- O cavalo de um príncipe não deveria ser branco, como nos filmes da Disney?
- Não sei o que é esse negócio de filme ou de Disney, mas quanto ao cavalo, eu gosto muito desse. É um animal fiel e benevolente, ele me esperou durante os 60 anos que estive preso, por anos não permitiu que ninguém montasse nele, agora que voltei ele me recebeu como da primeira vez.
- Mas isso é impossível! Um cavalo não vive mais do que 30 anos! Como poderia ser o seu cavalo?
- Entenda uma coisa Anna, em Taika, tudo é possível, aqui animais não são apenas simples animais há magia.
Lá vinha aquela história de magia de novo, será que em dado momento ele voltaria a dizer que eu era uma bruxa? Por que se ele voltasse eu provavelmente saltaria do cavalo e não olharia mais na cara dele.
Apoiei minha cabeça no ombro dele e inspirei o cheiro gostoso que vinha daquela pele. Mais um pouquinho e eu poderia tocar em seu pescoço, aquele pescoço... Ele mexeu os ombros ficando desconfortável e resmungou.
- Anna...
- O quê?
- Está perto demais... De novo...
- Ahhh... – eu sorri sem graça e voltei a me afastar. Será que ele tinha namorada? Bom, é óbvio que não deveria ter, afinal, que namorada namoraria um cara preso em uma caverna por 60 anos? Bom, o cavalo tinha esperado, as pessoas no castelo tinham esperado... É talvez houvesse uma garota.
Ele entrou pelos fundos e conseguimos fugir das pessoas estranhas e da festa esquisita.
Assim que entramos, Hermes veio em nossa direção. Sim, com certeza, aquele era o servo de quem ele tinha falado na caverna, porque todos os passos que Kaarl dava pareciam ter sido ensaiados antes por ele.
- Graças a Deus chegaram, fiquei morrendo de medo que a rainha os encontrasse ou que ela acabasse cruzando a fronteira.
- Qual o problema de eu cruzar a fronteira?
As outras empregadas me olharam espantadas com minha tolice. Acho que cruzar a fronteira era algo proibido...
- Bem, você morreria asfixiada e seu corpo incendiaria em alguns segundos - disse Hermes com toda a calma do mundo. Aquilo me fez engolir seco. Dei um tapa no braço de Kaarl.
- Me deixou sair correndo que nem uma maluca colocando em risco a minha vida?
Ele voltou a me olhar com aquele olhar frio.
- Duvido muito que queimasse, algo em você é...
Hermes olhou para ele o repreendendo.
- Cuidado com as palavras, príncipe.
Ele olhou para Hermes e suspirou. Eu olhei e sorri.
- É, cuidado com as palavras príncipe, eu sei bater.
Hermes riu, mas Kaarl não deu risada, apenas seguiu em silêncio nos dando as costas.
- Se quer saber sua história, me siga.
Eu o segui. Hermes nos acompanhou Kaarl subiu por escadas laterais, rápido demais para que eu pudesse acompanhá-lo. Cheguei à conclusão de que se eu fosse ficar muito tempo ali eu teria que me acostumar com as benditas escadas.
A lareira do meu quarto estava acesa, como se esperasse minha chegada. Corri até ela e me sentei próxima ao fogo, aquecendo as mãos, pois mesmo com o casaco dele elas ainda estavam geladas.
- Quer que os deixe a sós?
- Por gentileza, Hermes, diga para que não sejamos interrompidos, a menos que seja para o jantar de Anna. Mande providenciar um banquete para ela, deve estar com muita fome.
- Ah, estou mesmo! – disse respondendo à pergunta que se referia a mim.
Recebi um olhar de desaprovação dele, mas qual deveria ser o problema de eu responder? Era sobre mim que estavam falando afinal.
Hermes se despediu e Kaarl se aproximou.
- Não quer se sentar no sofá? - disse ele apontando para os sofás estofados onde havia se sentado.
Balancei a cabeça em sinal negativo pensando na proximidade dele e na tensão que havia rolado um pouco antes, quando eu tinha me aproximado.
- Não, está bom aqui, esse tapete é muito fofo.
- É feito com pele de urso.
- De urso? – disse me afastando – Coitado!
Recuei para longe, não queria mais aquele tapete perto de mim, e corri para o sofá onde ele estava.
- Você é uma garota estranha.
- Fala isso para mim? Quem é que estava preso a uma rocha por mais de 60 anos e tem aparência de 20 anos? Mora em uma terra com fadas e flores falantes?
- Está realmente preocupada com as flores que falam? Acredite, elas são mal-humoradas, mas não são os maiores perigos daqui.
- Tudo bem, e quais são então?
Ele abaixou a cabeça.
- Minha mãe, ela é um grande problema.
Pisquei algumas vezes... Ele devia estar falando da rainha, rainha esta que eu não tinha visto ainda. Mas por que ela deveria apresentar algum perigo? Eu não pretendia me tornar a nora dela mesmo, e foi exatamente essa a asneira que eu falei.
- Não pretendo ser a nora dela, então está tranquilo.
Vi um brilho malicioso surgir nos olhos dele e um sorriso brotar no canto da boca.
- Não é bem com a fúria de uma sogra que você vai lidar Anna, até porque não pretendo me casar com você.
Aquilo partiu meu coração instantaneamente. Não que eu tivesse alimentado alguma esperança, mas ele não precisava ter falado nessas palavras também.
- Ok, e com o que então eu vou ter que lidar?
- Por onde quer começar: pela sua mãe, pela sua avó, ou pelo começo da maldição?
- Acho que pelo começo. Quero entender o que minha família biológica tem a ver com tudo isso.
- Família biológica?
- É eu tenho uma família longe daqui que me criou. Eu sabia que era neta deles e que minha mãe tinha fugido do hospital logo depois de ter dado à luz. Que ela era uma destrambelhada e sem propósito na vida, ou pelo menos foi assim que minha avó me criou, para saber que eu não deveria ser como minha mãe e que deveria ter muita consideração por eles terem me acolhido mesmo depois de minha mãe ter me abandonado. – Só quando eu precisei tomar fôlego é que percebi que eu estava falando muito e rápido demais, como sempre fazia quando ficava nervosa.
- Então eles nunca te contaram a verdade? Não sabe mesmo quem é sua mãe e tudo que ela fez?
- Ela fez algo além de fugir da escola na adolescência, se drogar e fugir do hospital?
- Drogar? Não sei bem o que algumas palavras que você utiliza significam. Mas acredito que há um equívoco em quem de fato foi sua mãe e quem seus avós disseram que ela era.
- Minha mãe, a Hely, Hely Elizabeth Rasmus, aliás, a Elizabeth do meu nome é em homenagem a ela, horrível... Mas enfim ela era uma drogada, e como minha avó diz uma louca sem propósito na vida...
Ele segurou minhas mãos fazendo uma concha com elas.
- Eu não sei por que seus avós lhe esconderam a verdade, Anna. Não convivi com sua mãe. Quando ela esteve em Taika eu já estava preso naquela caverna onde me encontrou. Porém, Hermes nunca disse nada sobre ela não ter propósito, aliás, foi uma das descendentes mais corajosas que já estudaram em nossa escola de magia.
Mais uma mentira... Eu estava começando a ficar um pouco cansada disso. Será que minha mãe, então, não era assim tão cabeça oca? Ou será que esse homem estava tentando me jogar contra minha família? Eu já não sabia mais em quem acreditar.
Soltei-me das mãos dele, não queria ter que encarar os seus olhos, alguma coisa neles parecia me controlar e isso me assustava, eu precisava me manter fria para poder compreender tudo que estava acontecendo comigo agora, ou eu enlouqueceria de vez, por vezes ficava me perguntando se por acaso eu tinha encontrado a toca do coelho de Alice no país das maravilhas e se isso talvez não era algum sonho estranho.
- Certo, eu prometi lhe contar tudo e vou lhe contar... – Ele fez uma pausa e se levantou. – Há muitos anos, ninguém sabe ao certo quantos, uma mulher dominada pela raiva e pelo ódio lançou uma maldição contra o povo de Taika, está maldição pôs todos para dormir por cerca de 100 anos. - Como em a bela adormecida? - O que? Certo era melhor eu me calar, aquilo não era um conto de fadas, fiz um sinal para que ele prosseguisse por vezes ele me olhava estranho esperando eu soltar mais uma coisa sem sentido. - Essa maldição parecia ter sido quebrada com a chegada de Gerttu, uma descendente de Rasmus que fez todos acordarem. - Descendente de Rasmus? Então minha família tem haver com a maldição? - Isso, a maldição foi lançada devido ao um ódio que a rainha tinha da própria família, a ideia era amaldiçoar todos da família, porém um bebe foi salvo por um súdito e levado a outro mundo. - E é esse bebe quem voltou? - Não exatamente
Quando saímos do quarto, Aila ainda ria para mim. Hermes e Kaarl vinham no corredor e Kaarl me olhou de alto a baixo. - Que roupas são essas? Aila se encolheu, Hermes interveio. - Não sei senhor, deixei lindos vestidos para ela hoje mais cedo! - Eu não os quis! – disse dando um passo à frente – Inclusive os dei para Aila, ela, porém, não os aceitou. Como não tinha o que vestir, fez a gentileza de me emprestar um vestido dela já que não posso usar calças por aqui! Kaarl escondeu o sorriso. - Anna, pedi que Hermes conseguisse os vestidos mais lindos de toda Taika. Jogou todo o trabalho dele no lixo. - Não consigo andar com aquelas coisas, são pesadas e desconfortáveis. Já disse, pode dar todos a Aila, até por que não precisarei deles, prometeu que eu voltaria hoje para casa! Kaarl olhou para Hermes. - Recolha os vestidos e procure por coisas mais confortáveis para a senhorita Anna. Eu deveria t
Senti-me triste, triste por ter voltado, triste porque não acreditavam em mim, não achavam que eu fosse capaz. Minha tia saiu do quarto junto com minha avó, eu era prisioneira dentro de minha casa, isso não podia estar acontecendo Se eu soubesse que seria assim, não teria voltado. Eu entendia que estivessem me protegendo, mas a omissão do quem eu era também era uma forma de destruição. Aquilo que eu tinha feito a pouco tinha acontecido do nada... E se acontecesse um dia, enquanto eu estivesse na aula? E se Kaarl tivesse razão e eles viessem atrás de mim e destruíssem minha cidade? Três dias se passaram, até que finalmente me permitiram sair de meu quarto para ir à escola. Porém, meu avô me levava e ia me buscar para ter certeza de que nada aconteceria no percurso. Ele também deixou todos meus professores avisados de que eu passava por uma crise de identidade e que não deveriam permitir que eu ficasse sozinha. Então, onde quer que eu fosse, eu tinha um guard
Assim que entrou no quarto, com cuidado, ele viu uma mulher não muito alta, parada de costas para a janela. Não era uma camponesa, não usava vestido, mas calças; tinha calçados de salto nos pés e postura elegante. Hermes tinha razão. Kaarl não a conhecia, e ao considerar suas roupas ela não devia ser do mundo dele, mas do mundo de Anna. - Eu gostava de ficar aqui, passava horas do dia observando a beleza do sol poente de vocês sem a fumaça das indústrias, apenas o verde das matas. Hely foi uma garota de sorte. A mulher falava sem se virar. Kaarl aproximou-se com cuidado. - Desculpe, mas quem é você? Ela sorriu de canto e então se virou. Seu rosto era familiar, ele conhecia, porém, não sabia quem era. - Hoje, quebrei uma promessa muito difícil de ser quebrada. Eu jurei nunca mais vir até aqui e olha só onde estou agora – Novamente, ela sorriu tristemente. – Sou Tarja, irmã mais velha de Hely, ou melhor, irmã de criação m
Aila andava apressada pelos corredores. - Aila, está tudo bem mesmo? - Na verdade, não, mas vamos entrar no quarto e eu lhe explico tudo. O quarto que tinha sido de Tiina não era o mesmo que eu tinha ocupado na vez passada. Era um quarto maior, tinha paredes amarelas e janelas grandes, era arejado e tinha dois espelhos gigantescos. - Tudo bem, estamos no quarto. Vai me contar o que está acontecendo. Por que ele está tão preocupado? - Bom, de acordo com as normas a seleção deve acontecer quando os bruxos ingressam na escola. Mas, é claro que, normalmente, as crianças que ingressam na escola já têm conhecimento em magia. Ou nasceram em famílias de bruxos ou se criaram no reino, e por isso conhecem tudo sobre a magia. Não é o seu caso, Kaarl está nervoso por que teme que isso possa assustá-la. E cá entre nós, acho que Jarkko fez isso de propósito, justamente com essa ideia. - E por que ele faria isso? E
Havia duas portas de madeira que levavam até o salão e eu fiquei parada atrás da segunda porta. Atrás da primeira porta estavam os novos alunos, com suas túnicas escuras e sem faixa. Atrás da segunda porta, eu tentava prestar atenção ao som da trombeta. Quando ela soasse, as portas se abririam e eu teria que entrar. Tudo bem, Anna, acalme-se, é só ouvir o som da trombeta. A cerimônia começou e eu podia ouvir o barulho dos passos dos alunos entrando no salão, seguidos por palmas. Eu não podia assistir a cerimonia de seleção deles e isso me deixou ainda mais angustiada, vê-los ser selecionados me daria um pouco mais de confiança, pelo menos eu saberia como seria. Assim que o aluno era selecionado, uma faixa de cor se formava em volta de sua cintura e ele era aceito em uma das classes dos elementos. Eu estava andando de um lado a outro, nervosa, quando a trombeta soou e despertou em mim o pânico. Disparei correndo de onde eu estava e surgi no corre
Eu olhei para ele apreensiva e então cerrei os olhos com medo. Tremendo dos pés à cabeça, pisei dentro do círculo. Alguns alunos se levantaram nas mesas para ver o que acontecia, mas nem o cálice, nem a Athame, tampouco a flor ou a vela, se moveram do lugar ou demonstraram qualquer mudança. Eu abri meus olhos para ver se algo acontecia, mas, nada... Não houve nada, logo as pessoas começaram a cochichar e se pode ouvir risos e piadas. “Ela não é uma bruxa”. “Não tem dom algum”. “Tirem ela daí, é só uma normal”... Assim como no meu mundo, o mundo de Kaarl também tinha seus preconceitos e nessa hora eu entendi que ser alguém sem magia em uma cidade mágica era como ser o patinho feio sem chances de ser cisne. Por que nada acontecia? O que estava havendo? Eu me virei para encarar Kaarl, que parecia perplexo. Jarkko se levantou e riu alto. - Vejam! Exatamente o que eu disse, ela não é uma de nós... É uma impostora.
Desci para jantar no horário de sempre; meus olhos procuraram pelos verdes efusivos de Kaarl, mas eu não o encontrei. Os guardiões estavam sentados na mesa principal, junto com alguns professores. Os Embaixadores tinham se retirado, nem todos tinham o costume de ficar para jantar no castelo. Quis me sentar em uma mesa, mas assim que sentei no banco vi os alunos se retirarem para o lado. Senti-me estranha, comi pouco; então, me levantei e os olhares me seguiram por todo o tempo, até que eu desapareci do salão e subi as escadas, indo para o meu quarto. Kaarl não veio me ver. Minha curiosidade de saber se eu devia ficar no castelo ou arrumar minhas coisas somente crescia. Eu queria saber, eu precisava saber se tinha dado tudo certo. A noite passou lenta demais, eu tinha vontade de procurar Kaarl, mas morria de medo do que ele fosse me dizer. Quando ouvi as primeiras batidas na porta, quase enlouqueci. Só podia ser ele! Saltei da cama e