Ainda na rua, antes de sair de dentro do carro de Roberto pôde ver as janelas da cozinha e da sala num brilho dourado, saiu de casa com tanta pressa que esqueceu as lâmpadas acesas, embora jurasse tê-las apagado. Sua relutância de adentrar a moradia fora tão ou mais forte que a resistência de entrar na casa do pai. Poderia dizer: tudo bem, nada saltará para me devorar, entretanto, não devia, sabia que não era verdade. Restava-lhe assumir sua posição de adulta e, numa conduta madura, enfrentar o monstro, mesmo que com medo. Só assim as coisas se arrumariam, não podia esperar que os mais velhos viessem e resolvessem tudo, porque agora ela era o mais velho com pessoas indefesas acreditando em seu discernimento.
Como já esperava ser surpreendida, não sobressaltou com o estado da casa quando entrou.
Ela bebeu um litro inteiro de chá de camomila, depois subiram para o primeiro andar. Frente a porta, Fabíola parou, com a mão envolvendo a maçaneta, respirou fundo; estava tremendo.— Deixa que eu faço — Roberto prontificou-se.— Não, eu faço. Preciso fazer — empurrou a porta com a força bruta necessária para assustar a invasora. Viu, na pouca luz amarelada dos postes da rua, sua mãe com a cabeça e braços pendurados na guarnição de alumínio, o tronco no vão entre a janela e o mandacaru, as pernas entrando entre os gomos espinhosos e aquela criatura horrenda com seus pés enormes sobre a barriga e peito de Maria. — Mãe! — estrondou. Roberto levou Maria até seu quarto e a deitou, ela respirava, no entanto não acordava. Fabíola pegou um rolo de papel higiênico, um pano, um pote com água, uma barra de sabão e uma toalha de rosto limpa.— Me ajuda a despir ela — Fabíola pediu. O sangue de Maria encharcou a cama inteira.— Temos que chamar uma ambulância.— Temos, mas não devemos; como vamos explicar isso! Vão achar que torturamos ela.Com a mãe vergonhosamente só em lingerie, Fabíola começou a limpar suas feridas com a toalha e o sabão. Era verdade, poucos vestígios de admiração sagrada sobraram em Fab&XIV
— Desgraçada! — Fabíola agarrou o abajur e ao saltar da cama acertou a coisa.A criatura ficou contra a porta do quarto, trancada. Roberto acordou imediatamente, levantou numa rapidez que lhe deu tonturas, uma enorme espinha já crescia em seu pescoço:— Que droga — sussurrou.— A corda — Fabíola ordenou.Roberto pegou a corda dentro do guarda roupa; encarou a criatura. Aquela coisa estranha se posicionava como um animal preparando o ataque, de gatinhas, os olhos fixados no inimigo.Roberto avançou. Ela se esquivou num salto, fincou as garras no teto, se pendurando por instantes, l
— Ai, desgraçada. Roberto!Ainda um pouco tonto, Roberto conseguiu amarrar os pulsos e pernas da invasora, com uma única corda.Fabíola acendeu a luz do quarto; a mulherzinha se debatia, tentava, igualmente, morder a corda, não tinha dentes, no entanto. Ficava esfregando a gengiva cinza no nó.— Que horror, chega disso — Fabíola pegou um cachecol vermelho e amordaçou a criatura — assim ela não machuca a boca. Pior que na minha cabeça ela tinha presas.— Deve ter sido um sonho — Roberto falou se encostando à parede. Seus olhos estavam inexpressivos.&mda
Na tremedeira Maria bebericava sua xícara de café, sentada no sofá:— Você deixou os meninos na casa daquela mulher?— Não, mãe, deixei André e seu amigo na casa do pai de André. Eu precisava, essa casa virou um campo de batalha… ou vai virar pelo menos.Maria apertou sua xícara, responderia, mas foi calada pela surpresa que teve ao ver Roberto coberto de arranhões.— Desamarrei ela e a prendi no armário.— Então — começou Fabíola —, estamos prontos?— Es
O Nojento entrou já tentando desafivelar o cinto, Nojento, passou a chamá-lo, tal qual o chamava Ele, Dele, Aquele, como se em sua perversidade já não pudesse mais receber um nome próprio, ou como fosse sujo dizer seu nome, uma desonra. Os capangas mantinham apenas uma malícia no olhar, não ousando mover mais que o permitido até o momento.Ele a pegou pelos ombros, jogou-a na cama. Tentou beijá-la, mas Fabíola não abriu os lábios, Ele sequer percebeu.— Sabe — começou a falar enquanto ele tentava excitá-la beijando-a no pescoço —, eu tava aqui pensando: você se acha parecido com o seu pai?— Cala a boca — ele mandou. 
Ele voltou a grunhir, arqueou os ombros definindo os músculos e fez que ia avançar. Ele babava, não parecia saliva o que escorria pelo queixo dele; parecia pus, branco e pastoso.— O que aconteceu com você? — Ele parecia até ter dobrado de tamanho. Fabíola retrocedeu para o corredor, a passos curtos e sem virar as costas para o inimigo.— Fabíola, o que tá acontecendo aí?— Volta pro quarto, mãe! — Fabíola gritou como se ela mesma fosse a mãe dando uma bronca na filha.Ela deu uma olhada rápida para a mulherzinha: morta, totalmente.Ele, a
Uma vez irritada tudo a irrita mais, inclusive o som oco do mandacaru batendo em sua janela. Não era a primeira vez a acontecer, dia e noite o mandacaru ia com força contra o vidro quando lhe tocava o vento. Embora grande fosse a tentação de cortar alguns gomos, Fabíola sempre tinha pena; estavam tão belas as flores vermelhas cujos botões abriam todas as noites. Naquela tarde nublada, tanto nervosismo, ansiedade, tristeza vinham em bruma translúcida pelos olhos e escorriam salobras pela face de Fabíola — cegavam não apenas à visão. Fabíola largou a calculadora ao chão, pegou uma tesoura de costura e abriu a janela. Extravasou tudo a lhe ocorrer no pobre mandacaru, mas a planta era tão forte que a perda fora imperceptível. Fab&i