Quando volto para o abrigo, Lauren - uma garota da minha idade que ainda está no ensino médio e mora conosco - está se arrumando para sair, o que presumo ser algum encontro pago, que ela faz toda noite. Vou para meu quarto e tento estudar, mas com meus pensamentos inquietos sobre um certo garoto, ligo a pequena tv e procuro um filme.
— Amy! Estou indo para uma festa — Lauren anuncia, parada na porta do quarto. — Queria muito que você fosse. Juro que não vamos passar a noite lá dessa vez. Vamos ficar só um pouquinho. Se você não for, vou ficar chateada! — Lauren insiste e eu dou risada. Ela continua falando enquanto arruma os cabelos e muda de roupa pelo menos três vezes antes de se decidir por um vestidinho verde que deixa pouquíssimo espaço para a imaginação. A cor forte cai bem com seus cabelos vermelhos e sua pele escura, combinou muito com ela, e fico com inveja da confiança que demonstra. Sou confiante até certo ponto, mas tenho consciência de que não sou atraente como ela é.
— Não sei… — começo. Nesse momento, a tela da tv fica preta. Aperto o botão de ligar e espero… e espero… A tela continua apagada.
— Viu, só? É um sinal pra você ir. — Lauren sorri e volta a mexer nos cabelos.
Olhando para ela, percebo que na verdade não quero ficar sozinha nesse quarto sem ter nada para fazer e com os pensamentos em Josh.
— Tudo bem — respondo, e ela dá pulinhos, batendo palmas. — Mas só vamos ficar até no máximo meia-noite, ok?
— Ok. Quem vem buscar a gente é a Ashley. Ela acabou de m****r uma mensagem, vai chegar daqui a um pouquinho.
Ashley é uma amiga drogada da Lauren que namora um traficante e por isso tem carro e dinheiro.
— Acho que ela não gosta de mim — digo, e me olho no espelho.
— Quê? Gosta, sim. É que às vezes ela é meio resmungona e sincera demais. E acho que se sente um pouco intimidada por você.
— Intimidada? Por mim? Por que ela se sentiria intimidada por mim? — pergunto, aos risos.
— Você é muito diferente da gente — Lauren responde. Ela está claramente invertendo a situação. Pensando nisso, lembro que não vi Olga.
— Lauren, sabe da Olga? — pergunto.
— Não vejo ela há dias, Amy. — Ela para de passar o delineador e me olha.
— Onde foi que ela se meteu? — resmungo.
— Tem um grupo de pessoas morando na mata. Fui lá ontem para ver se eles precisavam de ajuda ou se sabiam da Olga, mas parece que eles estão vivendo assim porque acham divertido, não por estarem em uma situação deplorável.
— Como se fosse um acampamento? Olga não parece o tipo de pessoa que gosta de acampar.
— Donna está dizendo que eles fazem parte de uma seita. — Lauren responde com uma careta exagerada. — Todos eles se vestem de modo parecido. Falam de modo parecido. São estranhos.
— Por que Olga iria com eles?
— Por que não? — Lauren tinha terminado de passar o delineador, pegou o batom escuro e se virou para mim. — O plano deles, se é que existe plano, é viver longe da sociedade, disseram, mas parece que é uma desculpa para pararem de tomar banho e transarem como coelhos.
Dou risada.
— Onde eles estão acampados? — pergunto.
— Perto da Pedra Maior — responde. — E o que você acha disso? Sair de casa, abandonar todos os seus bens mundanos e viver da terra. Consegue se imaginar fazendo isso?
— São espíritos livres, certo? — Dou de ombros, apesar de ser muito mais fácil se imaginar andando na lua. Lauren sorri. Essa era, obviamente, a resposta certa.
Sexta-feira, 14 de setembro de 2018.
7h15 – Universidade de Baltimore
Baltimore – EUA.
Minha primeira semana de aula na faculdade está quase acabando. Josh e eu combinamos de nos encontrar hoje no café durante o intervalo, para rever as anotações da pesquisa que temos que começar, mas ele não estava lá quando cheguei. Assim que saio do café, paro, tentando pensar onde ele poderia estar. Um lugar me vem à mente: a biblioteca.
Começo a descer a calçada em direção ao prédio que agora eu tenho quase certeza que o encontrarei. A biblioteca do campus é enorme, com pequenos recantos, lugares escondidos entre as prateleiras em dois andares.
Por que o seu potencial esconderijo tem que ser tão vasto?
Decido procurar no segundo piso primeiro e começo a andar entre as prateleiras. Eu estava quase terminando a busca quando ouço um suave “oi” vindo de trás de mim. Eu tinha passado por ele e não o vi.
Josh está sentado em uma pequena poltrona com um livro em seu colo, escondido no final de uma fileira. É como uma caverna de livros.
— Oi — sorrio. — Eu estava procurando você.
Ele engole e empurra os óculos um pouco mais para cima antes de perguntar:
— Você estava? Por quê?
— Bem, nós tínhamos combinado de nos encontrar no café para a pesquisa, lembra?
— Ah, certo — responde ele, como se estivesse esquecido completamente.
Ignoro a pequena pontada de tristeza no meu peito com essa atitude.
— Então, quando vamos fazer isso? Podemos fazer depois da aula?
— Sim, sim — responde nervosamente e se levanta. Seu olhar se fixa no chão. — Podemos falar sobre isso depois? Tenho que ir.
— Você sabe que não tem razão para estar nervoso, certo? Eu não mordo.
— Eu sei disso — Josh responde, e sai da biblioteca sem olhar para mim.
Sábado, 28 de novembro de 2016.
14h26 – Calhoun St - Sandtown
Baltimore, EUA.
— E?
— Pirulitos. Eu adorava pirulitos.
Parece que minha cabeça voa quando me viro para olhar para ele. Estou deitada na barriga dele, e eu sorrio. Quando o conheci há seis meses, queria que fosse meu amigo, então ele me beijou, fiquei furiosa e ele se desculpou. Agora somos nós três.
Gosto do cabelo preto dele. Gosto dos seus olhos cinza, cheios de ternura. Gosto dos brincos nas duas orelhas. Gosto... que ele seja gostoso. Gostoso quando está chapado. Dou uma risadinha, porque ele é admiravelmente gostoso quando está sóbrio.
— Você quer um pirulito, Amy? — Thomy pergunta. Ele nunca faz perguntas sobre a minha infância. Na verdade, é uma das poucas vezes em que ele faz perguntas sem parar.
— Você vai comprar um?
Não sei, mas a ideia deixa meu coração leve. A minúscula parte sóbria do meu cérebro me lembra de que eu não gosto mais de pirulitos e que eu detesto flores no cabelo.
O resto da minha mente, perdida numa névoa de maconha, curte o jogo: a perspectiva de uma vida com doces e flores no cabelo, e alguém disposto a transformar meus sonhos mais loucos em realidade.
— Sim — responde, sem hesitar. Os músculos ao redor da minha boca ficam pesados, e o resto do meu corpo, incluindo o coração, faz o mesmo. Não. Não estou pronta para a queda. Fecho os olhos e desejo que isso vá embora.
— Está muito chapada — comenta Jeremy. Ele não está muito chapado, e parte de mim se ressente por isso. Ele largou a maconha e a falta de preocupação quando se formou, e está levando o Thomy pelo mesmo caminho. — Esperamos demais.
Sábado, 15 de setembro de 2018.
9h29 – Gilmor Homes, Sandtown
Baltimore – EUA.
O café da manhã já está pronto quando chego na cozinha. Ovos mexidos, pães e mingau. E café na grande garrafa térmica. Todo sábado, nos juntamos para a primeira refeição do dia, é nossa tradição. E é só nesse dia que temos mais opção de comida.
— Bom dia — Candice diz.
— Bom dia — olho ao redor. — Candice, você viu a Olga? — pergunto. Ela dá de ombros em resposta. Dou um passo para trás, para verificar as garotas já sentadas na mesa. Meu medo aumenta quando confiro cada rosto.
— Ela iria vir hoje? — Candice pergunta.
Balanço a cabeça que sim. Eu sei que as pessoas desaparecem por motivos pessoais, e talvez ela quisesse um tempo sozinha, mas não consigo evitar os pensamentos sinistros que tomam minha mente. Conheço Olga há anos, é uma irmã para mim. Sinto-me responsável por ela, mesmo ela sendo dois anos mais velha do que eu.
Em comparação com as outras, Olga se cuidava melhor, tomava mais banhos, vestia roupas melhores, porque não gastava todo seu dinheiro com drogas. Ela tinha brigado com seus pais adotivos em seu décimo sétimo aniversário, fugiu da casa e acabou fazendo as coisas que algumas garotas precisam fazer para sobreviver. Quando descobri que ela estava envolvida com drogas e namorando um traficante, pedi para ela vir morar conosco. Mas ela ficou apenas por uma noite.
— Ol não voltou — diz Donna, tranquilamente, enquanto se serve. — Já faz uma semana. Mas ela sabe se cuidar... não se preocupe querida.
Olivia Barnes. Olga. Eu estava acompanhado a história da garota pelo jornal do campus da universidade. Dezenove anos, assim como Olga. Ambas são lindas, a diferença é que uma era universitária. Era aluna da faculdade em que estudo.
Três semanas atrás, Olivia Barnes havia ido ao mercado à noite. E ela ainda não voltou para casa. Como que alguém — uma garota — podia sair de casa e nunca mais voltar?
Mais tarde, decido pesquisar sobre garotas desaparecidas. Vou até à biblioteca pública do outro lado da cidade para poder usar a internet e ver os jornais de dias anteriores.Diante de mim, está uma pilha de impressões de artigos em jornais sobre meninas desaparecidas no estado de Maryland nos últimos doze meses.Dois meses atrás, The Daily Record havia divulgado uma matéria de capa a respeito de uma garota que havia desaparecido do campus da faculdade. A fotografia estava escura demais para que as pessoas tivessem uma ideia de como ela era, mas a descrição dizia que era morena e bonita.The Baltimore Sun: outra garota desaparecida, vista pela última vez em um cinema. Descrita como atlética e atraente. A matéria seguinte era do Baltimore Times: Uma garota desaparecida vista pela última vez perto da propriedade de Highland. Alta, c
Volto ao bar e fico perto o suficiente do Top Gun, para que ele entenda a mensagem. — Posso comprar uma bebida para você? — diz. De perto, ele está mais para o personagem de Anthony Edwards que para Tom Cruise, mas já não me importo com essas coisas. Sorrio de modo doce. — Adoro o Moscow Mule. — Não adoro não, mas a bebida com vodca, refrigerante de gengibre e limão custa pouco e é um jeito mais eficiente de se embebedar do que com as cervejas baratas, quando eu tinha que pagar pelas próprias bebidas. — Adoro seu jeito de dançar. — Top Gun diz. Bebo meu drink tu
Sim. Foi tudo o que ele disse, mas foi o suficiente para me fazer sorrir. Pelo menos eu ainda poderei vê-lo hoje, mesmo que ele esteja estranho. Chego à cafeteria antes dele. Eu estava prestes a mandar outra mensagem para confirmar, quando o vejo chegar. Não consigo evitar o sorriso. — Josh! — Amélia! — diz, imitando meu tom animado antes de sentar na cadeira à minha frente. — Você está muito animada — observa ele. — É a pesquisa — debocho e reviro os olhos, fazendo-o sorrir. Josh parece estar com um humor muito melhor do que antes. Ele queria comer alguma coisa, foi at&eac
Quarta-feira, 19 de setembro de 2018. 15h09 – Universidade de Baltimore, Baltimore – EUA.Os esquilos do campus são muito domésticos; chegam a ser abusados. Não importa o que você esteja comendo, eles sobem em você e tentam tirar a comida da sua mão. Nas quartas e sextas-feiras, eu tenho vinte e cinco minutos entre Literatura e Escrita de Ficção, e, nos últimos dias, eu vinha matando o tempo sentada aqui, na grama, à sombra, aos fundos do prédio da aula de Inglês.Não há com quem se preocupar. Ninguém além dos esquilos. Confiro as mensagens de texto, ainda que o celular não tenha vibrado. Eu não conversei com Josh desde segunda feira e ele não fez nenhum esforço para falar comigo.Eu o sinto em pé ao meu lado quando vejo que o esquilo leva um
Quarta-feira, 19 de setembro de 2018. 21h23 – Casa da Ashley - RemingtonBaltimore – EUA. Quando chego à festa na casa de Ashley, está claro que eu não conseguirei me safar se não beber muito. Entro na cozinha, e meus olhos se arregalam ao ver a quantidade de álcool espalhado ao redor. Shots de vodca, uma bebida vermelha que não tenho certeza do que é, muitas garrafas de cervejas nas bancadas e, drogas, muitas drogas. Uma gargalhada sobre a mesa chama minha atenção: Ashley e Lauren estão sentadas na minha frente, rindo alto de algo que foi dito. Sorrio bêbada, como se tivesse ouvido também.
Sábado, 16 de julho de 2018.16h45 – The Crown - RemingtonBaltimore, EUA.— E o Jake? — Ele te bate. Você não precisa daquele babaca! — grito. Vejo duas sacolas de plástico no canto. Vão servir. Olga tem poucas coisas que valem a pena empacotar. — Amélia! — Ela chuta o resto da mesa de centro enquanto vem rápido atrás de mim e agarra o meu braço. — Para! — Parar? Olga, a gente tem que ir. Você sabe que, se o Jake voltar e me encontrar aqui... — Ele vai te matar. — Ela me interrompe e passa os dedos pelos meus cabelos de novo. Os olhos dela se enchem de lágrimas, e ela funga de novo. — Ele vai te matar — repete. — Mas eu não po
Sábado, 16 de julho de 201816h59 – RemingtonBaltimore, EUA. A maçaneta da porta se mexe, e meu coração dispara. Ele voltou. Olga agarra a minha mão de um jeito doloroso. — Pro meu quarto. — Ela me arrasta pelo apartamento e perde o equilíbrio ao tropeçar nos pedaços de móveis quebrados e latas de cerveja. — Saia pela janela — Olga manda. A bílis sobe pela minha garganta, e começo a tremer. — Não. Não vou sem você. Deixar minha amiga aqui é como observar a areia caindo numa ampulheta sem poder fazer nada para parar o tempo. Algum dia, o Jake vai exagerar e não vai ser apenas uma mancha roxa ou um osso quebrado. Ele vai tirar a vida dela. O tempo com o Jak
Sábado, 16 de julho de 2018.17h05 – RemingtonBaltimore, EUA. — Porra, Amélia, estou fazendo isso porque eu te amo! Meu coração bate uma vez e paralisa enquanto o mundo se torna terrivelmente parado. Vejo sinceridade nos olhos dele e balanço a cabeça. — Como amiga — sussurro. — Você me ama como amiga, não é? — Nos encaramos, com o peito arfando rapidamente. — Fala, Thomy. Fala que você me ama como amiga. Ele fica em silêncio, e minha mente parece que está a ponto de se partir. — Fala! — Não quero lidar com isso. Não tenho tempo para isso. Passo por ele. — Vou lá buscar a Olga. — Foda-se tudo — ele sussurra e se dobra. O