Mais tarde, decido pesquisar sobre garotas desaparecidas. Vou até à biblioteca pública do outro lado da cidade para poder usar a internet e ver os jornais de dias anteriores.
Diante de mim, está uma pilha de impressões de artigos em jornais sobre meninas desaparecidas no estado de Maryland nos últimos doze meses.
Dois meses atrás, The Daily Record havia divulgado uma matéria de capa a respeito de uma garota que havia desaparecido do campus da faculdade. A fotografia estava escura demais para que as pessoas tivessem uma ideia de como ela era, mas a descrição dizia que era morena e bonita.
The Baltimore Sun: outra garota desaparecida, vista pela última vez em um cinema. Descrita como atlética e atraente. A matéria seguinte era do Baltimore Times: Uma garota desaparecida vista pela última vez perto da propriedade de Highland. Alta, com cabelos compridos escuros e traços marcantes.
Baltimore Guide: Uma garota da Universidade Loyola havia desaparecido. Cabelos castanhos. Olhos escuros. Atleta.
Manchete do Community Times: Colega de quarto da estudante da Universidade Morgan: “ela não voltou para casa.” O pastor da estudante foi citado na matéria: “Ela é uma jovem bonita, de Deus, e nós queremos que ela volte.”
Bonita. Marcante. Bela. Jovem.
Como Olivia Barnes.
Como Olga.
Os dois desaparecimentos recentes não foram catalogados ainda, mas em poucos meses, eles entrarão para os registros. Empilho as impressões. As histórias chamam minha atenção. Sinto meus batimentos cardíacos acelerar de novo.
A sala está meio abafada. Li sobre vinte e oito mulheres desaparecidas até agora. Nenhum corpo apareceu, nenhuma parte do corpo, nada. Todas elas foram raptadas em uma sexta-feira para que o desaparecimento não precisasse ser denunciado até a segunda-feira.
Uso a internet para ter mais informações, vejo imagens rápidas de pais pesarosos, fotos na sala de aula e fotos indiscretas feitas durante as férias de verão com suas famílias.
Todas desaparecidas. Ou sequestradas. Ou mantidas em cativeiro. Ou, talvez, seus corpos simplesmente não tenham sido encontrados.
Será que Olga está mesmo desaparecida? Um homem de fato a arrastou para dentro da van? Essa mesma van tinha parado atrás de Olivia Barnes três semanas antes? Quem havia levado uma delas, ou as duas, sabia o que estava fazendo. Era alguém atrás de mulheres indefesas na rua. Mas para quê?
Mesma cor de cabelo, mesma cor dos olhos. Aproximadamente a mesma idade. Mesma altura, mesmo peso. Não é sobre quantidade.
É sobre apenas uma.
Ele está atrás de uma garota específica.
Estupro. A matéria de um site de notícias me chama atenção.
— Está lendo sobre Elisa Jenkins? — Steve, o bibliotecário, pergunta. Ele sempre queria conversar quando eu vinha aqui. Estava parado atrás da minha cadeira. — Estudante do segundo ano. Muito bonita. No lugar errado, na hora errada. Soube que ela era bem fácil. Passava a noite enchendo a cara.
— Isso não justifica nada — rosno, irritada.
— De qualquer modo — continua — a garota estava descendo a Charles Street e alguém a pegou. Provavelmente foi estuprada. — Fico em silêncio, olhando para a tela do computador. — Ninguém quer ler a respeito disso. É essa a história que você veio procurar? — pergunta ele.
— Bem, eu...
— Ela ainda não apareceu — diz ele.
— Como? Mas...
— Se você acredita que o mundo é cheio de estupradores, você está errada — interrompe. — E um campus de universidade é estatisticamente um dos lugares mais seguros.
Afundo as unhas contra as palmas das mãos. Penso na pilha de jornais que tinha acabado de ler. Queria jogá-los na cara de pau desse senhor, mas isso só causaria minha expulsão da biblioteca.
28 mulheres em um estado com população aproximada de 6,4 milhões não é um número significativo. Ele parece ler a minha mente.
— Ela era uma garota entre aproximadamente 15 mil estudantes. É um caso isolado.
— Nem sempre é anunciado — argumento.
— Porque metade delas se embebedou e mudou de ideia sobre fazer uma denúncia.
— Me refiro sobre ser anunciado. — As matérias são a respeito de mulheres desaparecidas, não sobre mulheres que foram estupradas. Atacadas. Agredidas. — Nem registrado na polícia, nem informado a ninguém — concluo.
— Por um bom motivo. — Steve cruza os braços sobre a barriga gorda e acrescenta: — A minha certeza é: que o campus é mais seguro para as mulheres do que nunca. E o mundo é mais seguro para as mulheres do que nunca.
— É mesmo? — Me irrito. — Reforce isso, esperto. Dê-me uma prova estatística de que o mundo é mais seguro para as mulheres, além do fato de parecer lindo, visto com suas lentes cor-de-rosa!
— Tudo bem. — Steve caminha até um dos computadores no fundo da sala. Liga a máquina e se senta. — Temos aqui as estatísticas de crime dos últimos dez anos em uma série de discos.
— Vai demorar horas até essa coisa ligar — resmungo. Levanto-me e vou até uma estante de metal atrás de sua mesa. Passo o dedo pela lombada de muitos livros até encontrar o que procuro. — As denúncias de estupro são um pouco menos do que 51% da população feminina do estado de Maryland. — Leio, em voz alta.
Acho que li errado. Olho para o livro. O estupro inclui agressões ou tentativas de estupro com o uso da força ou ameaça de uso da força; no entanto, o estupro estatutário (que não é à força) e outras agressões sexuais são excluídos.
— Cerca de 25 mil estupros acontecem para cada 100 mil habitantes — leio, atordoada com o número. A população de Baltimore é de mais ou menos 600 mil. Confiro os dados uma segunda vez, certa de que os tinha visto mal.
Ali estava: 152.912.
Olho para os números até eles ficarem borrados. Mais de cem mil mulheres. E são as maiores de idade. Que realmente registraram o crime. Quais são os outros abusos que não contam? E as mulheres que não vão à polícia? Por que o crime só para nos jornais quando a garota não está por perto para contar a história?
Fecho o livro. Olho para Steve e ele está claramente sem resposta. Idiota.
Sábado, 28 de novembro de 2016.
14h26 – Calhoun St - Sandtown
Baltimore, EUA.
— Ela tá muito chapada. Esperamos demais.
— Não, é perfeito. — Thomy responde. Ele se mexe e coloca minha cabeça em alguma coisa macia e fofinha. Um travesseiro. — Amy?
Sinto seu hálito quente na minha orelha.
— Sim? — É um sussurro grogue.
— Vem morar com a gente.
Na última primavera, Jeremy conseguiu um emprego e vai se mudar, e o Thomy vai com ele, apesar de Jeremy não poder sair oficialmente do lar adotivo até se formar no ano que vem e fazer dezoito anos. A tia dele nunca se importou com o lugar onde Jeremy morasse, desde que ela continue a receber os cheques do governo.
Tento fazer que não com a cabeça, mas isso não funciona muito bem na névoa.
— Nós dois já conversamos. Você pode ficar com um quarto, e a gente divide o outro.
Eles estão fazendo isso há semanas, tentando me convencer a me mudar com eles.
Mas ha! Mesmo chapada, eu consigo frustrar os planos deles. Abro os olhos trêmulos.
— Não vai dar. Vocês precisam de privacidade para o sexo — resmungo. Thomy ri. — E eu ainda estou no ensino médio.
— Como é que você vai pra escola? Vai pegar ônibus? Claro que não — Thomy diz.
— Você vai acordar mais cedo pra vir me pegar.
— Você sabe que eu vou mesmo — murmura, e sinto um toque daquele êxtase de novo. — Por que você não quer vir morar com a gente? — Thomy quer saber. A pergunta direta me deixa sóbria.
Porque não! Grito na minha cabeça. Viro-me de lado e me encolho em posição fetal.
Segundos depois, algo macio cobre o meu corpo.
— Agora ela foi — Jeremy diz.
Domingo, 16 de setembro de 2018.
21h46 – The Brass Tap, Bolton Hill
Baltimore, EUA.
Eu adorava dançar, principalmente porque era péssima nisso. As pessoas paravam para observar. Olhavam para mim não por eu ser atraente, mas porque fazia papel de boba.
— Você assistiu a Top Gun? — Lauren indica com a cabeça para um cara parecido com Tom Cruise, sentado no bar. Estreito os olhos para ver através da camada forte de fumaça.
Ele usa uma jaqueta e óculos de sol, apesar de estar calor e ele estar dentro de um bar.
— Sexy — respondo, tentando manter o ritmo da melhor maneira. Minha dança nunca fica boa quando eu tento conversar.
A pista está lotada. As pessoas trombam em mim, ou talvez sou eu quem tromba nelas. Depois de levar cotoveladas nas costelas, eu finalmente desisto e aceno para Lauren me seguir até o banheiro.
A fila está cheia de estudantes, a maioria delas menor de idade. Reconheci a menina abusada de uma aula que temos em comum. Ela tinha insultado as minhas meias. E hoje ela claramente está desorientada. Balança de um lado a outro, um pouco antes de cair de cara. Ninguém a ajuda. Talvez ela tivesse insultado as meias das pessoas também. Mas o que ela está fazendo em um bar desse lado da cidade? Esse lugar não é para ela.
— Caramba, tenha dignidade — Lauren diz.
Tive que erguer a voz acima da música.
— Você a conhece?
— Marilyn Carter — Lauren revira os olhos de um modo que indica que ela preferia não conhecer.
— Ela estuda uma aula comigo, mas não lembro qual. Espero que ela tenha alguém para levá-la para casa — respondo. Sinto a voz estridente começar a diminuir no fundo da garganta.
Elisa Jenkins havia ido para casa sozinha e veja só o que tinha acontecido.
— Por que não para de olhar no celular?
Tiro os olhos da tela.
— Por nada. Só vendo as horas. — Coloco o celular para vibrar, mas ainda assim, ela o confere.
— Quem vai ligar?
— Ninguém vai ligar.
— Quem é o sortudo?
— Cala boca. — Guardo o celular dentro do bolso. O que eu queria na verdade, era alguma mensagem de Josh. Deveria ter ligado para ele. Ou mandado mensagem. Mas acho que ainda não somos esse tipo de amigos.
— Anda! — alguém grita do fim da fila.
Entramos no banheiro. Olho meu reflexo no espelho de corpo inteiro. Estou usando uma das camisetas de banda de rock com alguns furos. Eu peguei do cesto de roupas para adoção, que foram levadas para o abrigo. E uma calça jeans preta, rasgada. Muito rasgada.
— Você está ótima — diz Lauren. — Não, espera, está liiiinda.
Dou risada. Ela está imitando o cara brincalhão que vimos mais cedo, ele paquera todas as garotas que entram no estabelecimento.
Lauren pergunta:
— E eu?
— Você está liiiiinda também. — Lauren está mesmo muito bonita. Seus cabelos negros estão arrepiados. Ela usa um bolero multicolorido com borda dourada. A saia preta de couro desce até quase os joelhos. As botas de couro com tachinhas acabam com seus pés, mas o look vale a pena.
A fila finalmente anda, e entro na primeira cabine. Não olho para o celular de novo. Sento-me na privada. Olho para o teto. Olho para os pôsteres presos na porta. Olho para o celular, finalmente. Nada. Olho para frente, tentando impedir que as lágrimas caiam. Respiro fundo lentamente. Josh não mandou nem um oi. Ou talvez ele não quisesse. Talvez eu fosse chata demais. Talvez Josh percebeu que não valho a pena ou...
— Deus — alguém resmunga.
Ouço o som característico de vômito caindo na água da privada. Deve ser aquela garota, também conhecida como Marilyn Carter. Alguém bate na porta do banheiro.
— Tem gente querendo mijar aqui!
Dou descarga. Fico de pé. Abro a porta. Lavo as mãos e saio.
Volto ao bar e fico perto o suficiente do Top Gun, para que ele entenda a mensagem. — Posso comprar uma bebida para você? — diz. De perto, ele está mais para o personagem de Anthony Edwards que para Tom Cruise, mas já não me importo com essas coisas. Sorrio de modo doce. — Adoro o Moscow Mule. — Não adoro não, mas a bebida com vodca, refrigerante de gengibre e limão custa pouco e é um jeito mais eficiente de se embebedar do que com as cervejas baratas, quando eu tinha que pagar pelas próprias bebidas. — Adoro seu jeito de dançar. — Top Gun diz. Bebo meu drink tu
Sim. Foi tudo o que ele disse, mas foi o suficiente para me fazer sorrir. Pelo menos eu ainda poderei vê-lo hoje, mesmo que ele esteja estranho. Chego à cafeteria antes dele. Eu estava prestes a mandar outra mensagem para confirmar, quando o vejo chegar. Não consigo evitar o sorriso. — Josh! — Amélia! — diz, imitando meu tom animado antes de sentar na cadeira à minha frente. — Você está muito animada — observa ele. — É a pesquisa — debocho e reviro os olhos, fazendo-o sorrir. Josh parece estar com um humor muito melhor do que antes. Ele queria comer alguma coisa, foi at&eac
Quarta-feira, 19 de setembro de 2018. 15h09 – Universidade de Baltimore, Baltimore – EUA.Os esquilos do campus são muito domésticos; chegam a ser abusados. Não importa o que você esteja comendo, eles sobem em você e tentam tirar a comida da sua mão. Nas quartas e sextas-feiras, eu tenho vinte e cinco minutos entre Literatura e Escrita de Ficção, e, nos últimos dias, eu vinha matando o tempo sentada aqui, na grama, à sombra, aos fundos do prédio da aula de Inglês.Não há com quem se preocupar. Ninguém além dos esquilos. Confiro as mensagens de texto, ainda que o celular não tenha vibrado. Eu não conversei com Josh desde segunda feira e ele não fez nenhum esforço para falar comigo.Eu o sinto em pé ao meu lado quando vejo que o esquilo leva um
Quarta-feira, 19 de setembro de 2018. 21h23 – Casa da Ashley - RemingtonBaltimore – EUA. Quando chego à festa na casa de Ashley, está claro que eu não conseguirei me safar se não beber muito. Entro na cozinha, e meus olhos se arregalam ao ver a quantidade de álcool espalhado ao redor. Shots de vodca, uma bebida vermelha que não tenho certeza do que é, muitas garrafas de cervejas nas bancadas e, drogas, muitas drogas. Uma gargalhada sobre a mesa chama minha atenção: Ashley e Lauren estão sentadas na minha frente, rindo alto de algo que foi dito. Sorrio bêbada, como se tivesse ouvido também.
Sábado, 16 de julho de 2018.16h45 – The Crown - RemingtonBaltimore, EUA.— E o Jake? — Ele te bate. Você não precisa daquele babaca! — grito. Vejo duas sacolas de plástico no canto. Vão servir. Olga tem poucas coisas que valem a pena empacotar. — Amélia! — Ela chuta o resto da mesa de centro enquanto vem rápido atrás de mim e agarra o meu braço. — Para! — Parar? Olga, a gente tem que ir. Você sabe que, se o Jake voltar e me encontrar aqui... — Ele vai te matar. — Ela me interrompe e passa os dedos pelos meus cabelos de novo. Os olhos dela se enchem de lágrimas, e ela funga de novo. — Ele vai te matar — repete. — Mas eu não po
Sábado, 16 de julho de 201816h59 – RemingtonBaltimore, EUA. A maçaneta da porta se mexe, e meu coração dispara. Ele voltou. Olga agarra a minha mão de um jeito doloroso. — Pro meu quarto. — Ela me arrasta pelo apartamento e perde o equilíbrio ao tropeçar nos pedaços de móveis quebrados e latas de cerveja. — Saia pela janela — Olga manda. A bílis sobe pela minha garganta, e começo a tremer. — Não. Não vou sem você. Deixar minha amiga aqui é como observar a areia caindo numa ampulheta sem poder fazer nada para parar o tempo. Algum dia, o Jake vai exagerar e não vai ser apenas uma mancha roxa ou um osso quebrado. Ele vai tirar a vida dela. O tempo com o Jak
Sábado, 16 de julho de 2018.17h05 – RemingtonBaltimore, EUA. — Porra, Amélia, estou fazendo isso porque eu te amo! Meu coração bate uma vez e paralisa enquanto o mundo se torna terrivelmente parado. Vejo sinceridade nos olhos dele e balanço a cabeça. — Como amiga — sussurro. — Você me ama como amiga, não é? — Nos encaramos, com o peito arfando rapidamente. — Fala, Thomy. Fala que você me ama como amiga. Ele fica em silêncio, e minha mente parece que está a ponto de se partir. — Fala! — Não quero lidar com isso. Não tenho tempo para isso. Passo por ele. — Vou lá buscar a Olga. — Foda-se tudo — ele sussurra e se dobra. O
Sábado, 16 de julho de 2018.17h07 – RemingtonBaltimore, EUA. — Thomas, me larga! — grito. Ele ignora.— Me solta, porra!— Não vou soltar até eu saber que você parou de pensar como uma idiota e fazer coisas estúpidas. Você podia morrer. O Jake anda falando no bar faz tempo que vai fazer picadinho de você se te encontrar de novo. Ele te culpa, porque a polícia foi no apartamento dele na semana depois de você ter visitado Olga. Mas ele esquece que tem inimigos em toda parte, e que você não tem nada a ver com isso.Ouço um estalo na cabeça, e meu corpo todo se encolhe. Falei com o Thomas todas as noites, e ele não me contou essa fofoca. Uma fofoca que teria me feito agir mais rápido. Se o Jake me culpa, tam