Quando eu finalmente acordei, o sol se escondia atrás das montanhas rochosas fazendo o pôr do sol mais lindo que eu já tinha visto, sem prédios imensos para estragar a vista, apenas uma imensidão de arvores bem copadas e um campo livre. Foi então que me dei conta de que eu estava em um quarto muito alto do chão. Olhei pela janela vendo quão pequenas as pessoas pareciam do lado de baixo. O que era aquilo? Uma torre? As paredes eram sólidas e um lustre grande brilhava sobre a minha cabeça. O quarto imenso tinha ares de grandeza, muito diferente ao que eu estava acostumada. Um senhor de meia idade adentrou no quarto com algo sobre seu braço.
- Senhorita, está acordada!
- Sim, onde estou?
- Meu senhor a encontrou; estava desmaiada. Preocupado com sua segurança, a trouxe para o castelo. Estamos todos organizando uma festa para o príncipe, o retorno dele nos deixou imensamente felizes.
- Príncipe? Eu estou em um castelo então?
- Sim, senhorita, aliás, como disse, estamos organizando uma grande festa e trouxe esse vestido para você. Se sentirá mais adequada, já que estas suas roupas são um tanto estranhas aqui...
Olhei para minhas calças jeans e minha camiseta de malha branca que era usada para dormir. Depois, observei o vestido gigantesco que ele trazia nas mãos. O senhor já estava saindo do quarto quando falei:
- Não vou usar isso, aquele desgraçado me enganou! Disse que me levaria para casa e agora eu estou em um castelo, pronta para uma festa de um príncipe que eu nem conheço, enquanto minha família já deve ter colocado o exército atrás de mim! Eu vou embora agora!
Imediatamente, passei pelo senhor que ficou me olhando sair sem protestar ou dizer sequer uma palavra, e cruzei o corredor sem saber para onde eu estava indo. Mas de uma coisa eu sabia: eu tinha que descer se quisesse achar a porta de saída. Comecei descendo umas escadas estranhas, que seguiam em curvas. Será que não tinha um elevador, não? Cruzei por pessoas vestidas de forma esquisita, mas segui andando; devo ter descido mais de 500 degraus.
Apressei o passo até finalmente chegar a uma grande escadaria que dava para um salão imenso, com muitas pessoas reunidas. Quando eu apareci no alto da escada, todos pararam o que estavam fazendo e me olharam como se esperavam por mim e por aquele momento. Olhei novamente minhas roupas surradas e então observei que todos estavam com trajes de gala, vestidos pomposos e com muito volume... Só então notei a mão estendida para mim e olhei para o lado. O mesmo senhor que havia me encontrado no quarto estava ali, me dando a mão para descer as escadas.
- A senhorita demorou, já estávamos a sua espera...
- Como chegou aqui tão rápido? Por acaso existe mesmo um elevador aqui?
- Um o quê? - disse ele, fazendo uma cara estranha, como se não soubesse do que eu estava falando.
- Por favor, senhorita, apenas me diga seu nome para que eu possa anunciá-la!
Segurei sua mão temendo cair logo no primeiro degrau.
- É Anna, senhor.
Ele sorriu.
- Como queira – disse, fazendo um aceno com a cabeça. Depois, olhou para todos que continuavam a me observar de alto a baixo:
– Senhorita Anna Elizabeth Rasmus, da Província de Naantaly, Finlândia!
Olhei para trás para ter certeza do que tinha ouvido. Ele tinha dito meu nome completo e o nome de minha cidade também. Como poderia saber quem eu era e de onde tinha vindo? Todos ali eram estranhos para mim. Enquanto eu descia, muitas pessoas foram abrindo espaço para que eu passasse, e quando finalmente cheguei ao salão, os olhares se tornaram ainda mais clínicos. Houve muitos cochichos, alguns inclusive apontavam para mim. Como se não bastasse minhas roupas inapropriadas para o momento ainda tinha tudo aquilo, e por alguns segundos me arrependi de não ter aceitado as roupas que aquele senhor tinha me oferecido. Porém, se tivesse aceitado, provavelmente estaria me sentindo uns 25 kg, mais pesada e com muita dificuldade para andar; isso se eu não tivesse me estatelado no alto da escada e vindo parar aqui embaixo em uma chegada triunfante e catastrófica.
Fez se um silêncio imenso... A música que tocava ao fundo, com sons de harpa, cessou; e todos se voltaram para o alto da escada de novo. Somente eu estava de costas. E, para minha surpresa, quando me virei lá estava ele, com seu traje de gala, sem dúvidas o homem mais lindo de todo aquele lugar.
Vi algumas meninas olhando e sorrindo para ele. Não havia marcas em seu peito causadas pelo punhal, tampouco seu rosto estava sujo como quando eu o encontrei. Os olhos, agora de frente para a luz, pareciam ainda mais verdes do que eu lembrava, e ele tinha um rosto calmo, porém, sério.
- O senhor Kaarl Charles Sipinpoika, Príncipe do Condado de Taika, guardião e herdeiro da coroa negra, diretor da escola de magia de Taika!
Duas coisas foram imediatamente gravadas pela minha cabeça: a palavra “príncipe” e, ao mesmo tempo, a parte da “coroa negra”. Quem iria querer ter uma coroa negra? Mas, é claro que tudo isso foi imediatamente apagado pela raiva que eu senti dele. Mal consegui esperar ele alcançar o último degrau das escadas e avancei sobre ele, acertando-lhe um merecido tapa no rosto.
- Mentiroso!
Seus olhos verdes pareciam que iam explodir do rosto marcado. Cuspi no chão brilhante sem me preocupar, porém, segundos depois, me arrependi. Olhando para ele agora, com os cabelos cortados, a barba feita, roupas limpas, ele era, sem dúvidas, o homem mais lindo que eu já tinha visto na minha vida.
Senti as lágrimas de vergonha virem aos olhos e então disparei dali, correndo por entre as pessoas desconhecidas e cruzando as portas principais. Vi que os guardas fizeram menção de fechar as portas, porém, Kaarl fez um sinal com o dedo para que me deixassem ir.
- Mas senhor, ela vai cruzar a fronteira!
- Deixe-a ir a maldição não irá atingi-la...
- Como? Mas a maldição atingia a todas as outras. Lembra-se do que aconteceu à Tiina, não?
- Sim, eu sei, mas ela é diferente, algo nela é diferente, eu senti quando sua energia se aproximou de mim. Ainda não sei o que ela é, mas não é como as outras, e o pior, acho que nem mesmo ela sabe disso.
- Se não sabe, é um alvo fácil para a rainha. O senhor deve ir atrás dela, se eles a pegarem podem persuadi-la a ir para o lado deles!
- Preparem meu cavalo, vou atrás dela, está escuro e ela pode acabar se perdendo, ou pior, encontrar alguma criatura.
Hermes saiu correndo em seguida para preparar o cavalo de Kaarl, enquanto eu só queria correr, correr até meus pulmões explodirem.
Quando dei por mim, eu estava no meio de uma floresta escura e fria. Olhei para o alto, mas a copa das árvores era tão grande que nem mesmo a luz da lua podia me alcançar. Olhei para meus pés e tentei dar alguns passos na escuridão; ouvi um barulho estranho e me assustei, olhando para trás. Abracei meus braços em posição defensiva e também para tentar aplacar o frio que me dominava. No castelo, as lareiras estavam acesas e isso mantinha a temperatura agradável, mas, do lado de fora, os ventos frios do inverno que se aproximava e deixava o ar denso e difícil de ser respirado. Olhei para os lados, apavorada. Para onde eu deveria ir? Para onde correr?
Ouvi uma voz suave vindo de longe, parecia uma espécie de cantiga. Era uma voz linda! Comecei a seguir o som da música mesmo sem saber onde eu estava pisando. Às vezes, tropeçava nas raízes das árvores e caia, mas me reerguia novamente. Vi uma luz intensa surgir entre as árvores e caminhei até ela. Quando cheguei, meus olhos não conseguiam acreditar no que viam: as árvores estavam douradas, um tom cor de fogo que fosforescia na noite escura, clareando tudo. Observei o espaço e vi de onde vinha a música: eram fadas, era delas que vinha o brilho e a luz, suas asas eram como lâminas douradas e pequenas, porém, eram muitas, deveria ter umas mil ali. Dei um passo a mais e pisei em um galho, que se partiu. Todas se voltaram para mim e me observaram assustadas. Ouvi um grito de uma delas e logo começaram a voar em completa euforia. Suas asas se apagaram imediatamente e eu novamente fiquei no escuro. Abaixei-me no meio do nada e coloquei a cabeça entre as pernas, chorando baixo.
- Eu quero a minha casa, só quero voltar para casa, será que é tão difícil entender isso? Logo, dois pares de asa se acenderam novamente, e com eles mais dois e mais dois e outros; e tudo voltou a ficar claro. Levantei a cabeça e observei a miniatura de fada que dançava na minha frente. Uma, mais gordinha, preveniu aquela que estava mais próxima. - Não se aproxime tanto! Ela pode te atacar! A fada pequena se afastou um pouco... Olhei para ela e enxuguei as lágrimas. - Não vou machucá-las, eu juro. Ela me observou: seus olhos eram tão pequenos que eu mal podia vê-los. - Não vai nos machucar! Quando disse isso, todas as outras, que ainda estavam se escondendo, apareceram e a luz ficou ainda mais forte. - Quem é você e por que está chorando, menina? Olhei para ela e enxuguei os olhos. - Estou perdida, vim mais cedo para esse lugar, não sei como, e não sei como voltar para casa. Quero minha avó...
- O cavalo de um príncipe não deveria ser branco, como nos filmes da Disney? - Não sei o que é esse negócio de filme ou de Disney, mas quanto ao cavalo, eu gosto muito desse. É um animal fiel e benevolente, ele me esperou durante os 60 anos que estive preso, por anos não permitiu que ninguém montasse nele, agora que voltei ele me recebeu como da primeira vez. - Mas isso é impossível! Um cavalo não vive mais do que 30 anos! Como poderia ser o seu cavalo? - Entenda uma coisa Anna, em Taika, tudo é possível, aqui animais não são apenas simples animais há magia. Lá vinha aquela história de magia de novo, será que em dado momento ele voltaria a dizer que eu era uma bruxa? Por que se ele voltasse eu provavelmente saltaria do cavalo e não olharia mais na cara dele. Apoiei minha cabeça no ombro dele e inspirei o cheiro gostoso que vinha daquela pele. Mais um pouquinho e eu poderia tocar em seu pescoço, aquele pescoço... Ele mexeu os ombros ficando des
- Certo, eu prometi lhe contar tudo e vou lhe contar... – Ele fez uma pausa e se levantou. – Há muitos anos, ninguém sabe ao certo quantos, uma mulher dominada pela raiva e pelo ódio lançou uma maldição contra o povo de Taika, está maldição pôs todos para dormir por cerca de 100 anos. - Como em a bela adormecida? - O que? Certo era melhor eu me calar, aquilo não era um conto de fadas, fiz um sinal para que ele prosseguisse por vezes ele me olhava estranho esperando eu soltar mais uma coisa sem sentido. - Essa maldição parecia ter sido quebrada com a chegada de Gerttu, uma descendente de Rasmus que fez todos acordarem. - Descendente de Rasmus? Então minha família tem haver com a maldição? - Isso, a maldição foi lançada devido ao um ódio que a rainha tinha da própria família, a ideia era amaldiçoar todos da família, porém um bebe foi salvo por um súdito e levado a outro mundo. - E é esse bebe quem voltou? - Não exatamente
Quando saímos do quarto, Aila ainda ria para mim. Hermes e Kaarl vinham no corredor e Kaarl me olhou de alto a baixo. - Que roupas são essas? Aila se encolheu, Hermes interveio. - Não sei senhor, deixei lindos vestidos para ela hoje mais cedo! - Eu não os quis! – disse dando um passo à frente – Inclusive os dei para Aila, ela, porém, não os aceitou. Como não tinha o que vestir, fez a gentileza de me emprestar um vestido dela já que não posso usar calças por aqui! Kaarl escondeu o sorriso. - Anna, pedi que Hermes conseguisse os vestidos mais lindos de toda Taika. Jogou todo o trabalho dele no lixo. - Não consigo andar com aquelas coisas, são pesadas e desconfortáveis. Já disse, pode dar todos a Aila, até por que não precisarei deles, prometeu que eu voltaria hoje para casa! Kaarl olhou para Hermes. - Recolha os vestidos e procure por coisas mais confortáveis para a senhorita Anna. Eu deveria t
Senti-me triste, triste por ter voltado, triste porque não acreditavam em mim, não achavam que eu fosse capaz. Minha tia saiu do quarto junto com minha avó, eu era prisioneira dentro de minha casa, isso não podia estar acontecendo Se eu soubesse que seria assim, não teria voltado. Eu entendia que estivessem me protegendo, mas a omissão do quem eu era também era uma forma de destruição. Aquilo que eu tinha feito a pouco tinha acontecido do nada... E se acontecesse um dia, enquanto eu estivesse na aula? E se Kaarl tivesse razão e eles viessem atrás de mim e destruíssem minha cidade? Três dias se passaram, até que finalmente me permitiram sair de meu quarto para ir à escola. Porém, meu avô me levava e ia me buscar para ter certeza de que nada aconteceria no percurso. Ele também deixou todos meus professores avisados de que eu passava por uma crise de identidade e que não deveriam permitir que eu ficasse sozinha. Então, onde quer que eu fosse, eu tinha um guard
Assim que entrou no quarto, com cuidado, ele viu uma mulher não muito alta, parada de costas para a janela. Não era uma camponesa, não usava vestido, mas calças; tinha calçados de salto nos pés e postura elegante. Hermes tinha razão. Kaarl não a conhecia, e ao considerar suas roupas ela não devia ser do mundo dele, mas do mundo de Anna. - Eu gostava de ficar aqui, passava horas do dia observando a beleza do sol poente de vocês sem a fumaça das indústrias, apenas o verde das matas. Hely foi uma garota de sorte. A mulher falava sem se virar. Kaarl aproximou-se com cuidado. - Desculpe, mas quem é você? Ela sorriu de canto e então se virou. Seu rosto era familiar, ele conhecia, porém, não sabia quem era. - Hoje, quebrei uma promessa muito difícil de ser quebrada. Eu jurei nunca mais vir até aqui e olha só onde estou agora – Novamente, ela sorriu tristemente. – Sou Tarja, irmã mais velha de Hely, ou melhor, irmã de criação m
Aila andava apressada pelos corredores. - Aila, está tudo bem mesmo? - Na verdade, não, mas vamos entrar no quarto e eu lhe explico tudo. O quarto que tinha sido de Tiina não era o mesmo que eu tinha ocupado na vez passada. Era um quarto maior, tinha paredes amarelas e janelas grandes, era arejado e tinha dois espelhos gigantescos. - Tudo bem, estamos no quarto. Vai me contar o que está acontecendo. Por que ele está tão preocupado? - Bom, de acordo com as normas a seleção deve acontecer quando os bruxos ingressam na escola. Mas, é claro que, normalmente, as crianças que ingressam na escola já têm conhecimento em magia. Ou nasceram em famílias de bruxos ou se criaram no reino, e por isso conhecem tudo sobre a magia. Não é o seu caso, Kaarl está nervoso por que teme que isso possa assustá-la. E cá entre nós, acho que Jarkko fez isso de propósito, justamente com essa ideia. - E por que ele faria isso? E
Havia duas portas de madeira que levavam até o salão e eu fiquei parada atrás da segunda porta. Atrás da primeira porta estavam os novos alunos, com suas túnicas escuras e sem faixa. Atrás da segunda porta, eu tentava prestar atenção ao som da trombeta. Quando ela soasse, as portas se abririam e eu teria que entrar. Tudo bem, Anna, acalme-se, é só ouvir o som da trombeta. A cerimônia começou e eu podia ouvir o barulho dos passos dos alunos entrando no salão, seguidos por palmas. Eu não podia assistir a cerimonia de seleção deles e isso me deixou ainda mais angustiada, vê-los ser selecionados me daria um pouco mais de confiança, pelo menos eu saberia como seria. Assim que o aluno era selecionado, uma faixa de cor se formava em volta de sua cintura e ele era aceito em uma das classes dos elementos. Eu estava andando de um lado a outro, nervosa, quando a trombeta soou e despertou em mim o pânico. Disparei correndo de onde eu estava e surgi no corre