Breno não estava feliz. Seu pai era o seu herói. O melhor de todos, aquele que poderia fazer o que quisesse e obter sucesso.Em seu coração, Hugo era a pessoa mais incrível do planeta. Sempre agindo para o bem, fazendo o melhor para todos em casa, no trabalho. Inventando as brincadeiras mais divertidas, cozinhando as melhores receitas.Não havia um único minuto de sua existência em que não se lembrasse de Hugo fazendo algo incrível para tornar a vida mais leve e alegre.A decepção tinha um sabor amargo. Trazia sentimentos sombrios que ele não reconhecia. Seu mundo sempre fora repleto de felicidades e alegrias.Sentado na escada até a meia-noite, estava decidido a conversar com o pai. Imaginou que, em algum momento, ele voltaria para casa, mas não aconteceu naquele dia.Hugo não voltou. Isso fez a raiva da criança aumentar exponencialmente. Agora ele não voltava mais para casa todos os dias.Acordou no sábado pronto para resolver a situação de uma vez por todas. No alto de seus seis an
O peito arfante e as mãos trêmulas de Breno sinalizavam que seu momento de fúria estava apenas no começo. Hugo se levantou, foi até a frente do filho, abaixou-se e ouviu atentamente cada palavra que ele tinha para dizer. Não o interrompeu nenhuma vez.— VOCÊ ESTÁ ENGANANDO A MINHA MÃE! COMO TEM CORAGEM? COLOCAR ESSA MULHER NA NOSSA VIDA?! — Breno ofegava, deixando as emoções transbordarem a cada palavra.— EU ACREDITEI EM VOCÊ. EU CONFIEI EM VOCÊ, E VOCÊ ME ABANDONOU! ABANDONOU MEUS IRMÃOS! NOS DEIXOU TRISTES! — Os olhos da criança começaram a marejar. A tremedeira estava diminuindo.— NÃO ACREDITO QUE EU QUERIA SER COMO VOCÊ! EU TE ODEIO! — Breno bateu o pé com força no chão. Os braços alinhados ao corpo subiam e desciam no ritmo da fúria que o incendia
O carro com som alto indicava que pessoas felizes haviam chegado. Célia, preocupada com Jéssica, correu para sinalizar que abaixassem o volume.Hugo obedeceu. Juntou os três filhos na sala. Pensou em fazer um discurso direcionado a todos, mas entendeu que machucara cada um de forma diferente. Conhecia os filhos melhor do que a si mesmo.Maria estava sentada com ar indiferente. Mastigava chicletes ruidosamente, mexia no celular e fazia uma bola. Um esforço enorme para ignorar a presença do amado pai.Hugo sabia que precisava começar por ela. Ajoelhou-se, pegou o celular das mãos da menina e começou:— Filha, eu te amo. — Beijou-lhe a mão. — Eu te amo. — Novo beijo. — Eu te amo. Me perdoa por ter deixado você acreditar que eu poderia te abandonar? Por ter te deixado triste?Ele a olhava com sinceridade, o olhar carregado de culpa pelo próprio comp
No caminho de casa, Hugo se lembrou de um detalhe importante, algo que parecia bastante simbólico.— Caio, quer comer onde hoje? — perguntou diretamente, para evitar brigas. Sua voz interior lhe dizia que precisava corrigir isso rapidamente.A surpresa do menino foi absurda. Sentiu como se, pela primeira vez, estavam tratando-o como alguém importante. Seus olhos brilharam de excitação.— Comida baiana. — Ele disse, surpreendendo a todos. Seu restaurante favorito sempre foi o de dinossauros, mas já tinha visto demais disso hoje. Era hora de fazer algo diferente.— Certo. Vamos para lá, então. — Hugo seguiu o caminho, controlando a chuva de reclamações que se iniciou com essa subversão da ordem. Não era o dia de Caio escolher.— Gente, hoje ele escolhe. Na próxima vez, voltamos à lista normal. — Jéssica int
A resolução inicial deu lugar à revolta. Como ela podia tratar desse assunto de maneira tão calma? Estava planejando avançar no relacionamento com Jonathan?— Jéssica, você realmente não se importa que Nicole entre na nossa casa? Na nossa vida? — Tentou não parecer tão bravo quanto se sentia.— Eu quero te ver feliz. Se ela te faz bem, tem que ter espaço entre nós. E as crianças precisam saber que isso não muda seu sentimento por elas. Você a escolheu! — Deu um sorriso fraco, para esconder a tristeza de imaginar que não seria tão importante na vida dele e que, muito provavelmente, se separariam em breve.Hugo, incapaz de conter o desespero que se acumulava em seu peito, se levantou, bebeu todo o líquido do copo, encheu e bebeu de novo. Repetiu até acabar com a garrafa. Olhou nos olhos dela e disse:&mda
Jéssica estava concentrada, manipulando as pinças laparoscópicas com muita precisão. O suor que escorria foi seco pela enfermeira atenta ao seu lado. — Isso, Jéssica, muito bem. Agora, um pouco mais para a esquerda, vamos pegar essa aderência maior. — Paschoal instruía com paciência. Estava bastante orgulhoso do desempenho dela nesse procedimento. — Professor, parece maior do que nos exames. O senhor notou? — Ela estudou tanto o quadro clínico enquanto se preparava para a cirurgia que sabia todos os exames de cor. — Sim. Veja se consegue medir a profundidade. — Paschoal, com as mãos para trás, estava muito tranquilo nesse momento. O resto da turma não estava tão contente. A onda de energia negativa que emanava daquelas pessoas, desejando o lugar dela, só não foi maior porque Jonathan e Mariana compareceram para desejar o sucesso da amiga. Cada elogio do professor, cada movimento bem-feito que Jéssica fazia despertava viradas de olhos, cochichos maldosos, risadinhas inapropriadas. S
Jéssica não deu importância para a inscrição no programa de intercâmbio. Esqueceu até de falar com Hugo. Achou que não tinha chance alguma de ser selecionada e que não adiantaria se preparar.Só pensou nisso como uma possibilidade real quando recebeu o e-mail para envio de documentos. Ficou paralisada, olhando a tela por um tempo. Enviou a documentação, seguindo a voz do avô:“Chegou até aqui, vai parar por quê? Vai lá e se divirta.”Depois, ligou para Hugo.— Olá, boa tarde. Estou te atrapalhando? — Disse, com receio. — Você sabe que nunca atrapalha. — Hugo respondeu, com ar animado. Estavam em paz desde que ela voltou para casa. — Então. Eu me inscrevi num programa de intercâmbio. Fiz por fazer, nem levei fé. Mas parece que tenho chance real de ir. Pediram documentos adicionais. Você me odeia por te avisar assim, de última hora? — Jéssica fechou os olhos, imaginando que viria uma resposta atravessada. — Nem se eu me esforçasse muito te odiaria. Agora me diga, quando é a viagem? —
Chegou o dia da viagem. Hugo estava irritadiço e mau-humorado durante todo o momento em que arrumavam as coisas para a partida de Jéssica. — Não mexe aí, Caio. Pode fazer sua mãe esquecer algo. — Ele falou mais nervoso do que o habitual. — Calma. Estamos no horário. Os documentos estão em ordem. Vai dar certo. — Jéssica tentou acalmar o homem nervoso à sua frente. — Não é isso... É só... Vamos, gente, não podemos nos atrasar! — Ele chamou de novo para ir. No fundo, estava com medo. A insegurança de pensar se conseguiria fazer as coisas sem Jéssica o corroía. Nunca precisou tomar conta dos filhos sozinho. Desde que chegou em sua vida, Jéssica esteve ali e o ensinou o valor de ter um parceiro. Alguém que o ajuda nos momentos difíceis. Que o ampara e dá carinho. Por mais que tentasse evitar, a sensação de estar novamente sendo abandonado o corroía. Um medo crescente de que ela arrumasse um americano bombado e interessante e decidisse nunca mais voltar para casa. Para ele. Jéssica e