— Desgraçada! — Fabíola agarrou o abajur e ao saltar da cama acertou a coisa.
A criatura ficou contra a porta do quarto, trancada. Roberto acordou imediatamente, levantou numa rapidez que lhe deu tonturas, uma enorme espinha já crescia em seu pescoço:
— Que droga — sussurrou.
— A corda — Fabíola ordenou.
Roberto pegou a corda dentro do guarda roupa; encarou a criatura. Aquela coisa estranha se posicionava como um animal preparando o ataque, de gatinhas, os olhos fixados no inimigo.
Roberto avançou. Ela se esquivou num salto, fincou as garras no teto, se pendurando por instantes, l
— Ai, desgraçada. Roberto!Ainda um pouco tonto, Roberto conseguiu amarrar os pulsos e pernas da invasora, com uma única corda.Fabíola acendeu a luz do quarto; a mulherzinha se debatia, tentava, igualmente, morder a corda, não tinha dentes, no entanto. Ficava esfregando a gengiva cinza no nó.— Que horror, chega disso — Fabíola pegou um cachecol vermelho e amordaçou a criatura — assim ela não machuca a boca. Pior que na minha cabeça ela tinha presas.— Deve ter sido um sonho — Roberto falou se encostando à parede. Seus olhos estavam inexpressivos.&mda
Na tremedeira Maria bebericava sua xícara de café, sentada no sofá:— Você deixou os meninos na casa daquela mulher?— Não, mãe, deixei André e seu amigo na casa do pai de André. Eu precisava, essa casa virou um campo de batalha… ou vai virar pelo menos.Maria apertou sua xícara, responderia, mas foi calada pela surpresa que teve ao ver Roberto coberto de arranhões.— Desamarrei ela e a prendi no armário.— Então — começou Fabíola —, estamos prontos?— Es
O Nojento entrou já tentando desafivelar o cinto, Nojento, passou a chamá-lo, tal qual o chamava Ele, Dele, Aquele, como se em sua perversidade já não pudesse mais receber um nome próprio, ou como fosse sujo dizer seu nome, uma desonra. Os capangas mantinham apenas uma malícia no olhar, não ousando mover mais que o permitido até o momento.Ele a pegou pelos ombros, jogou-a na cama. Tentou beijá-la, mas Fabíola não abriu os lábios, Ele sequer percebeu.— Sabe — começou a falar enquanto ele tentava excitá-la beijando-a no pescoço —, eu tava aqui pensando: você se acha parecido com o seu pai?— Cala a boca — ele mandou. 
Ele voltou a grunhir, arqueou os ombros definindo os músculos e fez que ia avançar. Ele babava, não parecia saliva o que escorria pelo queixo dele; parecia pus, branco e pastoso.— O que aconteceu com você? — Ele parecia até ter dobrado de tamanho. Fabíola retrocedeu para o corredor, a passos curtos e sem virar as costas para o inimigo.— Fabíola, o que tá acontecendo aí?— Volta pro quarto, mãe! — Fabíola gritou como se ela mesma fosse a mãe dando uma bronca na filha.Ela deu uma olhada rápida para a mulherzinha: morta, totalmente.Ele, a
Uma vez irritada tudo a irrita mais, inclusive o som oco do mandacaru batendo em sua janela. Não era a primeira vez a acontecer, dia e noite o mandacaru ia com força contra o vidro quando lhe tocava o vento. Embora grande fosse a tentação de cortar alguns gomos, Fabíola sempre tinha pena; estavam tão belas as flores vermelhas cujos botões abriam todas as noites. Naquela tarde nublada, tanto nervosismo, ansiedade, tristeza vinham em bruma translúcida pelos olhos e escorriam salobras pela face de Fabíola — cegavam não apenas à visão. Fabíola largou a calculadora ao chão, pegou uma tesoura de costura e abriu a janela. Extravasou tudo a lhe ocorrer no pobre mandacaru, mas a planta era tão forte que a perda fora imperceptível. Fab&i
Às onze da noite Fabíola chegou em casa, chegara mais cedo, pois não tinha feito hora extra, queria aproveitar a casa sozinha — a mãe ia à igreja naquela noite. Teria chegado ainda mais cedo, não fossem as chuvas de verão; São Paulo inteira estava debaixo d’água e o bairro onde moravam possuía um esgoto à céu aberto que sempre alagava. Como se não bastasse o trânsito nas avenidas, Fabíola teve de dar a volta, pela entrada de outro bairro, para chegar em casa. E foi surpreendida com a presença da mãe. Deixou escapar o ar certamente protestante, afinal, tinha planos, mais precisamente o plano de chegar e ir direto ao quarto sem precisar olhar para a velha senhora sentada no sofá de frente para a televisão. — Chegou cedo, não deveria estar na faculdade? — a mãe questionou. &n
Fabíola entrou na sala de aula, sentou à carteira e estava felicíssima, finalmente retornou aos estudos. Pegou seu caderno e abriu na matéria favorita, Políticas Públicas da Educação, ela adorava estudar as leis acerca de sua área de atuação e debatê-las com a amiga Carla, elas eram boas naquela matéria e passavam quase todo o tempo livre debruçadas em casos nos quais as leis não foram colocadas em prática, debruçadas nas falhas do Estado, no sucateamento da escola pública. Vale dizer, as duas foram as primeiras a se revoltar com o congelamento da entrada de grande parte de dinheiro público na educação, após a aprovação da PEC do Teto de Gastos, ao ponto de tentar organizar um protesto. O Movimento Estudantil se mobilizou, as duas foram à luta com seu grupo comunista, inspiradas pelos seus ideais e sonhos. Infelizmente, não houve luta comunista ou ataque anarquista que impedisse a aprovação
Maria estava estranha, pelo menos para Fabíola. Assim que entraram em casa, Maria se dispôs a fazer as compressas para os meninos, colocou o celular para tocar na hora de dar os remédios e cantarolava seus “louvores” — por motivos desconhecidos, era quase um pecado capital chamar música gospel de música, Fabíola odiava esse fato tanto quanto odiava música gospel louvores. Todo aquele “lá, lá, lá” proferido pela mãe assustava, de certa forma, apesar de deixar Fabíola confortável. Talvez, a descoberta de que os furúnculos causavam dor em Caíque tivesse amolecido o coração da velha.— Minha filha — ela chamou —, você pode dar uma olhada no quintal? V