestido dela já que não posso usar calças por aqui! Kaarl escondeu o sorriso. - Anna, pedi que Hermes conseguisse os vestidos mais lindos de toda Taika. Jogou todo o trabalho dele no lixo. - Não consigo andar com aquelas coisas, são pesadas e desconfortáveis. Já disse, pode dar todos a Aila, até por que não precisarei deles, prometeu que eu voltaria hoje para casa! Kaarl olhou para Hermes. - Recolha os vestidos e procure por coisas mais confortáveis para a senhorita Anna. Eu deveria t
Senti-me triste, triste por ter voltado, triste porque não acreditavam em mim, não achavam que eu fosse capaz. Minha tia saiu do quarto junto com minha avó, eu era prisioneira dentro de minha casa, isso não podia estar acontecendo Se eu soubesse que seria assim, não teria voltado. Eu entendia que estivessem me protegendo, mas a omissão do quem eu era também era uma forma de destruição. Aquilo que eu tinha feito a pouco tinha acontecido do nada... E se acontecesse um dia, enquanto eu estivesse na aula? E se Kaarl tivesse razão e eles viessem atrás de mim e destruíssem minha cidade? Três dias se passaram, até que finalmente me permitiram sair de meu quarto para ir à escola. Porém, meu avô me levava e ia me buscar para ter certeza de que nada aconteceria no percurso. Ele também deixou todos meus professores avisados de que eu passava por uma crise de identidade e que não deveriam permitir que eu ficasse sozinha. Então, onde quer que eu fosse, eu tinha um guard
Assim que entrou no quarto, com cuidado, ele viu uma mulher não muito alta, parada de costas para a janela. Não era uma camponesa, não usava vestido, mas calças; tinha calçados de salto nos pés e postura elegante. Hermes tinha razão. Kaarl não a conhecia, e ao considerar suas roupas ela não devia ser do mundo dele, mas do mundo de Anna. - Eu gostava de ficar aqui, passava horas do dia observando a beleza do sol poente de vocês sem a fumaça das indústrias, apenas o verde das matas. Hely foi uma garota de sorte. A mulher falava sem se virar. Kaarl aproximou-se com cuidado. - Desculpe, mas quem é você? Ela sorriu de canto e então se virou. Seu rosto era familiar, ele conhecia, porém, não sabia quem era. - Hoje, quebrei uma promessa muito difícil de ser quebrada. Eu jurei nunca mais vir até aqui e olha só onde estou agora – Novamente, ela sorriu tristemente. – Sou Tarja, irmã mais velha de Hely, ou melhor, irmã de criação m
Aila andava apressada pelos corredores. - Aila, está tudo bem mesmo? - Na verdade, não, mas vamos entrar no quarto e eu lhe explico tudo. O quarto que tinha sido de Tiina não era o mesmo que eu tinha ocupado na vez passada. Era um quarto maior, tinha paredes amarelas e janelas grandes, era arejado e tinha dois espelhos gigantescos. - Tudo bem, estamos no quarto. Vai me contar o que está acontecendo. Por que ele está tão preocupado? - Bom, de acordo com as normas a seleção deve acontecer quando os bruxos ingressam na escola. Mas, é claro que, normalmente, as crianças que ingressam na escola já têm conhecimento em magia. Ou nasceram em famílias de bruxos ou se criaram no reino, e por isso conhecem tudo sobre a magia. Não é o seu caso, Kaarl está nervoso por que teme que isso possa assustá-la. E cá entre nós, acho que Jarkko fez isso de propósito, justamente com essa ideia. - E por que ele faria isso? E
Havia duas portas de madeira que levavam até o salão e eu fiquei parada atrás da segunda porta. Atrás da primeira porta estavam os novos alunos, com suas túnicas escuras e sem faixa. Atrás da segunda porta, eu tentava prestar atenção ao som da trombeta. Quando ela soasse, as portas se abririam e eu teria que entrar. Tudo bem, Anna, acalme-se, é só ouvir o som da trombeta. A cerimônia começou e eu podia ouvir o barulho dos passos dos alunos entrando no salão, seguidos por palmas. Eu não podia assistir a cerimonia de seleção deles e isso me deixou ainda mais angustiada, vê-los ser selecionados me daria um pouco mais de confiança, pelo menos eu saberia como seria. Assim que o aluno era selecionado, uma faixa de cor se formava em volta de sua cintura e ele era aceito em uma das classes dos elementos. Eu estava andando de um lado a outro, nervosa, quando a trombeta soou e despertou em mim o pânico. Disparei correndo de onde eu estava e surgi no corre
Eu olhei para ele apreensiva e então cerrei os olhos com medo. Tremendo dos pés à cabeça, pisei dentro do círculo. Alguns alunos se levantaram nas mesas para ver o que acontecia, mas nem o cálice, nem a Athame, tampouco a flor ou a vela, se moveram do lugar ou demonstraram qualquer mudança. Eu abri meus olhos para ver se algo acontecia, mas, nada... Não houve nada, logo as pessoas começaram a cochichar e se pode ouvir risos e piadas. “Ela não é uma bruxa”. “Não tem dom algum”. “Tirem ela daí, é só uma normal”... Assim como no meu mundo, o mundo de Kaarl também tinha seus preconceitos e nessa hora eu entendi que ser alguém sem magia em uma cidade mágica era como ser o patinho feio sem chances de ser cisne. Por que nada acontecia? O que estava havendo? Eu me virei para encarar Kaarl, que parecia perplexo. Jarkko se levantou e riu alto. - Vejam! Exatamente o que eu disse, ela não é uma de nós... É uma impostora.