Capítulo Dois

Estava começando a achar que os estágios da gravidez eram bem parecidos com os estágios do luto.

Negação. Primeiro, eu e April passamos quase trinta minutos numa discussão naquele banheiro. Eu negava qualquer coisa que ela dissesse. Simplesmente era impossível que eu estivesse grávida!

Raiva. Eu comecei a xingar a tudo e todos no banheiro. Eu queria quebrar aqueles espelhos estúpidos que ficavam me encarando e me julgando. Eu queria culpar e processar todo mundo. Comecei a bolar umas teorias de que a indústria farmacêutica vendia camisinhas de má qualidade só para lucrar com testes de gravidez e fraudas depois.

Negociação.

— Eu juro que se não estiver grávida eu serei a melhor pessoa do mundo! Vou fazer caridade e nunca mais brigar com a minha mãe!

Depressão. Eu me vi novamente sentada naquele chão frio do banheiro do aeroporto. E, abraçando minhas pernas, comecei a chorar. Intensa, mas silenciosamente. Não queria chamar a atenção da segurança, que já tinha dito que se eu causasse mais confusão seria convidada a me retirar do aeroporto. April se colocou ao meu lado e me abraçou, e mesmo sem dizer uma sequer palavra, ela estava me consolando.

Tinha um ser humano dentro da minha barriga. Um ser humano. Era para essa sensação ser mágica. E não trágica. Eu sempre sonhei em ter filhos. Mas o tempo não era o certo. Eu tinha dezesseis anos. E aquele ser, o ser se desenvolvendo dentro de mim, que precisava de mim e que por alguma razão eu tinha a urgência de protegê-lo, destruiria o meu futuro como eu planejei. O meu sonho de ir pra faculdade e me tornar uma grande jornalista pareciam tão distantes e impossíveis naquele momento.

Mais trinta minutos chorando e então finalmente tive coragem de sair do banheiro. Além disso, a nossa mãe já estava desesperada ligando e perguntando onde estávamos.

— Quem é o pai?

A pergunta de April me atingiu em cheio. Ela tinha insistido em dirigir, afirmando que eu não estava em condições mentais estáveis. Eu estava com a cabeça encostada na janela, cabisbaixa e nem sequer tinha pensado no fato de que o ser dentro de mim não era só meu.

— Dá para ser mais direta? — resmunguei.

— Perdão. — ela balançou a cabeça, reiniciando a pergunta: — Com quem você...

— April! — a repreendi.

— Você vai me contar ou não?!

Bufei, irritada.

— Você lembra... daquele loirinho? Quarterback do time de futebol do colégio. Você viu ele quando eu te levei para o jogo nas férias de julho...

— O pai do seu filho é Jason Martell?! — exclamou minha irmã. Sua animação a fez quase bater num carro, mas por sorte desviou a tempo, evitando de um acidente. Ela sempre foi uma péssima motorista, e uma pessoa muito distraída; essa combinação era perigosa.

— April, você poderia ter nos matado! — tentei mudar de assunto. Ela continuou me encarando de maneira insolente, esperando eu contar. — Sim, ele é!

— Eu lembro quando vocês ainda estavam no ensino fundamental. — suas feições manipuladoras foram substituídos por um sorriso atrevido. — Ele tinha doze, treze anos e já era bonito. Mas agora, uau, ele ficou gato. Muito gato. Você é muito sortuda.

— Eu estou grávida, April!

Dizer aquilo em voz alta assustou nós duas. Minha irmã, arrependida do que disse, mordeu o lábio e segurou a minha mão.

— Desculpa, de verdade.

— Foi depois da festa para comemorar a vitória de um jogo umas semanas atrás. — suspirei, recordando. — Ele ficou dando em cima de mim a festa toda. Mas ele é bem divertido. Nós dançamos e jogamos até cerveja-pong. E aí...

— E aí...?

— E aí aconteceu. E eu saí correndo na manhã seguinte. — conclui, arrancando uma risada da minha irmã.

— Você vai precisar contar para ele. — disse ela, num lamento. Concordei com a cabeça. Eu não fazia ideia de como ele ia reagir. O mais provável é que me abandonasse com o ser. Logo, o colégio todo saberia. No final, tudo cairia sobre meus ombros. Era o meu corpo que mudaria, eram os meus sonhos destruídos, e era eu quem seria para sempre julgada.

— É... eu sei.

— Meninas, finalmente chegaram! — celebrou minha mãe, assim que entramos em casa. Eu mal conseguia olhá-la nos olhos.

— Vocês demoraram muito. — reclamou meu pai.

— Não se preocupe, pai, eu só levei a Ariana para a gente fumar num beco qualquer com desconhecidos e depois fizemos tatuagens com os nomes deles. — zombou April.

— Me pergunto qual seria o motivo de não terem me chamado. — piscou meu pai, fazendo a minha mãe revirar os olhos.

Meus pais eram assim desde que me entendo por gente. Eles viviam se desentendendo por motivos bobos como a marca da pasta de dente, principalmente porque eram muito diferentes e porque minha mãe achava meu pai liberal demais. Meu pai costumava trabalhar como salva-vidas, e a minha mãe era uma péssima nadadora e acabou se afogando na praia. Parece clichê quando digo isso, porém, acho que eles estavam predestinados.

Meu pai, Michael Baker, era um homem muito alto, e dizia que a razão por ser careca era que eu e April arrancamos todos os cabelos dele. Minha mãe, Adele, era a mulher mais inteligente que eu conhecia. E muito bonita também. Ela era advogada e meu pai, dono de uma loja de equipamentos de esporte. Meu pai era era quem mantinha a calma quando as três mulheres da casa estavam surtando, o que acontecia sempre porque a minha mãe era neurótica e perfeccionista, algo que eu herdei dela, e April era extremamente bagunceira.

Eles nos criaram sendo o mais protetores que eles puderam, no entanto, tinham plena confiança em mim e na minha irmã. A gravidez significava a quebra dessa confiança. A filha que eles tanto se orgulhavam havia se tornado uma decepção. Não podia contar. Ainda não.

Depois daquele jantar esquisito, em que April tentava focar toda a atenção nela mesma para que meus pais não reparassem que eu estava estranha, não consegui dormir. Passei a noite em claro, mudando de posição na cama, sem conseguir controlar os inúmeros pensamentos que martelavam em minha mente e me davam uma baita dor de cabeça. Pensava na escola na manhã seguinte e em como teria que confrontar Jason e em seguida todos os meus amigos e colegas. Num piscar de olhos as fofocas voariam e chegariam aos ouvidos de todos.

A única companhia que eu queria naquele era o meu gato, Pesadelo. Ele levava esse nome porque vivia se metendo em confusão quando era filhote, deixando a mim e a minha família malucos com a bagunça pela casa. Mas ele tinha estado presente em praticamente toda a minha vida e os momentos em que ele se aconchegava perto de mim e deixava eu fazer carinho nele valiam a pena.

Na manhã seguinte, saí de casa correndo, sem nem cumprimentar meus pais direito ou tomar café. April me deu uma boa encarada, só pra me garantir que eu não ia esquecer de contar para o pai sobre o ser dentro de mim.

Quando cheguei no colégio, tive a impressão de que todo mundo estava me encarando. Será que eu parecia grávida? Meus peitos estavam maiores? Eles liam pensamentos?

— Você parece estranha hoje. — comentou Chloe, se aproximando.

— É, por acaso essa maquiagem neon da Chloe te assustou? — completou Ben, aproveitando a oportunidade de zombar de Chloe.

— Em que caverna você vive, Ben? Os anos oitenta estão na moda.

— Noção também.

Chloe Yamazaki e Benjamin Stevens eram os meus melhores amigos. Eu sabia que podia confiar totalmente neles, e que estariam do meu lado no momento em que eu lançasse a bomba. O único problema era que Chloe era líder de torcida e Ben era namorado de um jogador do time de futebol e amigo de Jason, ou seja, eles eram parte de grupos que eu não queria que soubessem tão cedo.

— Agora que você parou de tagarelar sobre você, será que podemos focar na senhorita "eu vi um fantasma" aqui? — disse Ben, me tirando dos meus devaneios. Eu estava muito distraída. Talvez porque eu estivesse tentando lembrar se a primeira aula do dia era literatura ou química ou talvez porque eu estivesse grávida.

— Em caso de ter se esquecido, a primeira aula é literatura. — falou Chloe, entregando o livro pra mim. Ela me conhece tão bem. Agora eu não podia mais fingir que estava procurando algo no meu armário e teria que conversar com eles.

— Obrigada, gente. Mas eu juro que converso com vocês depois. — falei, me afastando deles.

A classe estava quase cheia quando eu entrei. Eu não era do tipo que se sentava na frente, por isso me dirigi ao final da sala evitando troca de olhares com qualquer pessoa.

A professora começou a falar e eu não estava prestando a mínima atenção. Até que eu ouvi as seguintes palavras saírem da boca dela:

— Jason Martell. Você está atrasado.

Meu coração quase saiu pela boca. Eu tinha esquecido completamente que fazíamos essa aula juntos. O susto me fez derrubar alguns livros no chão, chamando atenção de toda a sala de aula.

— Talvez você deva fazer companhia à senhorita Baker. — disse a professora. — Mantê-la acordada.

E lá estava ele. Me encarando com aquele sorriso estupidamente perfeito.

— Oi, sorrateira. Parece que você derrubou algo. — disse ele, sentando ao meu lado e apontando para os livros.

— É, eu percebi.

A professora continuou a aula e eu ainda não conseguia tirar meus olhos de Jason. Dos seus cabelos loiros que eram propositalmente bagunçados. Da sua jaqueta bomber que cheirava a lavanda. Das suas bochechas que pareciam sempre avermelhadas porque sua pele era muito clara ou do seu queixo quadrado. E definitivamente não conseguia desviar o olhar dos seus olhos azuis.

— Precisamos conversar. — sussurrei, assim que o sinal tocou, anunciando o fim da aula.

— Por favor... — ele fez uma careta. — Não diga que está apaixonada por mim.

— Ah, pelo amor de Deus! — revirei os olhos. — Eu não estou apaixonada por você.

— Veremos. — ele piscou e saiu andando.

— Jason! É sério! Depois da escola, na lanchonete da Emma, eu fui clara? — fiz o melhor olhar ameaçador que pude para tentar convencê-lo.

Ele suspirou e assentiu com a cabeça.

— Está bem.

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