Jéssica chegou muito feliz à porta da escola. Alinhou seu horário de residência para a manhã. Se organizou para que, mesmo que precisasse fazer horas extras — o que era muito comum —, sempre estaria livre no final da tarde e à noite.
Reservou para si as sextas-feiras e os fins de semana. Estava muito satisfeita com esse arranjo. Sentia-se sobrecarregada por estar dividida entre a pressão de se dedicar ao trabalho e aos filhos na mesma intensidade.Nessa queda de braço, parecia estar constantemente devendo aos filhos, como se o tempo que dedicava a eles estivesse sempre aquém do que mereciam ou precisavam. Essa culpa latejava em seu coração permanentemente e, às vezes, comandava algumas atitudes que tinha com os filhos.Buscava sempre compensações extravagantes para o que considerava ser a falta diária.— Mamãe! — OsMaria, na ânsia de afastar Nicole, acabou dando tudo o que ela precisava para se aproximar com mais força do “ecossistema”. O momento rude garantiu a presença de Nicole no jantar que seria apenas deles. E, graças a isso, nada aconteceu como de costume. Hugo foi de carro com ela. Jéssica levou as crianças. Chegaram juntos, mas seus corações não poderiam estar mais separados.— Olhe só, aquela mesa parece bem localizada. — Nicole se sentia no direito de tomar todas as decisões. Segurando firme no braço de Hugo, ela caminhava com imponência, usando esse momento para deixar claro que tinha um lugar na vida desse homem, as crianças gostassem ou não.— Já temos a nossa mesa. — Caio seguiu para o lugar de costume. De todos, ele era o mais irritado. Justo no dia em que ele escolhera o passeio, tudo estava diferente. Par
Jéssica caminhava com dificuldade pelos corredores lotados do hospital. Os pacientes estavam amontoados em todos os locais, formando barreiras pelos corredores. Um desconforto para todos da equipe. O excesso de gente trazia um aumento do barulho e um risco tremendo de contaminação.Passou enquanto o moço da assepsia limpava o vômito da paciente com dengue. Ela entrou no quarto e fechou a porta rapidamente. Finalmente, um segundo de silêncio. Se encostou na porta e fechou os olhos para aproveitar a tranquilidade.— Não se incomode, Jéssica. Temos a manhã toda para esperar você se recuperar. — O professor Paschoal a trouxe para a realidade com uma boa dose de sarcasmo.— Desculpe, professor. — Envergonhada, ela se aproximou da cama para uma boa surpresa. Paula estava visivelmente melhor. O sangramento tinha sido controlado, e o aspecto de calma deu lugar ao de sofrim
O professor Paschoal estava encurralado por três alunos descontentes. Fechou os olhos e respirou fundo para encontrar a calma necessária para responder à quantidade de reclamações.— Ela é uma residente do primeiro semestre, por que tem preferência na hora de realizar procedimentos, se eu, que estou no terceiro, não tive a chance ainda? Uma aluna reclamava, gesticulando meticulosamente, tentando mostrar ao professor que a decisão dele não fazia sentido.— Ela conquistou a confiança da paciente e já demonstrou mais habilidade do que alguns do terceiro ano. Paschoal estava encurralado na sala do café. Eram poucos os ambientes onde a equipe podia descansar alguns minutos com o hospital tão lotado.Ele verificava com a direção médica se já tinham emitido o aviso de superlotação para a central de regulaç&
Jéssica pediu para Hugo buscar os filhos, pois seria necessário fazer hora extra hoje. O corpo pesado e a mente um pouco aérea não eram motivo para deixar tantas pessoas sem atendimento.Ficou aliviada quando soube que não chegariam mais pacientes. Depois de um plantão de vinte e cinco horas, voltou para casa.Tomou outro banho por puro hábito e dormiu o quanto pôde. Era sexta feira; poderia passar o final de semana se recuperando.Jonathan não teve a mesma sorte. Pegou um paciente complexo, que precisou de várias cirurgias para se estabilizar. Não realizou o procedimento diretamente, mas acompanhou de perto todo o processo.— Ritmo sinusal — disse o professor Thomas, depois de inserir o último stent e observar a resposta do coração à intervenção. As mãos fechadas em uma celebração contida.Só
Jéssica acordou a tempo de buscar os filhos. Não conseguiu se recuperar totalmente, mas ficou tempo demais longe da luz da sua vida.Arrumou-se de forma despretensiosa: um vestido leve de corte reto e saia longa. Maquiagem simples, apenas para esconder o cansaço estampado no rosto. Olhou-se no espelho e gostou do conjunto. Optou por adicionar um acessório para não sair tão básica. Sentou-se à penteadeira para pegar um par de brincos no porta-joias.Seu olhar caiu sobre o colar que Hugo lhe dera, trazendo uma lembrança:— Isso é para simbolizar a nossa parceria. Tão singular e honesta. Para que nos lembremos do que nos motiva — dissera ele ao colocar nela o colar de ouro 18 quilates, com um pingente de pérola branca média sustentado por um aro de ouro amarelo, um único diamante e uma pequena pérola negra.Jéssica sentiu uma grande emoção com o presente. Era um símbolo de que tudo o que estavam construindo tinha um peso real e muito valor mútuo.Ela lhe deu uma pulseira de quartzo preto
Breno não estava feliz. Seu pai era o seu herói. O melhor de todos, aquele que poderia fazer o que quisesse e obter sucesso.Em seu coração, Hugo era a pessoa mais incrível do planeta. Sempre agindo para o bem, fazendo o melhor para todos em casa, no trabalho. Inventando as brincadeiras mais divertidas, cozinhando as melhores receitas.Não havia um único minuto de sua existência em que não se lembrasse de Hugo fazendo algo incrível para tornar a vida mais leve e alegre.A decepção tinha um sabor amargo. Trazia sentimentos sombrios que ele não reconhecia. Seu mundo sempre fora repleto de felicidades e alegrias.Sentado na escada até a meia-noite, estava decidido a conversar com o pai. Imaginou que, em algum momento, ele voltaria para casa, mas não aconteceu naquele dia.Hugo não voltou. Isso fez a raiva da criança aumentar exponencialmente. Agora ele não voltava mais para casa todos os dias.Acordou no sábado pronto para resolver a situação de uma vez por todas. No alto de seus seis an
O peito arfante e as mãos trêmulas de Breno sinalizavam que seu momento de fúria estava apenas no começo. Hugo se levantou, foi até a frente do filho, abaixou-se e ouviu atentamente cada palavra que ele tinha para dizer. Não o interrompeu nenhuma vez.— VOCÊ ESTÁ ENGANANDO A MINHA MÃE! COMO TEM CORAGEM? COLOCAR ESSA MULHER NA NOSSA VIDA?! — Breno ofegava, deixando as emoções transbordarem a cada palavra.— EU ACREDITEI EM VOCÊ. EU CONFIEI EM VOCÊ, E VOCÊ ME ABANDONOU! ABANDONOU MEUS IRMÃOS! NOS DEIXOU TRISTES! — Os olhos da criança começaram a marejar. A tremedeira estava diminuindo.— NÃO ACREDITO QUE EU QUERIA SER COMO VOCÊ! EU TE ODEIO! — Breno bateu o pé com força no chão. Os braços alinhados ao corpo subiam e desciam no ritmo da fúria que o incendia
O carro com som alto indicava que pessoas felizes haviam chegado. Célia, preocupada com Jéssica, correu para sinalizar que abaixassem o volume.Hugo obedeceu. Juntou os três filhos na sala. Pensou em fazer um discurso direcionado a todos, mas entendeu que machucara cada um de forma diferente. Conhecia os filhos melhor do que a si mesmo.Maria estava sentada com ar indiferente. Mastigava chicletes ruidosamente, mexia no celular e fazia uma bola. Um esforço enorme para ignorar a presença do amado pai.Hugo sabia que precisava começar por ela. Ajoelhou-se, pegou o celular das mãos da menina e começou:— Filha, eu te amo. — Beijou-lhe a mão. — Eu te amo. — Novo beijo. — Eu te amo. Me perdoa por ter deixado você acreditar que eu poderia te abandonar? Por ter te deixado triste?Ele a olhava com sinceridade, o olhar carregado de culpa pelo próprio comp